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29/08/2004 - 04h28

"Mago", Jeff Mills ultrapassa limites da dance music

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THIAGO NEY
da Folha de S.Paulo

No mundo da música eletrônica e dos superstars DJs, superlativos são comuns: o mais popular, o melhor, o mais viajado. Pois, se há um nome que por direito pode ser acompanhado de tais termos, este responde por Jeff Mills.

Nos anos 80, comandava um programa de rádio em Detroit em que abria espaço para artistas de electro, rap e "Detroit tecno" e para ele mesmo, que começava a produzir. A música de Mills nunca tendeu para o fácil, para o comercial. Havia elementos de jazz, house e soul, que hoje dá para ser rotulada por "Jeff Mills tecno" --não é à toa que um de seus apelidos é "o mago".

No final dos 80, criou com o colega Mike Banks o Underground Resistance, coletivo militante que tinha (tem) por missão levar a eletrônica sempre adiante e de forma independente, que produziu clássicos como "The Final Frontier" e "Hi-Tech Jazz".

Mills deixou o grupo em 1991, mas continuou na ponta. Hoje, aos 41 anos, prestes a se apresentar no Brasil pela terceira vez, no Nokia Trends Sónar Sound, em setembro, ele inova ao utilizar em seus sets um aparelho de DVD em que mixa a música com imagens num telão.

De Chicago, por telefone, Jeff Mills falou à Folha.

Folha - No futuro você prefere ser lembrado como produtor ou DJ?

Jeff Mills - Gosto mais de produzir do que de atuar como DJ, acho mais interessante, então escolheria ser lembrado como produtor.

Folha - Você já chegou a dizer que a expressão "dance music" é muito limitadora. Por quê?

Mills - Muito do que é feito sob esse rótulo é feito, obviamente, para as pessoas dançarem, é produzido sob certas circunstâncias. Acho limitador sob o aspecto do público, que talvez não consiga entender e reagir àquilo; quando um DJ toca para pessoas que não conseguem ou não querem dançar. Sempre achei que música eletrônica é muito mais bem produzida e apreciada quando não está focada apenas na pista de dança, mas, sim, no ouvido. A mensagem é mais expressiva quando você compõe para a mente, e não para o corpo.

Folha - Você está tocando com um aparelho em que mixa a música com imagens de um telão. Por que isso? Vai usar no Brasil?

Mills - Sim, usarei no Brasil. Com essa máquina, é possível acrescentar algo, dar mais significado ao que toco. Hoje em dia é difícil entenderem o que um compositor tenta passar, pois as músicas têm se tornado tão minimalistas, tão quebradas... Mas em cada composição há uma mensagem e, com essa tecnologia, há como provocar os sentidos do público.

Folha - Você acha que dance music é música escapista, em que se ouve apenas para diversão?

Mills - Há esse lado também, claro. Mas há muita música eletrônica composta em outra direção, oposta ao padrão "pista de dança alegre". Mas acho que estamos falando de eletrônica feita sob a perspectiva de arte.

Folha - Sua música é muitas vezes descrita como "minimal" ou "quase hard". Como a descreveria? É certo dizer que é "Jeff Mills tecno"?

Mills - Minha música é "hard" apenas quando há uma idéia por trás que exige essa agressividade. Mas há muitas outras idéias que trazem um conceito mais sutil, orgânico. E, se você olhar para o que eu já fiz, há um monte de exemplos de diferentes tipos de canções, coisas dark, bizarras, abstratas.

Folha - Você fez uma trilha sonora para "Metrópolis", de Fritz Lang, para "A Máquina do Tempo", o livro de H.G. Wells, e "sonorizou" um filme de Buster Keaton ("The Three Ages", de 1923)...

Mills - Animação, ficção científica e fantasia são coisas que me interessam desde criança. Agora estou numa posição em que posso me dedicar a coisas que realmente gosto. Muitas músicas minhas são baseadas em ficção científica.

Folha - Parece estranho incluir tecno em filme de Buster Keaton...

Mills - Levou um tempo para descobrir qual direção seria a melhor. Nunca tive experiência com comédia. A primeira idéia era compor uma trilha que funcionasse como um grupo de nuvens no céu, que fosse seguindo e mudando. Mas depois comecei a compor por partes e acabou saindo, não sei, tecno-jazz, talvez. Não é fácil para mim classificar o que saiu dali. Mas é bem jovial.

Folha - Nos seus sets você costuma utilizar montes de discos e partes de músicas. Por que você não gosta de apenas deixar uma canção tocando?

Mills - Porque muitas músicas eu toco apenas por causa de pequenas partes que estão ali. E muitas faixas apenas ficam se repetindo após dois ou três minutos, não progridem; não há necessidade de tocá-las do início ao fim. Trato meus discos mais como um meio de exprimir uma idéia do que como uma música em si.

Folha - Você usa softwares para produzir ou apenas sintetizadores?

Mills - Uso apenas máquinas. Sem softwares, sem computadores. Acho que tenho mais sucesso em imprimir uma personalidade à música se tenho menos instrumentos para me acomodar. Se usar um computador ou um software que deixa o processo mais simples, tenho a impressão de que estou trapaceando.

Folha - Você fez história quando criou o grupo Underground Resistance. Olhando para trás, como você vê a importância do projeto?

Mills - Aquela foi uma época muito produtiva. Aprendi muito trabalhando com Mike Banks e Robert Hood. Éramos muito ambiciosos e otimistas em relação às possibilidades da música eletrônica. Tentávamos levá-la para um nível acima, sempre.

Folha - O que você acha da cultura dos "superstars DJs"? Muita gente diz que isso estaria acabando com a dance music.

Mills - Acho que isso é como uma moda, uma fase passageira. Isso tem decaído bastante. Por um lado, foi saudável, pois nos possibilitou saber até que ponto poderíamos chegar. Mas, ao mesmo tempo, um DJ não é obrigado a seguir essa direção; pode permanecer com os pés no chão. Mas isso não está acabando com a dance music, está acabando apenas com uma moda.

Folha - Você usa internet para comprar ou baixar música?

Mills - Eu nunca baixei música na minha vida. Acho que assim eu contribuo com a carreira de vários artistas. Acho que é difícil para quem baixa música entender que há muitas pessoas sofrendo com esse tipo de situação. As majors funcionam como bancos, são poderosas, então, se você olhar por esse lado, você acha que a indústria fonográfica é poderosa e que não será afetada. Mas a realidade é que as gravadoras independentes sofrem dez vezes mais. Quando você vai a uma loja à procura de, não sei, Britney Spears, há uma grande chance de você trombar com um artista desconhecido, se interessar e comprar o disco. Essa situação tem sido muito afetada. Além disso, há os distribuidores e os lojistas independentes, que não conseguirão competir num mercado em que milhões de pessoas estão baixando músicas de graça. É difícil entender porque isso é um fator novo, nunca aconteceu antes.

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