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03/09/2004 - 06h01

"A Vila" é metáfora do medo oficial da Era Bush

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SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

A melhor maneira de não compreender e menosprezar "A Vila", que estréia hoje no Brasil, é menosprezar a alegoria que o filme faz da Era Bush. O clima de medo instalado oficialmente e alimentado pela Casa Branca nos Estados Unidos depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001 é o cerne do sexto longa de M. Night Shyamalan, um dos mais interessantes diretores em atividade, autor da imbatível trilogia sobrenatural-com-um-twist-no-final formada por "Sinais" (Signs, 2002), "Corpo Fechado" (Unbreakable, 2000) e "O Sexto Sentido" (The Sixth Sense, 1999).

Aos 34 anos, o indiano criado na Filadélfia Manoj Nelliyattu Shyamalan (seu nome verdadeiro) é o mais próximo que a nova geração de cineastas norte-americanos conseguiu chegar de Alfred Hitchcock, de quem o diretor é fã confesso e a quem homenageia ao dar sempre um jeito de aparecer em pequenas cenas, como fazia o genial e roliço condutor britânico.

Outras pequenas obsessões também ajudam a legitimar a aura de "peculiar" que Shyamalan cultiva: todos os seus filmes trazem cenas-chave em porões; há sempre uma referência à Filadélfia; etc. etc (há uma lista cheia delas no IMDb; www.imdb.com).

Em "A Vila", uma comunidade aparentemente do século 19 vive em paz e harmonia, guiada por um conselho de anciãos e isolada do resto do mundo por uma floresta, onde viveriam estranhos seres, os "cujo-nome-não-se-menciona". Há um pacto de não-agressão entre estes e os habitantes: um não invade o espaço do outro, os humanos usam cor amarela como forma de proteção e o vermelho está banido da cidade, por ser a cor dos monstros.

O equilíbrio entre o natural (ainda que cercado) e o sobrenatural é quebrado pelo destemor e amor de um jovem, Lucius Hunt (Joaquin Phoenix, excelente). Iluminista como o trocadilho bilíngüe que seu próprio nome sugere (caçador de luz), ele não teme os monstros e se oferece para desbravar a floresta, o que lhe é sempre negado pelo líder local, Edward Walker (William Hurt).

Lucius provocará a situação que todos querem evitar e que responde pela virada final do filme, ao assumir a paixão pela filha do líder, a deficiente visual Ivy Walker (Bryce Dallas Howard, cuja beleza deveria ser proibida, filha do diretor Ron Howard, muito bem em seu primeiro grande papel). Mais não dá para falar sem estragar a surpresa, como pedia um impresso distribuído aos jornalistas na saída das exibições para a imprensa.

Como em outros filmes de Shyamalan, "A Vila" tem um pouco de tudo, num pastiche de qualidade. A floresta vem diretamente de "A Bruxa de Blair"; algumas cenas lembram a fábula de Chapeuzinho Vermelho; o nome dos "monstros" recorda o do arquivilão da série Harry Potter; a idéia do lugar, perfeito ou não, isolado do mundo exterior tem toques que vão de "A Utopia", de Thomas Morus, à Ilha da Fantasia de Mr. Roarke e Tattoo.

Mas é de Tom Ridge, o secretário de Segurança Interna e um dos membros do núcleo duro do governo Bush, que vem a principal inspiração. O ex-governador da mesma Pensilvânia em que Shyamalan mora criou o tal código de cores, que vai do azul (tudo bem) ao vermelho (o horror, o horror) e simboliza a situação de alerta dos EUA quanto à possibilidade de ataques terroristas --neste minuto, o estado das coisas é "laranja", ou "elevado".

A tal Vila são os Estados Unidos, os "cujo-nome-não-se-menciona" somos nós, todo o resto, especialmente os de pele mais acinzentada, olhos de amêndoa e nomes impronunciáveis. O problema é que a luz (ou os Lucius, as pontes entre dois mundos aparentemente em distanciamento pós-choque) é cada vez mais escassa.

Avaliação:

A Vila (The Village)
Direção: M. Night Shyamalan
Produção: EUA, 2004
Com: Joaquin Phoenix, William Hurt
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC Belas Artes/Sala Cândido Portinari, Market Place Cinemark e circuito

Especial
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