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11/09/2004 - 06h31

Cia. Livre rebate a "ditadura da violência" com a peça "Danton"

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

A revolução vai à guilhotina no espetáculo "Arena Conta Danton". A Cia. Livre olha para a história da humanidade e constata que o ímpeto de transformação social e política, cultivado pelo menos desde o século 18, estaria numa encruzilhada: a "ditadura da violência".

Personagens e ideais da Revolução Francesa (1789), flagrados em "A Morte de Danton", a peça do alemão Georg Büchner, são projetados para o cotidiano da barbárie à luz, por exemplo, do extermínio de moradores de rua ou do cerco terrorista à nova (velha) ordem mundial. No palco do Teatro de Arena Eugênio Kusnet, em São Paulo, os revolucionários Danton (1760-94) e Robespierre (1758-94) giram a roda da história e roçam contradições em meio à sedução da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, todas convertidas em carne e osso.

"Arena Conta Danton" entra em cartaz hoje, exatos três anos depois dos ataques às Torres Gêmeas e ao Pentágono. O urgente projeto da encenadora Cibele Forjaz, dos atores e da equipe da Cia. Livre, com dramaturgia de Fernando Bonassi, colunista da Folha, constitui visita à obra de Büchner (1813-37) com a gana de provocar incômodo e reflexão.

O problema-chave, diz Forjaz, 37, é que "o revolucionário se converteu naquele que mata para impor a sua idéia". O paradigma é a eliminação do outro. Danton discordava da repressão no período do Terror (set. de 1793 a jul. de 1794). Pedia moderação. Daí o conflito com Robespierre, revolucionário a quem ajudou na abolição da monarquia. Danton foi guilhotinado. Depois, rolou a própria cabeça de Robespierre. Em suma, a luta pelo poder.

"Hoje em dia a palavra está banalizada, todo mundo quer ser revolucionário. No Brasil, ela foi usada pela esquerda e pela direita. Qualquer mudança virou revolução", diz Forjaz.

Büchner aponta esses paradoxos na peça que escreveu aos 22 anos, cerca de dois antes de morrer. Ele mesmo estava desiludido. À época, era perseguido por redigir panfletos políticos contra o derrame de sangue.

Se em "Woyzeck", também montado por Forjaz, no Rio, Büchner expunha a tragédia de um ex-soldado e indigente explorado, decapitado ao matar sua mulher por ciúmes, em "A Morte de Danton" o ceticismo tampouco dá brecha.

Mas há quem enxergue força-motora. "É preciso esquecer tudo, começar de novo, do zero. Talvez seja isso que Büchner sussurre, grite", diz Forjaz.

O dramaturgo convidado contrapõe com pá de cal. "A história provará que os miseráveis do Texas, da Letônia, do Paraguai ou do Brasil estão na mesma merda, essa a vantagem da globalização", diz Bonassi, 41.

Há cerca de oito anos, a cia. do Latão montou no Arena uma versão da peça "menos melancólica, que problematizava a visão de que não havia saídas", diz o dramaturgo Márcio Marciano, 42.

Na releitura da Cia. Livre, é "matar ou morrer". Luciano Chirolli e Eucir de Souza decidem quem vai interpretar a "fisionomia moral" de Robespierre ou o atavismo de Danton. Há dupla de atores para cada personagem, no sistema coringa que Augusto Boal formulou (o narrador reveza com outros papéis, reforçando o distanciamento que Brecht reivindicava para a fruição do público).

A Cia. Livre reata com a tradição de montagens daquela época, como "Arena Conta Zumbi" e "Arena Conta Tiradentes", ambas dirigidas por Boal, em plena ditadura militar. E encontra nos textos-fragmentos de Büchner a dimensão épica para sublimar o jogo teatral, no qual os atores se despem de suas máscaras e, como os personagens, olham nos olhos. A proximidade é reforçada pela recuperação do formato original do Arena, círculo que não deixa meio-termo para a verdade.

"O que posso fazer para impressionar vocês", diz Souza/Danton, antes da guilhotina, balbuciando o desalento do ator/personagem com o recente massacre numa escola russa.

ARENA CONTA DANTON
De: Georg Büchner
Tradução: Christine Röhrig
Dramaturgia: Fernando Bonassi
Direção: Cibele Forjaz
Cenografia e figurinos: Simone Mina
Com: cia. Livre (Edgar de Castro, Eucir de Souza, Flávio Rocha, Luah Guimarãez, Luciano Chirolli, Maurício de Barros e Tatiana Thomé). Onde: Teatro de Arena Eugênio Kusnet (r. Teodoro Baima, 94, centro, tel. 0/xx/11/ 3256-9463)
Quando: estréia hoje, às 21h; qui. a sáb., às 21h; dom., às 19h; até 19/12
Quanto: pague quanto der.

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