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19/09/2004 - 07h04

Mostra "off-Bienal" terá 75 Duchamps

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FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

A semana que antecede a abertura oficial da 26ª Bienal de São Paulo, no próximo sábado, esquenta, de forma vertiginosa, a programação de artes plásticas da cidade. Pelo menos 20 exposições serão abertas nos próximos cinco dias, além de outras programadas para os dias seqüentes à inauguração.

O foco, como não poderia deixar de ser, é a arte contemporânea, mas "Sonhando de Olhos Abertos", que será aberta no dia 23, no Instituto Tomie Ohtake, após ser vista em Curitiba, traz 75 trabalhos de Marcel Duchamp (1887-1968), artista precursor da produção contemporânea.

E não é apenas Duchamp. A exposição apresenta 240 trabalhos de cem artistas, entre eles Man Ray, Joan Miró, Francis Picabia e Jean Arp, que pertencem à coleção Vera e Arturo Schwarz, do Museu de Israel, em Jerusalém.

Galerista, poeta, editor, militante de esquerda, filósofo, Schwarz conviveu com grande parte dos artistas presentes na coleção. Amigo de Duchamp, com quem costumava jogar xadrez --para o artista, tal jogo é uma forma de arte--, Schwarz foi quem viabilizou, em 1964, as reproduções dos "ready-mades" de Duchamp, como a "Fonte" e "Roda de Bicicleta", então perdidos, o que possibilita que tais obras-primas sejam vistas em vários museus do mundo e agora em São Paulo.

Por telefone, da Itália, Schwarz, 80, contou como era jogar com Duchamp, "um jogador incrível, técnico do principal jogador americano, Bob Fischer; eu apenas ganhava uma ou duas em cada dez partidas". À Folha, ele conta o que o levou a reunir tal coleção, por que produziu as cópias dos "ready-mades" e fala sobre uma traumática experiência no Brasil.

Folha - O que o levou a colecionar arte dada e surrealista?
Arturo Schwarz -
Em 1944, eu vivia no Egito, escrevendo poemas, e mandei uma carta a André Breton [1896-1966, poeta que lançou o "Primeiro Manifesto do Surrealismo", em 1924], com toda a audácia de um jovem. Não sabia nada do surrealismo. A carta me tornou amigo de Breton e me tornei um militante no grupo surrealista, até a morte de Breton. Comprei muita coisa desses amigos, sempre o que gostaria de ter em casa. Depois, em 1949, fui expulso do Egito por ser comunista e abri uma livraria em Milão, onde expunha livros ilustrados por meus amigos surrealistas e os vendia. Depois passei a vender gravuras e, finalmente, pinturas, na minha galeria. Em cada exposição que realizava, ficava com duas obras.

Folha - Como foi o processo para realizar as cópias dos "ready-mades" de Duchamp?
Schwarz -
Foi o próprio Duchamp quem me pediu para realizar uma edição de oito cópias dos mais importantes "ready-mades" que ele havia feito, pois ele acreditava que os "ready-mades" eram uma parte essencial da sua iniciativa artística, se é que podemos chamar iniciativa artística, já que sua produção é muito mais conceitual e filosófica do que artística. Eu o vejo como um grande filósofo da arte e do comportamento.

Folha - Como um artista conceitual, portanto, parece incrível ele propor as cópias.
Schwarz -
Duchamp acreditava que todos os produtos que ele criou e elaborou em sua vida são como páginas de um livro. Se não temos todas as folhas desse livro, não podemos conhecer o trabalho. De fato, ele mesmo escreveu essa idéia. Por isso, ele estimulou outro amigo a comprar todas as suas pinturas, hoje depositadas no Museu de Arte da Filadélfia. O MoMA, por exemplo, tem pouquíssimos trabalhos dele.

Folha - Estamos às vésperas da abertura da Bienal de São Paulo, onde o sr. apresentou vários "ready-mades" de Duchamp, em 1987. Como foi a experiência?
Schwarz -
Francamente, do ponto de vista da reação do público, foi incrível, fiz várias conferências e todos pareceram muito interessados. Mas do ponto de vista da organização foi uma catástrofe. Dois itens foram muito danificados e nunca recebi o reembolso do seguro, o que me causou perda de U$ 600 mil. Foi um desastre, decidi nunca mais exibir obras em São Paulo. Essa mostra só ocorre pois agora as peças pertencem ao Museu de Israel. Espero que a situação aí tenha mudado.

Folha - É por isso que o sr. não vem para a abertura?
Schwarz -
Não vou porque não fui convidado, senão estaria aí. Espero, ao menos, que me mandem o catálogo.

Folha - Vários museus têm organizados exposições sobre o surrealismo, como a Tate, de Londres, e esta agora. Qual é a atualidade do surrealismo para tanta atenção?
Schwarz -
Ao contrário de outros movimentos estéticos, como cubismo, expressionismo e tantos outros, o surrealismo nunca foi uma receita pictórica. É uma filosofia de vida, uma nova visão do mundo, o que o torna atual. O surrealismo é a recusa do princípio da autoridade e a tentativa de explorar novos caminhos, baseado no respeito e na reavaliação do amor. O que importa, para os surrealistas, não é a competição mas a colaboração. Não é o que precisamos hoje?

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