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27/10/2004 - 09h22

Argentino filma 12 membros de uma família em viagem de caminhão

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Encerrar 12 membros de uma família, incluindo avó, filhas, maridos, cunhados, netos adolescentes, bebê e cão, entre quatro paredes e por várias horas, já sugere algo no mínimo tenso e claustrofóbico. Agora imagine que isso acontece sobre quatro rodas e por muitas horas, no interior de um caminhão transformado em uma espécie de casa rodante. E faz calor, muito calor.

É a partir dessa situação que o cineasta argentino Pablo Trapero construiu seu "Família Rodante", que a 28ª Mostra exibe nesta quarta, um "road movie" protagonizado por uma típica família de classe média argentina asfixiada pela crise econômica e por seus próprios valores. Recebido com elogios no recém-encerrado New York Film Festival, "Família Rodante" tem a avó do próprio diretor como personagem principal.

Graciana Chironi --que também já havia atuado nos dois filmes anteriores de Trapero, "Mundo Grúa" (1999) e "El Bonaerense" (2002)-- interpreta Emilia, a matriarca, que acaba de completar 84 anos e exige que seus familiares a acompanhem até a pequena cidade de Misiones, na fronteira com o Brasil, para o casamento de um parente.

Leia entrevista que Trapero, 33, hoje um dos principais nomes do novo cinema argentino, concedeu à Folha, por telefone, de Buenos Aires.

Folha - Os personagens nunca falam de política nem de cultura, mas a Argentina de nossos dias está presente o tempo todo. Por que quis criar essa sensação?

Pablo Trapero
- A proposta era justamente que os personagens não falassem sobre o que é realmente importante, não só sobre política como sobre eles mesmos. Não se fala nem de sexo, nem dos problemas sérios de relacionamento que existem na família. O que mais me interessava era construir um longa-metragem em que o que importa estivesse presente sem nunca ser dito.

Folha - E de onde veio essa idéia?

Trapero
- "Família Rodante" foi o primeiro roteiro que escrevi, há quase dez anos. A idéia surgiu depois de fazer um curta-metragem com minha avó, Graciana Chironi. Gostei muito da experiência e quis escrever uma história em que ela estivesse no centro. Além disso, quando eu era pequeno, costumava fazer muitas viagens numa espécie de casa rodante construída pelo meu pai, que é a mesma que aparece no filme.

Folha - Como "Diários de Motocicleta", "Família Rodante" revela lugares afastados da América Latina, onde a pobreza é muito grande. Você quis fazer um filme político?

Trapero
- Todos os filmes são políticos. Mas não quis me propor isso de forma explícita porque sei que, de qualquer forma, meu ponto de vista sempre estará nos meus filmes. Obviamente me interessa que os temas reflitam isso, mas não como o enunciado. Deve fazer parte da imagem, mas não tem de ser dito de maneira direta.

Folha - Outro desses temas silenciosos seria a distância cultural e histórica que há entre Buenos Aires e o restante do país?

Trapero
- Sim. Há muitas coisas no filme sobre as quais não se fala. Essa questão é uma delas. O filme pode ser visto como uma comédia sobre uma família em uma viagem de férias. Mas o que me interessa é justamente tudo aquilo que não é uma família em uma viagem de férias, e sim o que se pode entender sobre o passado dessa família, a partir das coisas que não são contadas. Por exemplo, não sabemos o que cada um dos personagens faz em sua vida cotidiana, em que trabalham, o que pensam ideologicamente. Tudo isso de que não se fala no filme é parte de sua construção.

Folha - Você se inspirou de alguma forma na linguagem dos "reality shows" televisivos?

Trapero
- Não vejo um paralelo direto, pois se trata de ficção, em que cada cena é construída. Mas no que diz respeito à maneira como o público a vê, talvez se possa fazer uma comparação. Me interessa fazer com que quem a assista perca a consciência de que está vendo uma construção. Quando eu era pequeno e ia ao cinema, não sabia que havia diretores, atores, nem o que era um plano. Para mim, o filme vivia na tela. E quando saía do cinema, o filme seguia existindo nela. Essa sensação de não-construção, ou de construção invisível, era o objetivo.

Folha - E por que escolheu Misiones, na fronteira com o Brasil?

Trapero
- Primeiro porque o nordeste é uma região da Argentina que não está no cinema. Geralmente os filmes sobre viagem na Argentina são feitos em direção ao sul, são lugares mais relacionados ao turismo. E Misiones é uma cidade que tem muita influência tanto do Brasil como do Paraguai. Por isso também há uma sensação clara de distância e de regras diferentes. Tudo ali é distinto do resto da Argentina, a cor da terra é diferente, as estradas. A idéia era mostrar uma Argentina que é ainda mais longe da Argentina. E a partir disso passar uma sensação de atemporalidade e de que se está num lugar pouco reconhecível.

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