17/12/2004 - 09h10

Kitano acrescenta humor à saga do samurai cego em "Zatoichi"

SÉRGIO RIZZO
do Guia da Folha

Se ainda hoje existem entre os fãs de James Bond as "viúvas" de Sean Connery, que interpretou o personagem em apenas seis filmes durante os primeiros nove anos da série, é possível imaginar o que representa, para o público japonês, ver na pele de Zatoichi outro ator que não seja Shintaro Katsu (1931-1997). De 62 a 87, ele estrelou 26 longas e uma série de TV com o samurai cego criado pelo escritor Kan Shimozawa (1892-1968). Astro e personagem se confundiram ao longo da saga, de intenso apelo popular.

É nesse vespeiro que o ator, diretor, roteirista e montador Takeshi Kitano ("Hana-Bi - Fogos de Artifício", "Dolls") foi se meter com "Zatoichi". Para lidar com o problema de substituir Katsu, ele trouxe o herói para a sua praia e pôs a serviço dele parte de seu habitual repertório de expressões e gags. Sem lhe retirar o caráter justiceiro, acrescentou a suas características um humor zombeteiro e um distanciamento indecifrável.

Trata-se de um palerma ou de alguém que, ao se fingir de palerma, faz dos outros idiotas? A liberdade é fruto da carta branca que obteve. Seu único compromisso foi o de manter o personagem no Japão feudal do século 19, como um massagista nômade, de incrível sorte (ou perícia?) no jogo de dados e extrema habilidade no uso da espada. A ambientação obrigou Kitano, pela primeira vez em seus 11 filmes como diretor, a trabalhar com reconstituição de época.

Nesse aspecto, a abordagem também não é convencional. Está presente a mitologia dos filmes de samurai, mas igualmente o grafismo das HQs, as lutas coreografadas das aventuras de artes marciais, jorros digitais de sangue e até números de sapateado (em celebração contagiante que acentua, no fim, a noção de espetáculo). É o jeito Kitano de tornar seu, sobrevivendo a comparações, o lendário Zatoichi.

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