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06/03/2005 - 12h26

Facção feminina do funk carioca declara guerra entre amantes e fiéis

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NINA LEMOS
Colunista da Folha

"Quem é amante aqui levanta a mão!" O grito de guerra acontece em um baile funk em Mesquita, município da Baixada Fluminense, no Rio, e vem do palco. Na platéia, centenas de mulheres levantam os braços. Quem comanda a festa é Alessandra da Silva, 19, a MC Nem, funkeira carioca de sucesso e uma das representantes mais importantes de uma das novas facções femininas do funk do Rio. As mulheres dos bailes agora se dividiram (por iniciativa própria) entre amantes e de fé. Amantes, como o nome diz, são as mulheres que ficam com os homens casados. De fé são as casadas ou aquelas que namoram firme.

Cada uma das facções tem seus hinos gritados no palco e suas torcidas nas pistas. As amantes cantam coisas como: "Eu sou amante porque eu posso. Falo isso com orgulho. O marido não é seu. O marido agora é nosso". E as de fé rebatem: "Ô, amante, cheia de marra, você não é valorizada".

"Escrevo sobre o que eu vejo na vida real. O que acontece é aquilo mesmo. Sempre tem as mulheres que são amantes e acham que isso é uma vantagem", diz MC Nem, amante na vida real e no palco.

Em seu maior sucesso, grita: "Eu tô beijando o seu marido". Ela acredita que representa mulheres que vivem na mesma situação que a sua e não se surpreende com o sucesso que faz nos bailes.

"Ser amante é bom porque a gente só fica com o lado legal do homem. E acho que isso não acontece só na comunidade. Está em todos os lugares. Em Copacabana também tem a mulher que é de fé e aquela que é amante."

MC Nem divide os palcos com Kátia Marques, 30, a MC Kátia, a mais importante representante da facção de fé. "O marido é meu", ela grita no baile. Na vida fora dos palcos, Kátia é casada há dois anos. "O bom é ser de fé, porque aí o homem é nosso. Eu cuido da casa. As amantes dizem que a gente é otária por fazer isso, mas nada como chegar em casa e dormir abraçada com o seu homem", ela defende.

Não existe inimizade entre as amantes e as de fé no palco. Mas sobram xingamentos para Kátia por parte das amantes e para Nem por parte das de fé. As amantes são chamadas de vagabundas. "E vivem me chamando de corna", diz Kátia.

Dos dois lados da cerca

O ponto alto do show das duas é quando elas travam um duelo no palco, acompanhado fervorosamente pela platéia feminina, que torce como se estivesse em um jogo de futebol. Os homens também acompanham. "Eles ficam "se achando" ao ver um monte de mulheres brigando por causa deles", diz Shirley Vieira, 25, bailarina do show de Nem e "amante desde que nasceu".

A criação das facções, segundo o DJ Marlboro, principal produtor de funk do Brasil, aconteceu há cerca de seis meses. Tudo por causa da música "Lanchinho da Madrugada", em que o Bonde dos Magrinhos falava: "Não se meta com a fiel, pra mim tu é lanchinho da madrugada".

Hoje, as mulheres MCs já são quase metade do staff funkeiro dos bailes cariocas. E quase todas falam sobre ser amante ou de fé. "O funk é um espaço democrático onde as pessoas podem mostrar suas realidades. Não existe machismo. Os homens falam e as mulheres respondem, e a Lacraia também é respeitada", resume Marlboro.

A divisão feminina criou uma espécie de orgulho amante. "Antes a gente tinha vergonha de assumir que era amante, parecia uma coisa feia. É muito bom estar no baile e poder gritar: eu sou amante mesmo", diz Shirley.

Se o orgulho das amantes começa a aparecer, o das de fé beira o fanatismo. "Eu sou fiel, lógico, canto com elas. O melhor de ser fiel é que você sempre tem a prioridade", diz Elaine de Oliveira, 19, dançarina do grupo As Danadinhas e torcedora do grupo de fé quando as músicas são cantadas nos bailes.

O modismo fez também com que grupos funkeiros mudassem de foco. O bonde A Gaiola das Popozudas, que começou há seis anos com mulheres dançando insinuantes dentro de uma gaiola, agora aprende a ser feminista. Valeska dos Santos, 26, a MC da banda, passou a escrever letras defendendo o direito de ser amante e respondendo aos homens que falam coisas contra as mulheres. "Comecei a escrever porque eles falam coisas muito absurdas."

Valeska provoca a torcida fiel: "Ela anda na minha favela cheia de marra, fala que é fiel e tira onda de santinha. Amiga, se o marido é seu, a... dele é minha".

A provocação já criou barracos. "Uma vez estávamos entrando em um baile funk, e uma mulher começou a gritar que eu tinha que ir embora, que eu só defendia as amantes e que naquele baile tinha que ter alguém defendendo as de fé", conta Valeska.

Segundo ela, é comum também ver de fé e amantes se provocando nos bailes. "O clima fica tenso principalmente em bailes de comunidade. Elas ficam se atiçando, cantando as músicas umas para as outras. Acho que esse clima de disputa sempre existiu, só que agora a guerra foi declarada", diz.

A antropóloga Mirian Goldemberg, autora do livro "As Outras", concorda com ela. "O conflito entre a mulher casada e a amante sempre existiu. O bom é que, quando ele vai para o baile, passa a ser lúdico e criativo", diz. Segundo ela, as mulheres do funk brasileiro têm conseguido expressar uma liberdade maior do que as outras. "Elas estão mostrando que não precisam depender do homem. Que também podem se utilizar da condição de amantes simplesmente porque isso é uma escolha pessoal delas", diz.

O coro das amantes concorda. E grita em peso nos bailes: "Sou amante com orgulho e falo isso porque eu posso".

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