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12/10/2000 - 05h46

Ripstein segue cadência de obra de García Márquez

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TIAGO MATA MACHADO, da Folha de S.Paulo

Fora, há um médico cínico e desiludido, um carteiro indiferente, um trapezista assassino, uma prostituta conscienciosa, um compadre aproveitador e os moleques de sempre.

Dentro, há um velho casal enlutado e depauperado, dois vasos de flor da janela, um relógio de parede estragado, uma rede, um par de sapatos furados e um galo de briga, que não é apenas o último recurso de seus donos, como também a maior causa de seus pesares.

Eis a situação de "Ninguém Escreve ao Coronel". Nesta versão cinematográfica do romance de Gabriel García Márquez, o diretor Arturo Ripstein nos faz lembrar, nas escolhas para a direção de arte e, sobretudo, para a iluminação de seu filme, de que a carreira teatral desse best seller do escritor colombiano já vai longe.

Natural que o romance chegasse antes aos teatros: os elementos (personagens e objetos de cena) parcos, mas representativos, e a estrutura dramática de "Ninguém Escreve ao Coronel" privilegiam as adaptações cênicas. E por que Ripstein haveria, afinal, de negar tal legado, se este convém perfeitamente ao seu estilo?

O diretor mexicano gosta de ambientações carregadas, opressoras, como o tempo que ele tenta imprimir em seus filmes. Tempo que, marcado, mais uma vez, pela cadência da escrita de García Márquez, co-autor do roteiro do primeiro filme de Ripstein ("Tiempo de Morir", de 1965), expressa aqui a estagnação político-econômica da América Latina. Aqui, diria um dos personagens, "a dor e a mortificação não têm fim".

O problema em "Ninguém Escreve ao Coronel" é que o diretor não consegue traduzir essa concepção geral no tempo interno de cada cena. Ele não faz uma direção cumulativa, pontual, apenas arrasta sua câmera, em custosos -ainda que não raros- movimentos junto aos atores, deixando passar em branco as melhores oportunidades, os pontos altos dessa dramaturgia, ao confiar um tanto demasiadamente no desempenho de seu elenco.

Marisa Paredes, a atriz almodovariana, é Lola, uma velha espanhola que nunca vai superar a morte do filho, assassinado numa arena de rinha de galo. E Fernando Luján é o marido, um antigo militar que, por ter protagonizado outrora, em seu católico país, uma revolução anticlerical, nunca terá sua aposentadoria reconhecida.

A memória é, afinal, tudo o que lhes resta. Memória do filho morto e da nação estagnada. Memória que se encontra encarnada aqui, curiosamente, num galo. O animal é a esperança do velho coronel de recuperar sua dignidade perdida e a desesperança de sua adoentada mulher, que não pode deixar de encarar a ave senão como a tola causa da morte do filho. Em torno do galo, nossos personagens criam seus dramas, pequenos dramas humanos, cuja inutilidade é sinal maior da vida.

Ninguém Escreve ao Coronel
El Coronel No Tiene Quien le Escriba


Direção: Arturo Ripstein
Produção: México/Espanha/França, 1999
Com: Fernando Luján, Marisa Paredes, Salma Hayek
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco

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