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26/03/2005 - 09h10

"Escrevo livros porque não posso escrever música", diz Nick Hornby

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ÉRICA FRAGA
da Folha de S. Paulo, em Londres

Posteridade não é exatamente motivo de preocupação para um dos escritores mais badalados dos últimos tempos. O britânico Nick Hornby, 47, defende a teoria de que, antes de qualquer pretensão em relação a um futuro distante, é preciso ser lido e admirado no presente. E, no caso dele, isso não tem faltado. Autor de best-sellers como "Alta Fidelidade" e "Um Grande Garoto", Hornby --que diz escrever livros porque não consegue compor música-- acaba de concluir mais uma ficção.

"A Long Way Down" (a longa queda), título do novo livro, conta a história de quatro personagens com idades, histórias de vida e personalidades bem diferentes que, por acaso, se encontram no terraço de um prédio na noite de Ano Novo com um propósito comum: cometer suicídio.

O encontro inesperado acaba gerando tamanha confusão que os quatro decidem suspender temporariamente seus planos. Para quem leu as outras novelas de Hornby, muita coisa em "A Long Way Down" soará familiar. Os personagens meio desesperados e com a vida bagunçada estão lá. O senso de humor e as referências à música, que viraram marcas registradas dele, também.

Apesar disso, o tom do novo livro é um pouco diferente. Hornby, que é formado em inglês pela universidade Cambridge, diz ter se dado conta de que escreve algo mais próximo do que chama de "monólogo dramático" do que de ficção de forma mais ampla.

"A Long Way Down" está para ser lançado no Reino Unido em breve e será publicado no Brasil em dezembro deste ano pela Rocco, que também editou "31 Canções", livro no qual Hornby fala sobre músicas que o marcaram.

Leia a seguir a entrevista exclusiva que Hornby concedeu à Folha.

Folha - De onde surgiu a idéia para escrever "A Long Way Down?"

Nick Hornby - Eram duas informações que se juntaram ao acaso. Uma era que, em certas noites do ano, as taxas de suicídios são mais altas que em outras. Há também o fato de que as pessoas sempre se matam nos mesmos locais. Mas, na verdade, o que contou mais é que algo assim me dava a oportunidade de fazer várias coisas que me interessavam.

Folha - Os personagens desse livro novo são parecidos com os dos outros, no sentido de que estão desesperados ou perdidos. Por que o senhor sempre escolhe esse tipo?

Hornby - Escrevo livros porque não posso escrever música e não é tão importante sobre o que é o livro, mas os tons e as notas que os personagens e as situações me permitem atingir. Acho que esses personagens me permitem fazer o tipo de música em que estou interessado. É verdade que eles tendem a ser um pouco perdidos e solitários mas também eles abrem espaço para o humor.

Folha - Em "31 Canções", o senhor fala que o fato de que a música pop pode ser descartada é um sinal de maturidade. O senhor também já disse que não vê problemas em que seu trabalho seja considerado datado por conta das muitas referências atuais que usa. É possível fazer uma comparação entre a música pop e o seu estilo literário?

Hornby - Acho que há muitas coisas a dizer sobre isso. Uma delas é que a única forma de ser lido no futuro é ser lido no presente. Há muitos poucos autores que não foram lidos enquanto estavam vivos e que sobreviveram até hoje. Então, eu não me importo com uma analogia com a música pop, definitivamente, e claro que o que você espera é ser os Beatles. Ainda que a música deles parecesse descartável naquele tempo, as pessoas acabaram continuando a ouvi-la no futuro, mas essa não era, absolutamente, a intenção.

Eu tenho pensado muito nisso recentemente. Não sei o porquê. Acho que cultura é a expressão de uma comunidade e você não pode forçar uma comunidade a absorver uma cultura que não lhe interessa mais e nós tentamos fazer isso o tempo todo. Para criar personagens que pareçam reais, eu quero que as pessoas saibam o que elas vêem na televisão, que música ouvem. E essas coisas, claro, significam que o livro se torna datado, possivelmente. Mas me parece que quanto mais verdadeiro você possa ser sobre sua própria época, maiores as chances que você tem de sobreviver.

Folha - Por que livros como "Alta Fidelidade" fizeram tanto sucesso?

Hornby - Essas são questões difíceis para autores responderem. Acho que há algumas coisas em "Alta Fidelidade", o tipo de indecisão e a falta de direção de algumas pessoas modernas em determinada idade. Não tenho certeza de já ter lido muita coisa que falasse sobre esse tipo de personagem porque eles tendem a ser negligenciados em ficção. Eles são bastante comuns, não são muito heróicos. Há a passividade, o fato de não ser capaz de assumir o controle de sua própria vida. E eu suponho que, tradicionalmente, em ficção você tem de ter pessoas que consigam ter controle de suas vidas para poderem fazer as coisas acontecerem na história. Minha impressão é que muitas pessoas não conseguiam acreditar que alguém havia escrito um livro sobre alguém como elas.

Folha - "A Long Way Down" tem um tom um pouco mais intenso, talvez mais sério, do que seus outros livros?

Hornby - Acho que mudei um pouco o jeito como escrevo porque reconheci algo sobre meu estilo que não tinha visto antes.
Quando escrevi a história para "Falando com o Anjo" (compilação que Hornby organizou para levantar fundos para a escola do filho dele que é autista), bem, eu realmente gostei de escrever a história para aquele livro e veio fácil. A tarefa que dei a mim e aos outros autores era não escrever uma história, mas um monólogo.

Nem estou muito certo, na prática, de quais são as diferenças. Mas depois, quando parei para pensar em como aquilo tinha saído tão facilmente, achei que era aquela coisa de escrever com uma voz interior. Depois disso, comecei a pensar que o que faço é menos ficção e mais monólogos dramáticos. Isso me permitiu, eu acho, conseguir detalhar um pouco mais essas vozes do que antes. E eu tive de imaginar mais a vida passada deles [os personagens] do que costumava fazer.

Também acho que, se você escreve livros sobre pessoas comuns na vida contemporânea, a ambição é tentar se aprofundar mais e mais. Não quero dizer com isso se tornar mais sério. Mas melhor. E fazer o material mais rico. Quero que as partes engraçadas sejam mais engraçadas e as tristes mais tristes. E a cada livro sou mais ambicioso nesse sentido.
 

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