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04/04/2005 - 09h44

É Tudo Verdade faz tributo ao argentino Fernando Birri

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DENISE MOTA
Colaboração para a Folha de S.Paulo, em Montevidéu

"Eu faço aniversário todos os dias", desconversa, entre gargalhadas, o diretor de 80 anos, completados há três semanas. Fernando Birri --um dos pais do novo cinema latino-americano e fundador da histórica Escola Latino-Americana de Documentários de Santa Fé, em 1956-- está atarefado com outra comemoração: no próximo ano, celebram-se duas décadas de mais uma instituição que ajudou a colocar de pé, a Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba.

"Será um momento muito importante, porque atesta que é possível uma experiência que, quando começou, não sabíamos se ia durar seis meses", diz o cineasta argentino, homenageado pelo É Tudo Verdade. O bolo da festa cubana será um novo filme, que Birri desenvolve com os alunos da escola. "Lo Viejo y lo Nuevo" está sendo feito com filmagens dos estudantes e fragmentos de arquivo do novo cinema latino-americano, trabalhos fundacionais realizados a partir de meados dos anos 50. A produção homenageia Eisenstein, e, segundo Birri, "a idéia é colocar as imagens frente a frente, sem querer demonstrar nada".

Neste ano, o festival paulistano exibe da lavra do cineasta os documentários "Jogue uma Moeda"/"Tire Dié" (1959) e "Che: Morte da Utopia?" (1997), além de "O Caso Norte" (1977), de João Batista de Andrade, "Subterrâneos do Futebol" (1964), de Maurice Capovilla, e "Marimbás" (1962), de Vladimir Herzog.

"Vivi momentos definitivos relacionados ao Brasil", afirma Birri, que se recorda do país sobretudo pelo filtro das pessoas que o marcaram. "Quando fundei a escola de Santa Fé, me aparece um jovenzinho, com sua malinha, e era Vlado Herzog. Maurice Capovilla, diretor de enorme talento, o trouxe aqui para ensinar. Ao Rio, cheguei no momento em que Nelson Pereira dos Santos estreava "Vidas Secas". Numa noite, com toda a turma do cinema novo, vimos a primeira projeção de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber. Foi um momento lindo, de uma força impressionante."

O diretor vê o que está sendo produzido no continente e lhe agrada o que anda assistindo. "Sou um péssimo espectador, porque gosto de tudo o que vejo e quero ver tudo. Não vejo grandes propostas originais ou movimentos, mas há coisas lindas, estamos atravessando um momento de autores", afirma. Leia a seguir a entrevista que o cineasta concedeu à Folha, por telefone.

Folha de S.Paulo - Com "Jogue uma Moeda", marco do documentário argentino, sua câmara propunha reflexão sobre os efeitos da pobreza naquele país. Depois de mais de 40 anos, com uma deterioração social ainda mais flagrante, é maior o papel dos "militantes da imagem"?

Fernando Birri - Uma vez, há muitos anos, comentaram com Neruda: "Mas como? Você está escrevendo agora outro tipo de poesia". E ele respondeu: "O mundo mudou, minha poesia mudou". Creio que são condições inerentes à sensibilidade das pessoas e de quem faz arte ter capacidade de mudança de acordo com a realidade. O que me pergunto é se essa mudança que se propõe com sua vida e com sua obra é algo que ajuda a viver ou a morrer, e então acredito que, com toda a situação atual, é necessário procurar não sobreviver, mas viver. E isso encarna profundamente o sentido que dou a um cinema de resistência. Não só no sentido político, mas num sentido muito mais amplo, de ter atenção a todas as coisas que fazem parte da vida.

Folha de S.Paulo - O sr. criou a Escola Latino-Americana de Documentários de Santa Fé e a Escola Internacional de Cinema e Televisão em Cuba. Há um impulso no cinema da região?

Birri - Absolutamente, sim. Há um movimento muito forte, como uma espécie de planta que corre por baixo da terra da América Latina e que aparece no Brasil ou no Chile ou na Costa Rica. É impressionante, há meio século as pessoas reconheciam como cinematografia praticamente três países na região: Argentina, Brasil e México. Hoje há uma plêiade de países, cada um com suas propostas, de um cinema de todos os tipos, que forma um panorama tão rico e tão cheio de coisas que há 50 anos era pensável e desejável, mas não acontecia. A mudança está aí.

Folha de S.Paulo - Como um dos pais do novo cinema latino, de que modo o sr. vê a produção do continente hoje?

Birri - Não sou pai, sou padrasto do novo cinema latino-americano. O pai é a condição histórica, um momento que nos coube viver na América Latina, onde se generaliza a consciência do continente. No caso do cinema, o que houve foi um grupo de companheiros que se propuseram a fazer a si mesmos uma série de perguntas sobre essa problemática. No caso específico do cinema latino-americano novo, de hoje, a proliferação de obras corresponde ao que foi o início do novo cine latino-americano, um movimento libertário, com grande identificação com os processos revolucionários. E, agora, identificados com os movimentos democráticos, seja com Lula, Chávez, Tabaré Vázquez. Floresce uma diversidade de propostas, cada uma com sua busca, mas que continuam a surgir da consciência.

Folha de S.Paulo - Os prêmios internacionais atestam a qualidade do que está sendo feito, ou a América Latina está na moda?

Birri - Existem as duas coisas. Há uma verdade, digamos assim, quanto à existência de um novo cinema latino, isso é inegável. Identifica-se esse cinema por características próprias, com uma diversidade de estilos, inclusive, que penso ser o grande segredo do cinema latino. Isso é muito positivo e perfeitamente demonstrável. A moda pode facilitar um pouco em termos de mercado. Agora é preciso ter muito cuidado ao tomar a América Latina em seu conjunto como moda. O momento mais alto dessa situação aconteceu nos anos 60. A morte do Che, por exemplo, que foi horrível, o transformou num elemento de massificação. Os movimentos na América Latina, a teologia da libertação, essas coisas, foram elemento de moda, mas não para nós. Foi moda para outras culturas, como a européia. Isso ajudou na difusão do fenômeno, mas também o fez correr alguns riscos.

Folha de S.Paulo - Outro documentário seu no festival é "Che: Morte da Utopia?". O sr. citou os governos do Brasil, Venezuela, Uruguai, que têm lideranças de esquerda. As utopias continuam?

Birri - Depende de como se usa a terminologia "esquerda". Hoje a palavra "esquerda" na América Latina não quer dizer o mesmo que há 50 anos. O fenômeno é outro, as esquerdas têm outras conotações. Falar de uma esquerda em termos internacionais carece de sentido. Diria que o que continua, sim, é o projeto de vida, de um mundo melhor, de um mundo diferente, que as esquerdas históricas em seu momento encarnaram. E que agora, na América Latina, parecem reencarnar.

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