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17/04/2005 - 09h30

Com saída do diretor, "América" vive crise

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DANIEL CASTRO
colunista da Folha de S. Paulo

A novela dos sonhos da Globo virou um pesadelo. Na semana passada, a autora Glória Perez escancarou uma crise nos bastidores do produto de maior audiência e faturamento da emissora ao pedir a cabeça do diretor de núcleo Jayme Monjardim.

O diretor deixou o comando da novela apenas um mês após sua estréia. Foi acusado por Perez de levar ao ar uma novela que ela não escrevia, com trilha sonora e tomadas de paisagens que remetiam a "Pantanal" e "O Clone".

A fraca Deborah Secco, intérprete da ofegante Sol, mocinha da história, foi apontada como a pivô da crise. O verdadeiro motivo da saída involuntária de Monjardim, no entanto, seria matemático: "América", assim como quase toda a programação do horário nobre da Globo, está em queda no Ibope desde o final de "Big Brother Brasil". Chegou a raspar nos 40 pontos na semana passada. Isso pode afastar anunciantes.

A ruptura trouxe à tona uma série de defeitos de "América", novela que aposta em temas tão variados como vida após a morte e rodeios, todos eles entrelaçados pelo mote do sonho.

"A novela é um mico porque não tem história. Por que a mocinha quer conquistar a América? Se fosse porque precisa de dinheiro para ajudar uma mãe com câncer, aí, sim, seria uma história de novela. Mas o sonho dela não tem um motivo maior, é egocêntrico, não é de heroína", aponta um autor de novelas da Globo, que pede para não ser identificado.

Essa falha já foi reconhecida por Perez. Antes mesmo da saída de Monjardim, ela já reescrevia cenas em que arruma uma justificativa para Sol abandonar o insosso peão Tião (Murilo Benício) no altar e tentar de novo entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Agora, Sol faz isso para arrumar dinheiro para uma cirurgia do padrasto, Mariano (Paulo Goulart).

Outro teledramaturgo, que também pediu anonimato, acredita que Monjardim "foi deportado" de "América" por Glória Perez, que tem fama de durona, de não ceder nunca, e que o diretor pagou por um erro maior, não só dele mas também da autora, do elenco e da própria Globo.

Maria de Lourdes Motter, professora da Escola de Comunicações e Artes da USP, membro do núcleo de estudos da telenovela da universidade paulista, concorda: "Quando as coisas vão bem, todo mundo se entende", diz.

Motter afirma que quase tudo está errado em "América". "Tem muita coisa que não combina; há muitos personagens e muitos núcleos mal estruturados. A Deborah Secco é uma personalidade exuberante, não combina com a vida bucólica, com vaqueiros."

A estudiosa critica todo o elenco. "Atores jovens são importantes para enfeitar, mas tem de haver atores de verdade também. E não encontrei isso ainda", diz.

Motter resume a novela em uma palavra: "É histérica. Todos falam acima do tom. Tenho deixado de assisti-la porque é estressante".

Motter afirma que o núcleo de Miami, que soa falso porque latinos e americanos falam português com sotaque carioca, foi uma imposição da direção da Globo, para tornar "América" mais atraente ao mercado internacional. "A Glória não queria."

Até quem admira o trabalho de Perez critica "América". "Acho estranha a escalação do triângulo Deborah Secco-Murilo Benício-Lúcia Veríssimo [a última tem 45 anos e disputa Benício, 32, com a primeira, 25]. Também acho que não há impedimento social para separar o casal de protagonistas", diz Tiago Santiago, autor de "A Escrava Isaura", da Record.

Para Lisandro Nogueira, professor de cinema da Universidade Federal de Goiás e autor de "O Autor na Televisão" (Edusp), Glória Perez e Jayme Monjardim têm estilos distintos que entraram em choque. "Glória quer uma novela sem planos gerais e com primeiros planos e closes. Monjardim quer imagens idílicas. Ela é o melodrama canônico. Ele acha que a novela tem momentos para paisagens. Essa novela é exagerada, mas Glória Perez é muito mais exagerada do que a gente vê."

"Esses pesadelos são recorrentes na indústria da telenovela. No início dos anos 90, a Globo queria que Luiz Fernando Carvalho dirigisse 'O Dono do Mundo'. Mas Gilberto Braga não abriu mão de Dennis Carvalho, seu parceiro. O autor, se não tiver controle sobre o diretor, pode ver na tela aquilo que não quer", conclui Nogueira.

De fato, crises entre autor e diretor não são incomuns. Em 2004, Carlos Araújo perdeu a direção-geral de "Começar de Novo" a pedido do autor, Antonio Calmon.

Na Globo, critica-se o diretor-geral artístico, Mário Lúcio Vaz, por prestigiar mais os autores do que os diretores. Isso teria começado em 1996, quando Glória Perez, Benedito Ruy Barbosa e Walther Negrão assinaram com o SBT, e a Globo teve de buscá-los, correndo risco de pagar multa.

Mudanças

Perez assumiu o comando de "América". Suas primeiras intervenções foram na trilha sonora. Nos capítulos de quarta e quinta, a música-tema dos protagonistas, que por ironia é chamada de "Sinfonia dos Sonhos", de Marcus Viana, desapareceu. Trilhas incidentais também perderam espaço para músicas de artistas populares, cantadas. Nos próximos capítulos, a mudança será no estilo de interpretação de alguns atores.

Mesmo os críticos apostam que Perez vai sair do pesadelo. "Lá na frente, o que vai sobressair é se Sol fica com Tião. A novela vai se recuperar porque Glória domina o gênero. Se não se recuperar, é indício de que a telenovela vive momento de saturação, que o telespectador quer um novo grau de realidade, conseqüência de 'Big Brother'", diz Lisandro Nogueira.

Procurados, Perez e Monjardim não quiseram dar entrevistas.

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