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04/07/2005 - 09h21

Bienal rompe fronteiras geopolíticas

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FABIO CYPRIANO
da Folha de S. Paulo

A seção mais tradicional da Bienal de São Paulo, a das representações nacionais, deixará de existir a partir de sua 27ª edição, a cargo da curadora Lisette Lagnado e programada para ser aberta em outubro de 2006. Nesta semana, todos os países que tomam parte do evento serão comunicados da decisão por carta.

Copiada do modelo de Veneza, a única bienal entre as mais de 50 existentes que segue com a idéia de "feira das nações", São Paulo rompe com sua matriz. Outras tentativas, mais discretas, já foram feitas. Em 1981, o curador Walter Zanini aboliu a separação entre países para dispor as obras segundo "analogias de linguagem", o que na época gerou protestos dos EUA. Nas bienais a cargo de Sheila Leirner, em 1985 e 1987, buscou-se negociar com os países artistas afinados com os temas, o que ocorreu ainda com Paulo Herkenhoff, em 1998.

Entretanto, mesmo que todos buscassem disfarçar as representações, elas sempre estiveram presentes, até porque representam um aporte substantivo à receita da Bienal. Segundo Alfons Hug, curador das últimas duas edições, cerca de US$ 3 milhões. Com isso, agora são duas marcas da Bienal, as representações e os núcleos históricos, que deixam de existir. No entanto, Lagnado vai apresentar dois artistas históricos sintonizados com o conceito de "Blocos sem Fronteiras", tema da Bienal: o belga Marcel Broodthaers (1924-1976) e o norte-americano Gordon Matta-Clark (1943-1978).

A extinção das representações assume uma das questão contemporâneas mais marcantes, do "nomadismo cultural". Aliás, marca da própria Lagnado, 44, nascida no Congo (África), que tem como primeira língua o francês e radicada no Brasil desde 1974. Leia a seguir o que a levou a alterar os rumos da Bienal.

Folha - Por que acabar com as representações nacionais?
Lisette Lagnado - Não tenho nenhum mérito em acabar com as representações nacionais. Simplesmente estou tentando fazer algo que foi tentado, de uma maneira menos radical, por meus antecessores, ao conversar com os curadores de cada país e tentar convencê-los a mandar projetos que fizessem sentido com o conceito da Bienal. No meu caso, como esta Bienal passou por um concurso de projetos e fui escolhida por causa dele, me dei ao luxo de colocar isso como prioridade. Ou seja, ao invés de tratar isso como questão diplomática, vou tratar como princípio. Pelo título da Bienal, "Blocos sem Fronteiras", seria paradoxal manter hierarquias geopolíticas. Bienais que têm representações nacionais e convidados, ou seja, dois tipos de sistema ao mesmo tempo, se rendem ao olho governamental, que ora procura fazer pequenas justicinhas locais, ora traz bons artistas, mas o fazem em detrimento do debate da Bienal. Quando o país é pobre, de qualquer forma, era a Bienal quem bancava. O curador precisa trabalhar junto com os interlocutores internacionais e não funcionar apenas como guichê. Agora, as verbas são de fato um problema, mas devemos iniciar um processo de auto-sustentabilidade da Fundação, uma vez que nós já o somos culturalmente.

Folha - E por que uma Bienal "sem fronteiras"?
Lagnado - Tornou-se cada vez mais claro que há, por exemplo, um curador da França que pode convidar um albanês, como o Anri Sala, que mora no país há anos. Essa questão, que já foi temática da Bienal, do nomadismo cultural, é finalmente assumida: o que é ser um sem fronteiras? A Mona Hatoum [artista libanesa], por exemplo, reside em Londres, mas trata de questões políticas da Palestina. As identidades estão cada vez mais híbridas. Ademais, "sem fronteiras" tem outro significado, que corresponde à impossibilidade de diferenciação entre as categorias estéticas.

Folha - O modelo Bienal se tornou um grande evento, muitas vezes mais midiático e menos uma reflexão sobre arte. Esse modelo será questionado na sua Bienal?
Lagnado - Pretendo rever a questão do espetacular, já que sem as representações nacionais não vou ter dinheiro para obras caras, e vou rever a quantidade de países, que fazia com que toda Bienal tivesse um "lixão", sobre o qual o curador não tinha muito controle. Então, para mim, é enxugar e ter uma proposição, ser coerente com o projeto. Por ser uma iniciativa piloto, vou encontrar mais dificuldades. Mudar mentalidades leva tempo. Mas era preciso um dia começar. Estou me arriscando, tenho consciência disto e assumo as conseqüências. Meu maior problema é a falta de tempo para conseguir sensibilizar os órgãos públicos, a iniciativa privada, os institutos e fundações internacionais de seu papel.

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