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19/10/2000 - 05h13

Mostra de cinema: Oliveira faz sermões sobre Brasil e Portugal

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INÁCIO ARAUJO, da Folha de S.Paulo

Era inevitável: depois de muito abordar a história de Portugal, Manoel de Oliveira chega à confluência entre Portugal e Brasil, ao biografar o padre Antonio Vieira, em "Palavra e Utopia".

Vieira marcou o século 17 com sermões que até hoje não perderam a atualidade. Nascido em Portugal, cresceu no Brasil, voltou a Portugal, foi perseguido pela Inquisição e escolheu morrer em Salvador (BA). Opôs-se à escravidão, ao anti-semitismo, defendia os índios. Esteve, na maior parte da vida, contra a corrente.

Oliveira veio ao Brasil pela primeira vez como corredor de automóveis, em 1938. Ele mesmo resume assim sua trajetória: "A boêmia tirou-me dos estudos, o desporto atenuou muito meu estatuto de boêmio e o casamento com Maria Isabel anulou a paixão pelas corridas e o gosto pela vida de boêmio". O que veio a seguir sabe-se: uma das principais obras do cinema moderno, que floresce plenamente após o fim do salazarismo, em 1974. Um cinema de resistência, como ele próprio diz, e também contra a corrente.

Em entrevista à Folha, por fax, Oliveira falou sobre seus filmes, suas idéias.

UNIVERSALIDADE DE VIEIRA - Vieira tem, quanto a mim, várias facetas. O religioso, o político, o orador, o visionário. O pensamento de Vieira é universalista, porque engloba todas essas facetas, do temporal ao intemporal, ali onde as divisões se anulam.

O SENTIMENTO HUMANISTA - Ninguém pode escolher uma terra para nascer, mas pode, se as circunstâncias o permitirem, escolher uma terra para morrer. E a que Vieira escolheu para morrer foi a terra brasileira. Perdoou ser maltratado no Brasil, mas não perdoou sê-lo em Portugal. Vieira era um homem dividido pelo Atlântico, como nós. Porém o que, para além da língua, nos aproxima de ambos os lados é um mesmo sentimento humanista que nos faz universais.

25 DE ABRIL - Portugal depois do 25 de abril procura-se ainda a si próprio e, como país reduzido ao seu pequeno território, resta-lhe o natural sentimento humanista, tendo por ideal a paz e a concórdia entre as demais nações. Quanto a mim, gostava de ver os governos mais atentos às carências urgentes do país do que à idéia do globalismo da União Européia.

O TEMPO E O INTEMPORAL - O dia de hoje é amanhã o dia de ontem. No século 17, não havia automóveis, mas havia freiras e conventos. No século 17, havia paixões, ciúmes, vinganças, meninas virgens, mulheres recatadas, outras libertinas e outras ainda perversas etc. Mais, morria-se de amor em casos muito excepcionais. Essas coisas que podem acontecer naquele como neste século foi o que transpus (em "A Carta", de 1999). Permanecem os atos vitais, como nas artes se fala sempre das mesmas coisas, porque outras na vida não há.

GOVERNOS - Tanto em Portugal como no Brasil a governança está longe da utopia de Vieira.

AS NOVELAS E O CINEMA - A escolha de Lima Duarte para interpretar o último Vieira não poderia ter sido melhor. A qualidade de ator nele, no cinema, é ainda superior. Cabe fazer aqui o elogio de certos atores das telenovelas brasileiras. As telenovelas valem particularmente pelo que têm de seu, sem deverem nada nem ao cinema americano nem ao europeu.

CINEMA E TV - O cinema pertence por direito adquirido às artes e é uma manifestação social, como o teatro; a TV é um meio de comunicação, mas não é em si uma manifestação de arte. O cinema tem o seu lugar e a TV, um outro -e os dois não vão se matar, esperarão pacientemente, como tudo, pelo desaparecimento do homem.

ARTE X MERCADO - O mercado como destino único mata a autenticidade do cinema. Caímos no numérico. Anunciam-se filmes pelo grande custo que tiveram, não pelo seu mérito. E grande audiência teve, em seu tempo, um Hitler, por exemplo.

O HOMEM DESUMANIZADO - O homem é filho da natureza e sem ela não sobrevive. As câmeras digitais não são mais do que um prolongamento técnico e científico desse campo de artificialismo que nos leva à desumanização.

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