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14/07/2005 - 10h10

"Brasileiro reivindica pouco", diz Paulo Autran

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VALMIR SANTOS
da Folha de S. Paulo

"A gente pode até jogar fora as nossas neuroses, e eu espero que você realmente se desfaça logo das suas, mas dificilmente a gente se cura de si próprio", diz o pai septuagenário ao filho quarentão na nova peça a ser protagonizada por Paulo Autran, 82.

A citação de "Adivinhe Quem Vem para Rezar", texto de Dib Carneiro Neto, jornalista de "O Estado de S. Paulo", vem a propósito da entrevista que segue, na qual o ator comenta as denúncias de corrupção no governo Lula e critica a falta de mobilização do brasileiro.

Autran lembra o exemplo do confisco da poupança pelo ex-presidente Fernando Collor (1990-92), que "todo mundo aceitou de cabeça baixa".

Onze dias depois de encerrar a temporada de "Visitando o Sr. Green", em cartaz no teatro Renaissance, Autran se muda para outro palco: no dia 11 de agosto, estréia "Adivinhe Quem Vem para Rezar" no Procópio Ferreira, contracenando com Cláudio Fontana, sob direção de Elias Andreato.

Comporá um tríptico curioso, sem mudar figurino ou caracterização: o pai, o amante da mãe e o padre, em uma missa de sétimo dia da qual o filho (e o espectador) saberá bem mais do que a metade. Leia a seguir a entrevista que o ator concedeu à Folha.

Folha - Como o sr. vê as denúncias sobre o "mensalão"?

Paulo Autran - A possibilidade grande dessas denúncias serem verdadeiras é uma coisa que envergonha o Brasil profundamente. Desde que me entendo por gente, ouço os adultos dizerem que estamos à beira de um abismo. Nós continuamos à beira do abismo, nem sei se já caímos nele, ou não, mas o Brasil sempre teve a possibilidade de continuar se equilibrando.

Vamos ver se as coisas mudam. Há uma promessa de apuração de tudo isso. Espero que essa apuração seja efetivamente rigorosa, que tanto denunciantes quanto denunciados sejam punidos com rigor.

Folha - Isso afeta a imagem do presidente Lula?

Autran - Não pode deixar de afetá-lo. Gente que ele escolheu, gente que ele colocou em lugares importantes. E, de repente, você descobre que aquele mito de que o PT era o partido honesto, o partido da honestidade, anticorrupção, também está metido até as raízes em uma corrupção vergonhosa. Essa desilusão afeta o comandante de tudo, que é o Lula, embora ninguém o tenha acusado de nada. Parece mesmo estar fora disso tudo, mas é claro que indiretamente o afeta.

Folha - E a reação do brasileiro?

Autran - O brasileiro tem reivindicado pouco. Se isso está na nossa raiz, na nossa psicologia... Não acredito que haja uma psicologia do brasileiro, embora vários sociólogos e vários antropólogos estejam preocupados em descobrir como é "o" brasileiro. Não acho que exista "o" brasileiro, mas "os" brasileiros. E os brasileiros realmente não têm reivindicado à altura.

Quando você se lembra de que o [ex-presidente Fernando] Collor pegou o dinheiro de todo mundo, e não houve uma reclamação, nem por parte do Supremo Tribunal Federal, de ninguém, todo mundo aceitou aquilo de cabeça baixa... Foi uma coisa vergonhosa para o país. Agora, diante dessas novas acusações, o fato de não haver um clamor, realmente, é impressionante. Em qualquer outro país teria havido. Veja o que aconteceu há pouco na Bolívia. O povo foi à rua e exigiu que o presidente [Carlos Mesa] saísse.

Folha - Fale sobre "Adivinhe Quem Vem para Rezar".

Autran - É uma peça absolutamente original, inteligente. Acredito muito nela. Estamos entusiasmados no ensaio. Trata da relação entre pai e filho. Faço três papéis sem mudar a maquiagem, sem mudar de roupa. Entro, saio e já sou outro personagem. Como experiência, para mim, é ótima. Vamos ver qual será a reação do público.

Teatro é sempre imprevisível. São três personagens distintos: um pai, um amante e um padre. Estou tentando aumentar as diferenças por meio da interpretação. Se bem que dois deles [o pai e o amante] digam a mesma frase várias vezes, o que resulta em algo muito engraçado.

Folha - Como foi o episódio de seu desligamento da programação do Ano do Brasil na França?

Autran - Iria apresentar "Quadrante" em Paris, dizendo algumas coisas em francês, outras em português, com legenda. Estava muito interessado. Mas o diretor, o [George] Lavodan, queria fazer um outro espetáculo e dirigir comigo. Eu não quis. Ele fazia questão absoluta de que eu fizesse "Quadrante" e outro espetáculo. Eu não queria ensaiar agora um outro espetáculo, só para levar à França. Desisti da idéia, com muita pena, porque queria ter ido.

Folha - Chegou a conhecer a proposta do outro espetáculo?

Autran - Era baseada no "Tristes Trópicos", do [Claude] Lévi-Strauss, que é um autor que não admiro muito não. É um antropólogo muito considerado, mas quando diz que ao entrar na baía de Guanabara teve uma sensação de depressão horrível, porque parecia que estava entrando num cemitério com ossos aparentes, eu achei que ele era um homem de, pele menos, muito mau gosto. Não tenho simpatia por ele. Não estava nada interessado em fazer pedaços de "Tristes Trópicos".

Folha - O sr. costuma ser crítico e autocrítico em tudo que toca ao fazer artístico?

Autran - Não sei se sou crítico. Acho que a autocrítica é uma coisa que só faz bem, desde que ela não seja ao mesmo tempo "castrativa". A minha autocrítica não chega ao ponto de me castrar em nada. Um pouco de autocrítica eu tenho sim, graças a Deus. Tenho "desconfiômetro" também.

Folha - O sr. já fez análise?

Autran - Não, nunca fiz. Eu acho que as experiências de vida suprem, muitas vezes, uma análise. Eu tenho amigos que fazem análise há 20, 30 anos e nem por isso eles melhoraram muito. Quando a gente se auto-analisa, com isenção, a gente consegue resultado até melhor. Agora, acredito, sim, que haja casos em que a psicanálise seja totalmente necessária.

Folha - Depois de problemas recentes com a saúde, o sr. aparenta estar bem.

Autran - Estou ótimo. Eu sofri um acidente quando fazia "My Fair Lady" [1963], que me colocou na cama imóvel por dez meses. Depois, eu tive uma operação no coração, uma coisa que me colocou muito perto da morte [1983]. Tive uma intoxicação [alimentar] há dois anos. Foram momentos perigosos na minha vida, mas que encarei sempre com muito bom humor, sabe?

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