Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
19/08/2005 - 07h00

"Eterno Nino", Scapin ataca rótulos e descarta novo personagem gay

Publicidade

KARINA KLINGER
da Folha Online

Aos 41 anos, o ator Cássio Scapin não insiste em um determinado personagem por muito tempo. Até do próprio Nino, do "Castelo Rá-Tim-Bum", programa de sucesso na TV Cultura nos anos 90, que o tornou conhecido, ele desistiu.

"Após cinco anos fazendo a peça infantil baseada no programa, tive de desistir do sucesso, porque queria fazer outra coisa", revela o ator, estreante de novela na Globo.

Divulgação
Competitividade da TV ainda não abalou ator
Ator Cássio Scapin faz sua primeira novela na Rede Globo
Atualmente, Scapin vive o polêmico Samovar, em "A Lua me Disse", um homossexual assumido que é apaixonado por um personagem aparentemente heterossexual.

Para encarar o trabalho na trama das sete, Scapin teve de tomar uma decisão difícil: deixar o colega Paulo Autran na peça "Visitando o Sr. Green", sucesso de bilheteria e de crítica. "O espetáculo faria uma turnê em Portugal e seria impossível conciliar as gravações da novela com o teatro", explica.

Sem arrependimentos e contente com a repercussão de Samovar, o ator comemora a sua nova fase. Somente o preconceito de algumas pessoas, como o Grupo Gay da Bahia, que protesta contra a trama dizendo que a obra reforça a homofobia ao trazer personagens homossexuais caricatos, chateia um pouco o ator.

"Hoje as pessoas acham que os homossexuais mais efeminados não existem. Isso acaba sendo o inverso do preconceito. Será que eles não têm o direito de fazer o que bem entendem?", questiona.

Além do programa infantil da TV Cultura, Scapin tem mais de 20 peças no currículo --"Memórias do Mar Aberto - Medéia Conta sua História", "Orgia", "Boeing Boeing", "Memórias Póstumas de Brás Cubas", entre outras. Na televisão, ele também fez a minissérie "Um Só Coração", na Globo, e a novela "Razão de Viver", no SBT.

Leia a seguir trechos da entrevista que o ator concedeu à Folha Online.




Folha Online - Antes de aceitar o papel na novela, você pensou duas vezes?

Cássio Scapin - Eu não pensei muito. Fui fazer de cara por causa do Miguel Falabella, um dos autores da trama. O convite partiu dele. Sabia que teria humor e topei. Hoje eu encontro as senhoras na rua, e elas falam que adoram o Samovar. Nem na academia dos Grace, onde costumo treinar, tive problemas. Até agora não ouvi nenhuma piadinha.

Folha - Já aconteceu de alguém confundir o ator com o personagem Samovar? Já sentiu preconceito por causa disso?

Scapin - Consegui encaminhar de um jeito que as pessoas distinguem quem sou do personagem. Aliás, quis fazer o personagem já pensando no desafio que seria. O preconceito sempre existe. Recentemente, a novela recebeu desaprovação do Grupo Gay da Bahia. Talvez os termos e a linguagem usadas por alguns personagens sejam um pouco pesados, mas fico surpreso com o que rola atualmente: a exigência no padrão do comportamento. As pessoas estão muito loucas.

"AS POBRES DAS BICHAS NÃO PODEM GERENCIAR SUAS VIDAS?"

Folha - Como assim?

Scapin - Hoje as pessoas acham que os homossexuais mais efeminados não existem. Isso acaba sendo o inverso do preconceito. Hoje temos o avanço que é a história dos metrossexuais, que podem se cuidar, usam maquiagem, nem por isso são chamados de viados. E as pobres das bichas não podem exercer o livre gosto de ser e de se portar? Não podem gerenciar sua vida como querem? Vivemos mesmo o reverso do preconceito.

Vania Delpoio/Folha Imagem
Ator deixou peça com Paulo Autran por causa da novela
Ator deixou peça com Paulo Autran por causa da novela

Folha - Mas essa cobrança no padrão de comportamento já afetou a sua vida?

Scapin - Eu acho que todo mundo em algum momento sente essa cobrança da sociedade. Às vezes, querem determinado tipo de conduta que eu não tenho. Eu adoro, por exemplo, ir no boteco da esquina comer. As pessoas ficam chocadas, quando estou em um lugar fuleiro, comendo um prato-feito. E todos acabam sofrendo esse tipo de preconceito por causa das tentativas de enquadramento.

"NÃO ACHO QUE NINGUÉM SEJA TÃO HÉTERO E TÃO HOMO"

Folha - Você acha certo um homossexual continuar assediando um heterossexual mesmo depois de descobrir sua orientação sexual, como faz o Samovar?

Scapin - Quem disse que o outro cara é hétero, isso não está escrito em lugar nenhum. Na verdade, ele é um homossexual machão. Além disso, acho que os limites são muito mais sutis hoje em dia. Não acho que ninguém seja tão hétero e ninguém seja tão homo. Eu acho que as pessoas se aproximam uma das outras hoje por uma série de variantes, desde solidão até companheirismo, além de sexo e desejo. Acho que hoje as pessoas são mais maleáveis.

Folha - As especulações sobre a sua orientação sexual aumentaram depois da novela?

Scapin - A minha sexualidade não interessa a ninguém. Estou pouco me lixando para o que pensam de mim. Eu tenho uma vida tranqüila. Moro num prédio familiar. Já fui casado, mas hoje não sou mais. Tenho enrosco na vida como todo mundo. Hoje eu não tenho mais perspectiva de uma relação a longo prazo, tipo morar junto, dividir casa, casar. Eu gosto de viver sozinho. Gosto da liberdade de ir e vir.

"TODA VEZ QUE SAIO DE CASA AINDA OUÇO 'OLHA O NINO'"

Folha - E o fato de fazer uma novela da Globo, mudou algo em sua vida?

Scapin - Não mudou nada. O "Castelo Rá-Tim-Bum" ficou no ar por dez anos, e o programa já me fez ficar conhecido. Além disso, tenho a felicidade ou infelicidade de morar em frente a uma faculdade e toda vez que saio de casa ainda ouço "olha o Nino".

Folha - O que lhe surpreendeu quando entrou nos estúdios da Globo pela primeira vez?

Divulgação
Ator fez monólogo
Ator fez monólogo "Quando comi o cão" em 2003
Scapin - O que me assusta, no sentido positivo, é todo o aparato técnico. Fiz antes a minissérie "Um Só Coração", e os cenários são lindos, a equipe técnica é superexperiente. É muito gostoso estar envolvido nesse processo. Tudo é muito direito. O figurino do Samovar, por exemplo, é do estilista Ricardo Almeida. Até a comida que é servida em cena é boa. Eu entro em um cenário e penso: isso daria para fazer uma peça que ficaria cinco anos em cartaz.

"VOCÊ PODE LEVAR DE UMA MANEIRA SAUDÁVEL OU DOENTE"

Folha - Mas a TV tem algo que lhe assusta? Como faz para lidar com a competitividade?

Scapin - A Globo é uma grande emissora e, como as demais, é competitiva. Você pode levar a história de uma maneira saudável ou doente. Por enquanto, eu tenho achado tudo muito saudável. Mas não quero deixar de fazer outras coisas e ficar só na televisão.

Folha - Você já revelou antes que não gosta de repetir sempre os mesmos papéis, seja no teatro ou na TV, mas a televisão costuma fazer isso. O que faz para evitar a repetição?

Scapin - Deixei a peça do "Castelo Rá-Tim-Bum" após cinco anos de sucesso por esse motivo. Você chega num determinado momento e fala "eu não quero mais o sucesso, porque tenho medo de ficar aqui e, mais tarde, virar o palhaço Carequinha". Eu quero fazer outras coisas também. Isso, claro, me deu medo. É muito bom estar empregado, é muito bom ganhar salário e ter uma vida relativamente segura dentro deste país maluco. Saber que pode programar a vida por algum período. Se isso significa estacionar, porém, acaba me preocupando. A profissão do ator é tão bacana que não dá para acomodar e ficar numa boa. Neste sentido a TV é muito sedutora, porque ela pode oferecer um conforto. Você pode até se acostumar mal.

Folha - Mas qual é a tática que irá usar desta vez?

Scapin - Já sei que não quero mais fazer papel gay. Justamente porque já fiz ou estou fazendo. Quero outra coisa, um bandido, um mau caráter. Quero poder experimentar. A TV pode incentivar essa repetição, mas acho que cabe ao ator recusar.

Folha - Você é um telespectador assíduo?

Scapin - Eu já fui habituê de TV quando era moleque. Há novelas que foram ícones para mim, como "Espelho Mágico" (1977), que falava da vida dos atores do teatro, e "Dancin'Days" (1978-79). Era uma fase bem adolescente. Talvez tenha depurado o gosto (risos). Também gosto mais de ler. Tenho TV a cabo e assisto a filmes. Às vezes, não por grosseria, não conheço o cara que está bombando, o pop do momento. Na verdade, não vejo muita TV.

"O TEATRO É UMA FOLGA DE MIM MESMO"

Folha - Com mais de 20 peças no currículo e tantos personagens, qual deles foi o mais marcante para você? E o que lhe atrai tanto nos palcos?

Scapin - Brás Cubas, de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", foi um personagem que me marcou bastante. Um universo difícil, porque você se vê muito feio e asqueroso. Trabalha com a própria avareza. O teatro é uma folga de mim mesmo. Algo salutar para o ator. Você esquece de você.

Folha - Essa vantagem lhe afastou da terapia?

Scapin - (Risos) Não. O fato de não corresponder à expectativa que o outro tem a meu respeito, a decepção com uma pessoa amada, o fato de não entender a avareza do outro ou a minha própria ainda me fazem procurar a terapia.

Folha - Você tem projetos para teatro ou cinema?

Scapin - Estou estudando alguns textos para fazer uma peça. Um deles, por exemplo, é baseado no best-seller "Quando Nietzsche Chorou". Também devo estrear no cinema em outubro com "JK - Bela Noite para Voar", de Zelito Viana. No filme, que conta uma parte da vida do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1902-76), interpreto Jânio Quadros.

Marcio Fernandes/FI
Scapin desistiu de Nino para viver outros personagens
Scapin trocou Nino por outros personagens
Folha - Depois de dar vida ao Nino, personagem do "Castelo Rá-Tim-Bum", o seu corpo ganhou massa muscular. Foi uma questão de vaidade?

Scapin - Isso se chama idade. Na verdade, a idéia de malhar foi de Marília Pêra. Ela entrou no meu camarim ainda na época do "Castelo Rá-Tim-Bum" e me disse: "nossa, como você é magrinho". Ela, então, afirmou: "cuidado porque de menininho a gente passa direto para velhinho". Comecei a me exercitar não só por uma questão de idade, mas para aumentar o meu leque de trabalho. Antes só fazia dança, um outro tipo de exercício. Agora ganhei massa muscular e não estou tão curvado como antes.

Folha - E você gosta desta vida de atleta de primeira viagem?

Scapin - Foi uma tortura no começo. Eu odeio malhar. Hoje treino musculação. Quando eu posso volto a fazer dança, mas agora estou parado. Eu tenho um trabalho de estudo constante como ator. Faço aula de canto com o Daniel Ribeiro. Acho isso fundamental. Com a TV agora, porém, fica impossível conciliar os horários.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre Cássio Scapin
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página