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21/10/2000 - 04h50

Documentário analisa relações de poeta em campo de refugiados

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da Folha de S.Paulo

"Genet em Shatila", documentário do suíço Richard Dindo, não é nem um filme sobre o escritor francês Jean Genet (1910-1986) nem sobre a resistência palestina que lhe inspirou o livro póstumo "Un Captif Amoureux" ("Um Prisioneiro Apaixonado", 1986). Examina, antes, as relações subjetivas entre o escritor e o movimento político. E é esse o seu maior mérito e a sua maior originalidade.

Em 1982, as tropas israelenses bombardearam e sitiaram Beirute por três meses, com o objetivo de aniquilar focos da resistência palestina. Um acordo supervisionado pelos Estados Unidos, Inglaterra e França suspendeu o estado de sítio e permitiu a evacuação de dirigentes políticos e combatentes palestinos. Ficaram os civis, agrupados em campos de refugiados, como os de Sabra e Shatila.

Assim que as forças internacionais encarregadas de garantir a proteção dos civis nos campos palestinos deixaram a cidade, um mês antes do previsto, o presidente recém-eleito do Líbano, Bashir Gemayel, líder falangista (milícia dos maronitas cristãos), foi assassinado e as tropas israelenses voltaram a invadir a cidade.

Sob os olhos impassíveis do Exército israelense, os falangistas deram início, então, aos massacres de Sabra e Shatila, torturando e matando famílias inteiras de palestinos civis e desarmados, a facadas e golpes de machado.

Jean Genet estava em Beirute na mesma época, em companhia de uma amiga libanesa, Leila Shahid, representante da resistência palestina na França, que tinha decidido voltar à cidade com o final do estado de sítio para visitar sua mãe.

Alguns dias depois do massacre, e graças às revelações de uma enfermeira norueguesa, Shahid e Genet resolveram visitar o campo de Shatila.
Durante quatro horas, o escritor caminhou entre cadáveres torturados e putrefatos, famílias esquartejadas diante de televisores, as piores
atrocidades.

O horror despertou em Genet a vontade de escrever. Fazia 20 anos que não publicava nada. Sofrendo de um câncer na garganta, exaurido pelo tratamento, não tinha mais forças. Sua simpatia pelos árabes e em especial pela "revolução palestina" já vinha de longa data (desde que tinha vivido, a convite, nos campos de refugiados na Jordânia no início dos anos 70), mas foi o efeito do choque de Shatila que lhe deu novamente o sentido da literatura.

Abandonado pela mãe quando pequeno, homossexual, ladrão, criado em reformatórios, confinado em prisões, Genet sempre procurou a companhia dos excluídos e dos oprimidos. Achou sua família entre os injustiçados -e, na resistência, o sentido que o mantinha vivo e o levava a escrever.
A experiência de Shatila lhe permitiu redescobrir, no fim da vida, minado pelo câncer, a necessidade da literatura.

O filme de Richard Dindo recolhe depoimentos dos que conheceram Genet no Líbano e na Jordânia e refaz, seguindo uma jovem argelina que lê "Un Captif Amoureux" pelo Oriente Médio, os passos desse autor para quem a revolução sempre foi "o tempo mais feliz da vida".

Um homem desiludido que, à beira da morte, e graças ao exemplo de um povo ao qual só resta resistir ou morrer, teve a chance de se lembrar do que leva um verdadeiro escritor a escrever.
(BERNARDO CARVALHO)

Genet em Shatila
Genet à Chatila
Direção:
Richard Dindo
Produção: Suíça/França, 1999
Com: Mounia Raoui
Quando: dias 25, às 19h10 (Masp); 1º/ 11, às 21h20 (Cinesesc); e 2/11, às 16h40 (Masp)

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