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20/09/2005
-
10h25
FABIO CYPRIANO
Enviado da Folha de S.Paulo a Lyon
A temporada de artes plásticas em Lyon (França) aposta, nesta temporada, na volta aos anos 60. Cores fortes, universo hippie, contracultura. Pode parecer estranho iniciar um texto sobre a 8ª Bienal de Lyon, aberta ao público no último dia 13, como se descreve um desfile de moda, mas não se trata aqui de mero trocadilho.
Na festa de inauguração, tanto os curadores da mostra, Nicolas Bourriaud e Jérôme Sans, quanto alguns artistas da exposição, entre eles o badalado Pascale Marthine Tayou, participaram de um desfile, trajando roupas da marca francesa Hermès, que patrocinou o evento de abertura a um custo de 150 mil (cerca de R$ 421,4 mil), gerando imenso debate entre a crítica francesa.
Simbolicamente, tal ação representa uma aproximação em voga entre arte, moda e a cultura do espetáculo, em que a primeira parece instrumentalizada de modo a ser mero canal de marketing. E, pior, com isso a arte assume um discurso fashionista que lhe retira todo possível discurso crítico. Tempos estranhos.
Da mesma forma que a moda costuma se apropriar de tendências que já tiveram sucesso, Bourriaud e Sans se basearam na arte conceitual dos anos 60 e no grupo Fluxus, selecionando 60 artistas que atualmente se aproximam de tal poética.
A diferença fundamental é que enquanto o Fluxus questionava o mercado, com ações efêmeras e utilizando objetos do cotidiano para aproximar vida e arte, o que se vê em Lyon é um discurso quase atemporal, como se a arte fosse um campo autônomo.
Com isso, não há dúvida de que a Bienal de Lyon consegue reunir obras que seduzem um público amplo, pois, com muitos trabalhos de imersão, há um aspecto sedutor na mostra. Enquanto muitas bienais têm um discurso voltado apenas a especialistas, o aspecto populista em Lyon representa, no final, um debate necessário.
Experiência da duração
O tempo é o tema central da Bienal de Lyon, que segue até 31 de dezembro, intitulada "Experiência da Duração". "Vivemos num tempo em que se fala mais de personalidades do que da obra de arte. Para nós, o conceito fundacional de experiência foi essencial pois ele implica uma diferente relação entre exposição e obra de arte", diz Sans.
Aí está, de fato, o grande diferencial de Lyon: a busca de dar à arte o tempo que ela realmente demanda para propiciar uma nova forma de experiência.
Não é à toa que a primeira obra da exposição, na Sucrière, o mais amplo dos cinco locais que sediam a Bienal é "Sleep", trabalho de Andy Warhol recentemente exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que registra o sono de uma pessoa por seis horas ininterruptas. O tempo da arte já se mostra aí numa duração que questiona a velocidade do mundo moderno.
Isso acontece em grande parte dos trabalhos. O mais radical deles é "Ratos Voadores", do francês Kader Attia, que montou uma imensa gaiola cheia de bonecos de criança em tamanho natural, vestidos com roupas, mas feitos de cereal, além de dezenas de pombos que comiam as "crianças". Nesse caso, os visitantes participam de um banquete um tanto perverso --o tempo do trabalho é o tempo da destruição.
Ainda na Sucrière está "Zé Carioca e Amigos", da artista brasileira Rivane Neuenschwander, visto na mostra "Paralela", em São Paulo, no ano passado, um mural como se fossem páginas de uma revista em quadrinhos, mas sem os personagens e com os balões vazios, para que o público escreva o que quiser. Proposição com sucesso imediato no primeiro dia da mostra.
Entre os poucos trabalhos de fato críticos, Wim Delvoye é o mais irônico. Com uma transmissão de imagens em tempo real de sua fazenda na China, onde cria porcos que ele mesmo tatua, Delvoye satiriza o fetichismo na era do "reality show" "Big Brother".
Ao mesmo tempo, o artista expõe os couros de alguns porcos, tatuados com a marca Louis Vuitton, ao lado da instalação "A Vaca que Ri", uma coleção de rótulos de um leite, cujas iniciais em francês, "LVQR", também remetem ao universo da moda.
Lyon também tem uma programação de performances, e a primeira delas foi realizada no domingo passado, pelo norte-americano Spencer Tunick, aquele que leva centenas de pessoas nuas a serem fotografadas em ambientes públicos.
Na França, foram quase 1.400. Com apelo sensacionalista, tal trabalho é um bom exemplo da ambivalência entre a busca de atingir um grande público e o risco do apelo fácil. A Bienal de Lyon caminha nessa fronteira, caindo dos dois lados.
O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do Consulado da França em São Paulo e do Gabinete de Cultura
Especial
Leia o que já foi publicado sobre a Bienal de Lyon
Bienal de Lyon caminha entre a cultura e o apelo fácil
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Enviado da Folha de S.Paulo a Lyon
A temporada de artes plásticas em Lyon (França) aposta, nesta temporada, na volta aos anos 60. Cores fortes, universo hippie, contracultura. Pode parecer estranho iniciar um texto sobre a 8ª Bienal de Lyon, aberta ao público no último dia 13, como se descreve um desfile de moda, mas não se trata aqui de mero trocadilho.
Na festa de inauguração, tanto os curadores da mostra, Nicolas Bourriaud e Jérôme Sans, quanto alguns artistas da exposição, entre eles o badalado Pascale Marthine Tayou, participaram de um desfile, trajando roupas da marca francesa Hermès, que patrocinou o evento de abertura a um custo de 150 mil (cerca de R$ 421,4 mil), gerando imenso debate entre a crítica francesa.
Robert Prata/Reuters |
Voluntários em sessão de fotos de Spencer Tunick |
Da mesma forma que a moda costuma se apropriar de tendências que já tiveram sucesso, Bourriaud e Sans se basearam na arte conceitual dos anos 60 e no grupo Fluxus, selecionando 60 artistas que atualmente se aproximam de tal poética.
A diferença fundamental é que enquanto o Fluxus questionava o mercado, com ações efêmeras e utilizando objetos do cotidiano para aproximar vida e arte, o que se vê em Lyon é um discurso quase atemporal, como se a arte fosse um campo autônomo.
Com isso, não há dúvida de que a Bienal de Lyon consegue reunir obras que seduzem um público amplo, pois, com muitos trabalhos de imersão, há um aspecto sedutor na mostra. Enquanto muitas bienais têm um discurso voltado apenas a especialistas, o aspecto populista em Lyon representa, no final, um debate necessário.
Experiência da duração
O tempo é o tema central da Bienal de Lyon, que segue até 31 de dezembro, intitulada "Experiência da Duração". "Vivemos num tempo em que se fala mais de personalidades do que da obra de arte. Para nós, o conceito fundacional de experiência foi essencial pois ele implica uma diferente relação entre exposição e obra de arte", diz Sans.
Aí está, de fato, o grande diferencial de Lyon: a busca de dar à arte o tempo que ela realmente demanda para propiciar uma nova forma de experiência.
Não é à toa que a primeira obra da exposição, na Sucrière, o mais amplo dos cinco locais que sediam a Bienal é "Sleep", trabalho de Andy Warhol recentemente exposto no Museu de Arte Moderna de São Paulo, que registra o sono de uma pessoa por seis horas ininterruptas. O tempo da arte já se mostra aí numa duração que questiona a velocidade do mundo moderno.
Isso acontece em grande parte dos trabalhos. O mais radical deles é "Ratos Voadores", do francês Kader Attia, que montou uma imensa gaiola cheia de bonecos de criança em tamanho natural, vestidos com roupas, mas feitos de cereal, além de dezenas de pombos que comiam as "crianças". Nesse caso, os visitantes participam de um banquete um tanto perverso --o tempo do trabalho é o tempo da destruição.
Ainda na Sucrière está "Zé Carioca e Amigos", da artista brasileira Rivane Neuenschwander, visto na mostra "Paralela", em São Paulo, no ano passado, um mural como se fossem páginas de uma revista em quadrinhos, mas sem os personagens e com os balões vazios, para que o público escreva o que quiser. Proposição com sucesso imediato no primeiro dia da mostra.
Entre os poucos trabalhos de fato críticos, Wim Delvoye é o mais irônico. Com uma transmissão de imagens em tempo real de sua fazenda na China, onde cria porcos que ele mesmo tatua, Delvoye satiriza o fetichismo na era do "reality show" "Big Brother".
Ao mesmo tempo, o artista expõe os couros de alguns porcos, tatuados com a marca Louis Vuitton, ao lado da instalação "A Vaca que Ri", uma coleção de rótulos de um leite, cujas iniciais em francês, "LVQR", também remetem ao universo da moda.
Lyon também tem uma programação de performances, e a primeira delas foi realizada no domingo passado, pelo norte-americano Spencer Tunick, aquele que leva centenas de pessoas nuas a serem fotografadas em ambientes públicos.
Na França, foram quase 1.400. Com apelo sensacionalista, tal trabalho é um bom exemplo da ambivalência entre a busca de atingir um grande público e o risco do apelo fácil. A Bienal de Lyon caminha nessa fronteira, caindo dos dois lados.
O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do Consulado da França em São Paulo e do Gabinete de Cultura
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