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05/10/2005
-
09h45
BRUNO YUTAKA SAITO
da Folha de S.Paulo
A pequena Isabella era uma garotinha confusa. Não entendia por que um novo irmão nunca saía do barrigão de seu pai, Roberto. "Ele está grávido", pensava, já que o patriarca da família Rossellini vivia dizendo que queria ser um cavalo-marinho para carregar todos os filhos na barriga.
Essa é uma das imagens mais antigas que a hoje celebrada atriz Isabella Rossellini, 53, guarda de seu pai herói, Roberto Rosselini (1906-1977), "pai" de outro belo rebento, o neo-realismo. E é com essa imagem na cabeça que ela resolveu homenageá-lo no curta "My Dad Is 100 Years Old" ("Meu Pai Tem Cem Anos"), atração da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 21. Com o clássico "Roma, Cidade Aberta" (1945), o filme faz parte das comemorações dos cem anos de nascimento do diretor italiano.
Dirigido por Guy Maddin e escrito por Isabella, "My Dad..." opta por um registro afetivo, em que se embaralham as vozes amigas e críticas que recaíam sobre o diretor --retratado como uma barriga gigante. "Se ele era um gênio, por que está esquecido hoje?", questiona a atriz. Leia a seguir a entrevista de Isabella à Folha.
Folha - Além da homenagem, por que você decidiu fazer esse filme?
Isabella Rossellini - Queria fazer algo que estimulasse o interesse do público sobre o trabalho de meu pai. Muitos de seus filmes não passam mais na TV e dificilmente são mostrados nas universidades. Estudantes aprendem sobre o neo-realismo, conhecem Visconti, De Sica, Fellini; mas provavelmente viram apenas um único filme de [Federico] Fellini.
Folha - Por que retratar seu pai como uma barriga gigante?
Rossellini - Meu pai sempre dizia, em tom de piada, que queria ser um cavalo-marinho. Eu não entendia isso, então resolvi manter esse clima de confusão. A grande barriga representa o patriarca, o começo de tudo, um planeta, o Big Bang.
Folha - Você sentiu pressões ao lidar com a memória de seu pai?
Rossellini - A única pressão que senti foi em relação à minha família. Uma irmã minha ficou muito brava! As outras acharam que tudo era OK. Como somos em sete, então não é tão mal assim... Ela acha que meu filme não é respeitoso. Eu era muito jovem [23 anos] quando ele morreu, foi a primeira pessoa próxima que vi ir embora. Ele era um patriarca de voz ativa, naquela tradição dos livros de Gabriel García Márquez.
Folha - Você diz não saber se seu pai era um gênio ou não. Por quê?
Rossellini - Em uma cena, eu digo algo como: "Tudo o que você disse faz tanto sentido, tudo o que você disse era tão certo, mas, mesmo assim, você está sendo esquecido". Sempre há essas injustiças, sempre queremos acreditar que, se você realmente é bom, você permanece, mas não... Fico irritada em testemunhar isso acontecer, enquanto filha. Antes de saber quem é meu pai, as pessoas me conhecem e, depois, dizem: "Ah, seu pai é Roberto Rossellini?". Ninguém o conhece, isso é triste. No final, não importa se é um gênio ou não, eu o amo, como qualquer filha ama seu pai.
Folha - Foi complicado interpretar sua mãe [Ingrid Bergman]?
Rossellini - Não. Sempre me pedem para imitá-la. A cena foi um pouco triste, sim, já que a personagem aparece em close-up, como se fosse uma deusa das telas, grande demais perto dos outros.
Folha - Você cresceu em meio a sets de filmagens. Quais suas lembranças desse período?
Rossellini - Eu ia aos sets dos filmes de meu pai, não nos de minha mãe. Meu pai era o diretor, o chefe. Então ele podia levar a família, ao contrário dos atores. Trabalhei em vários filmes quando eu não estava na escola. Cuidava das roupas, vestindo os extras.
Folha - Você concorda com todas as idéias de seu pai sobre cinema?
Rossellini - Sim. A inspiração para seus filmes era diferente das outras pessoas. Sua inspiração tinha a ver com consciência, moralidade e compreensão. Para os outros cineastas, o ato de contar histórias é o que mais importava.
Folha - O que ele pensaria sobre a indústria atual?
Rossellini - Acho que pensaria as mesmas coisas. Pouca coisa mudou; é uma eterna questão entre ser arte ou ser um negócio. Mesmo David Lynch, que é um diretor amado e respeitado, sempre está batalhando para conseguir dinheiro para seus filmes. Essa é uma história sem fim.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre Isabella Rossellini
Isabella Rossellini homenageia pai em curta exibido em SP
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da Folha de S.Paulo
A pequena Isabella era uma garotinha confusa. Não entendia por que um novo irmão nunca saía do barrigão de seu pai, Roberto. "Ele está grávido", pensava, já que o patriarca da família Rossellini vivia dizendo que queria ser um cavalo-marinho para carregar todos os filhos na barriga.
Essa é uma das imagens mais antigas que a hoje celebrada atriz Isabella Rossellini, 53, guarda de seu pai herói, Roberto Rosselini (1906-1977), "pai" de outro belo rebento, o neo-realismo. E é com essa imagem na cabeça que ela resolveu homenageá-lo no curta "My Dad Is 100 Years Old" ("Meu Pai Tem Cem Anos"), atração da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começa no próximo dia 21. Com o clássico "Roma, Cidade Aberta" (1945), o filme faz parte das comemorações dos cem anos de nascimento do diretor italiano.
Dirigido por Guy Maddin e escrito por Isabella, "My Dad..." opta por um registro afetivo, em que se embaralham as vozes amigas e críticas que recaíam sobre o diretor --retratado como uma barriga gigante. "Se ele era um gênio, por que está esquecido hoje?", questiona a atriz. Leia a seguir a entrevista de Isabella à Folha.
Folha - Além da homenagem, por que você decidiu fazer esse filme?
Isabella Rossellini - Queria fazer algo que estimulasse o interesse do público sobre o trabalho de meu pai. Muitos de seus filmes não passam mais na TV e dificilmente são mostrados nas universidades. Estudantes aprendem sobre o neo-realismo, conhecem Visconti, De Sica, Fellini; mas provavelmente viram apenas um único filme de [Federico] Fellini.
Folha - Por que retratar seu pai como uma barriga gigante?
Rossellini - Meu pai sempre dizia, em tom de piada, que queria ser um cavalo-marinho. Eu não entendia isso, então resolvi manter esse clima de confusão. A grande barriga representa o patriarca, o começo de tudo, um planeta, o Big Bang.
Folha - Você sentiu pressões ao lidar com a memória de seu pai?
Rossellini - A única pressão que senti foi em relação à minha família. Uma irmã minha ficou muito brava! As outras acharam que tudo era OK. Como somos em sete, então não é tão mal assim... Ela acha que meu filme não é respeitoso. Eu era muito jovem [23 anos] quando ele morreu, foi a primeira pessoa próxima que vi ir embora. Ele era um patriarca de voz ativa, naquela tradição dos livros de Gabriel García Márquez.
Folha - Você diz não saber se seu pai era um gênio ou não. Por quê?
Rossellini - Em uma cena, eu digo algo como: "Tudo o que você disse faz tanto sentido, tudo o que você disse era tão certo, mas, mesmo assim, você está sendo esquecido". Sempre há essas injustiças, sempre queremos acreditar que, se você realmente é bom, você permanece, mas não... Fico irritada em testemunhar isso acontecer, enquanto filha. Antes de saber quem é meu pai, as pessoas me conhecem e, depois, dizem: "Ah, seu pai é Roberto Rossellini?". Ninguém o conhece, isso é triste. No final, não importa se é um gênio ou não, eu o amo, como qualquer filha ama seu pai.
Folha - Foi complicado interpretar sua mãe [Ingrid Bergman]?
Rossellini - Não. Sempre me pedem para imitá-la. A cena foi um pouco triste, sim, já que a personagem aparece em close-up, como se fosse uma deusa das telas, grande demais perto dos outros.
Folha - Você cresceu em meio a sets de filmagens. Quais suas lembranças desse período?
Rossellini - Eu ia aos sets dos filmes de meu pai, não nos de minha mãe. Meu pai era o diretor, o chefe. Então ele podia levar a família, ao contrário dos atores. Trabalhei em vários filmes quando eu não estava na escola. Cuidava das roupas, vestindo os extras.
Folha - Você concorda com todas as idéias de seu pai sobre cinema?
Rossellini - Sim. A inspiração para seus filmes era diferente das outras pessoas. Sua inspiração tinha a ver com consciência, moralidade e compreensão. Para os outros cineastas, o ato de contar histórias é o que mais importava.
Folha - O que ele pensaria sobre a indústria atual?
Rossellini - Acho que pensaria as mesmas coisas. Pouca coisa mudou; é uma eterna questão entre ser arte ou ser um negócio. Mesmo David Lynch, que é um diretor amado e respeitado, sempre está batalhando para conseguir dinheiro para seus filmes. Essa é uma história sem fim.
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