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29/10/2005 - 16h38

Longa sobre nazismo omite povo alemão

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INÁCIO ARAUJO
Crítico da Folha de S.Paulo

Devia ser difícil praticar a resistência durante a Segunda Guerra Mundial, em particular quando se vivia em 1943 numa Alemanha que ainda se acreditava invulnerável. A repressão era da violência de que os nazistas eram capazes. Mas, sobretudo, o sentimento de solidão devia ser muito grande.

Ao menos podemos imaginar algumas dessas coisas, pois a visão que transmite "Uma Mulher contra Hitler" é, em certos aspectos, um tanto diferente. Sobretudo quanto a este último tópico: a crer no filme de Marc Rothemund, o sentimento anti-Hitler devia ser bem difundido entre os estudantes de Munique após a derrota em Stalingrado, pois a crença de Sophie Scholl, de seu irmão e dos membros do grupo Rosa Branca era de "incendiar o campus" com alguns folhetos atacando o führer.

Essa é a primeira surpresa que nos oferece o filme de Rothemund: a julgar por ele, não existe população alemã em 1943. Existem, de um lado, os resistentes e, de outro, os funcionários do regime. A única exceção corre por conta do bedel da faculdade, o tipo insignificante (fisicamente também) que entrega os responsáveis pela distribuição de panfletos no campus.

Existem várias hipóteses para essa omissão. Uma delas é que, ao fazê-lo, o diretor-produtor reforça a idéia de um povo alemão enganado e alheio ao que se passava. Uma outra é que, ao centrar a trama no drama pessoal da valente Sophie Scholl, não vinha muito ao caso desenvolver esse outro aspecto (o da população).

De todo modo, a opção revela-se uma catástrofe, pois faz do nazismo um regime surgido meio que do nada, como se o povo alemão lhe fosse inteiramente alheio. Os maiores danos, no entanto, referem-se ao aspecto cinematográfico. Fechando a história em Sophie Scholl, suas crenças (políticas e religiosas) e sua valentia, "Uma Mulher contra Hitler" condena-se de cara ao academismo que o balizará até o final.

Heroína

Os sentimentos nobres, a luta, a inteligência etc. de Sophie Scholl podem ser atributos notáveis do ponto de vista pessoal, mas não acrescentam nada ao que já conhecemos sobre heróis de guerra: Sophie, personagem real, é muito semelhante a qualquer herói de filme de aventuras, seja ele fictício ou não. A isso, o filme de Rothemund só tem a acrescentar o quadro particular e, diga-se, quase desconhecido, da resistência no interior da Alemanha.

A virtude principal do filme está na intérprete da protagonista, a atriz Julia Jentsch. Seus melhores momentos acontecem quando contracena com o investigador Mohr (Alexander Held), único nazista dotado de alguma ambigüidade e um pouco de riqueza dramática a entrar em cena.

Faturar

Seu maior problema (do qual decorrem todos os outros) é participar da "nova ordem cinematográfica mundial": um cinema sem personalidade, sem pessoalidade, sem idéias outras que não sejam "comover e faturar".

Neste caso, temos um longa-metragem de "tema nobre", partícipe da florescente indústria no antinazismo, que nos últimos anos mostrou, no cinema, vigor semelhante ao do crescimento eleitoral da extrema direita na Europa --e não apenas lá.

É ótimo poder olhar para 1943, cultivar heróis de caráter como Sophie Scholl, odiar juízes nazistas, chutar cachorros mortos. Melhor ainda é não esquecer que 2005 está aí --e cheio de problemas. E parece que boa parte do cinema contemporâneo existe apenas para produzir o esquecimento da atualidade e de suas possíveis dores.

Uma Mulher contra Hitler
Direção: Marc Rothemund
Quando: dia 1º, às 18h, no Reserva Cultural

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