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03/11/2005 - 09h48

Futebol não afasta pavor do Haiti

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MARCOS GUTERMAN
da Folha de S.Paulo

Ronaldo não é Henri Cristophe, mas teve seus momentos de rei do Haiti. Em "O Dia em que o Brasil Esteve Aqui", o craque aparece em uma dimensão impressionante mesmo para um espectador brasileiro, orgulhoso de seu "país do futebol". Mas o filme, feito para registrar os efeitos da histórica passagem da seleção de futebol do Brasil pelo Haiti, em agosto de 2004, na verdade pode ser visto como um incômodo lembrete de como o país antilhano continua a ser um espectro a rondar o horizonte brasileiro.

Há pouco mais de 200 anos, o Haiti tornava-se a primeira nação negra independente das Américas. A revolução, cuja violência deixou marcas históricas, sacudiu o imaginário da elite brasileira da época, temerosa que o 1,5 milhão de escravos do país se inspirasse nos haitianos. "Haitianismo" virou nome de crime e pesadelo no Brasil. Os dois séculos de lá até aqui não parecem ter mudado essencialmente essa relação.

No documentário, a seleção brasileira aparece como representante do que há de mais significativo da cultura nacional, coisa capaz de enlouquecer os países por onde passa, sobretudo os mais pobres. Na véspera do amistoso contra o Haiti, soldados brasileiros distribuíram nas ruas camisetas amarelas, disputadas como se fossem sacos de comida. Um jornalista haitiano sugere que esse é o autêntico "soft power", isto é, o poder de conquistar corações e mentes por meios persuasivos.

Mas os astros dessa poderosa trupe são endinheirados exilados na fria Europa, e seu traço negro é só uma pálida lembrança dos 400 anos de escravidão no Brasil. Em cima de carros blindados da ONU, desfilaram pelas ruas de Porto Príncipe como imperadores em meio a uma inacreditável multidão de miseráveis súditos que se empilharam para ter o privilégio de ver seus deuses por uma fração de segundo, se tanto.

A seleção, símbolo de um Brasil cuja identidade foi construída no passado recente em cima da lenda da democracia racial, manteve um prudente distanciamento dessa massa negra informe. Sob forte proteção, o time chegou, entrou em campo, goleou e foi embora, sem maior envolvimento, o que causou uma mal disfarçada frustração entre os haitianos.

O comando militar brasileiro alegou que a visita da seleção foi rápida para evitar tumultos que poderiam converter-se em violência. Mas, no limite, talvez tenha sido medo de contaminação, o velho pavor da elite brasileira.

Ao final do documentário, o que se impõe não é a força do futebol nem o acerto da iniciativa brasileira, e sim uma incômoda pergunta: quanto falta para sermos o Haiti?

O Dia em que o Brasil Esteve Aqui
Direção: Caíto Ortiz e João Dornelas
Quando: hoje, às 19h40, no Reserva Cultural

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