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17/11/2005 - 09h57

Sobriedade marca "Oliver Twist"

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

O cineasta Roman Polanski é um homem fascinado por detalhes --e pela possibilidade de acontecimentos banais mudarem o curso de uma vida.

Para encontrar o que o seduz em "Oliver Twist", romance de Charles Dickens (1812-1870) que adaptou para as telas (que estréia amanhã no Brasil), Polanski, 72, não precisou ir muito longe.

Foi fisgado no terceiro capítulo, por um tinteiro alguns centímetros fora do lugar. "Sempre que pensava em 'Oliver Twist', era do julgamento que eu me lembrava", afirma o diretor.

Divulgação
Ben Kingsley e Barney Clark em "Oliver Twist"
Ben Kingsley e Barney Clark em "Oliver Twist"
Polanski descreve a cena: "O juiz vai assinar a sentença que acabaria com a vida de Oliver [o garoto seria entregue à exploração de um criminoso] sem nem olhar para ele, que está à sua frente, chorando. Mas o tinteiro não está no lugar de sempre. Quando move o braço para o outro lado da mesa, o juiz vê Oliver. E não assina a sentença. Só porque um tinteiro não estava onde deveria".

Dickens e Polanski têm em comum o fato de haverem escapado de uma infância de privações, próxima da tragédia. Nascido numa família pobre, o escritor inglês trabalhou desde criança, quando seu pai, endividado, foi preso.

Autodidata na adolescência, Dickens iniciou sua carreira na literatura com folhetins publicados em jornais, até consagrar-se como grande escritor, especialista na abordagem da infância em romances de formação como "Oliver Twist".

Polanski, que retornou com a família à Polônia depois de seu nascimento em Paris, é um sobrevivente do Gueto de Varsóvia. Sua mãe, não. Morreu vítima da perseguição nazista, que também confinou seu pai a um campo de concentração.

A vida adulta de Polanski não foi menos conturbada. Envolve o assassinato de sua mulher, Sharon Tate, quando grávida; um processo por abuso sexual de menor que o impede de entrar nos EUA e uma disputa judicial com a revista "Vanity Fair" pela abordagem do primeiro tema.

O cineasta filmou o episódio do julgamento de Oliver Twist, seu favorito, com estilo clássico e imponente, que adotou em todo o filme. Pela sobriedade da narrativa de "Oliver Twist", o diretor foi confrontado com a questão: "O Polanski transgressor de 'Repulsa ao Sexo' [1965] se tornou o humanista de 'O Pianista' [2002] e de 'Oliver Twist'?".

A pergunta --feita por uma jornalista brasileira durante o Amazonas International Film Festival (4/11 a 10/11)-- desagradou ao diretor. Polanski disse que isso era tema para psicanalistas e quis encerrar a conversa.

A aversão do cineasta a entrevistas é notória. Em "Polanski por Polanski" ele afirma: "Não dei uma única boa entrevista em minha vida. E foram centenas".

Mas o diretor não deixou a questão provocadora sem resposta. Apenas revelou/escondeu seu pensamento em detalhes salpicados aqui e ali. Foi assim que Polanski deixou claro que transgredir, hoje, no cinema é oferecer o que o público não quer mais --daí o retorno ao clássico.

Quis fazer um filme para jovens "sem ketchup", disse, mesmo declarando-se certo de que boa parte do público jovem está viciada no sabor que ele rejeita.

Polanski foi mais longe e criticou a padronização do gosto e a domesticação da produção cultural aos desejos do consumidor. "Somos todos vítimas dessa globalização da cultura. Hoje, o turista sempre consegue o que quer."

Era um comentário sobre o show "interessante e apelativo" de um grupo de folclore amazonense que lhe presenteou com um cocar, símbolo da Amazônia para turista.

Com "Oliver Twist", Polanski imaginou um diálogo próximo, caseiro. Diz que pensou em seus filhos --de sete e 13 anos-- para quem até aqui sua obra havia ficado inalcançável. "Meu filho até gostou de 'O Pianista', mas prefere 'Homem-Aranha'", ironizou.

Mas não é apenas por um cinema de efeitos especiais que se interessam as crianças. Ao menos as de Polanski: "Levei meus filhos para ver 'A Marcha do Imperador'. Ficaram fascinados. Com um documentário sobre pingüins, numa paisagem de neve! A gente nunca sabe de onde pode vir o fascínio do cinema", disse o diretor.

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