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28/11/2005
-
09h37
EDUARDO SIMÕES
da Folha de S.Paulo, em Brasília
Na década de 80, o diretor baiano Edgard Navarro despontou como talento emergente do cinema baiano. Foi premiado duas vezes no Festival de Brasília (com os curtas "Porta de Fogo", em 1985, e "Lyn e Katazan", em 1986), e em Gramado (com o média "Superoutro", em 1989). A falta de uma política de incentivo local, segundo ele, acabou atrasando em 16 anos a esperada estréia do diretor em longas-metragens, que acontece somente hoje à noite, com "Eu Me Lembro".
Para seu debute, Navarro, 56, não quis, no entanto, tirar um dos vários projetos que via empoeirar na gaveta. Preferiu partir de um roteiro novo, dando início a uma trilogia de tintas autobiográficas, cujos próximos capítulos serão "Eu Pecador" e "Eu Sei Tudo", ainda sem previsão de filmagem.
Mas o diretor avisa: o filme ultrapassa o umbigo e alcança o cosmos.
"Não queria que o filme fosse só uma metáfora de mim mesmo. Parti de minhas lembranças para chegar à memória coletiva. Não é uma viagem pessoal; falo da relação trágica do ser humano com sua condição de náufrago. O eu do título é um eu mítico", teoriza o diretor.
"Eu Me Lembro", conta Navarro, tem como pano de fundo o período que vai do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, à morte de Vladimir Herzog, em 1975, passando pela morte do poeta Torquato Neto, em 1972. O personagem central, Guiga (Lucas Valadares) é um mosaico das relações do próprio Navarro e de sua geração com a tortura, a clandestinidade, o orientalismo, o sexo, as drogas etc. Tudo ao som de duas canções de Caetano Veloso ("Baby" e a inédita "Eu Me Lembro"), três músicas antigas de Gilberto Gil ("Aquele Abraço", "Luzia Luluza" e "Objeto Semi-Identificado"), e versões para Beatles, Pink Floyd etc.
"Faço uma imbricação de minha vida com eventos que testemunhei para ter mais dramaticidade. Não tem sentido dizer o que é e o que não é autobiográfico, mas procurei não trair aquele menino que fui", ressalta.
Cinema PeBa
"Eu Me Lembro" foi filmado em 2002. Para Navarro, seu filme, ao lado de "Samba Riachão" (Candango de melhor filme em 2002, empatado com "Lavoura Arcaica") e o recém-lançado "Cidade Baixa", de Sérgio Machado, dão conta de que "há vida no planeta Bahia", esteja a produção à sombra ou não do ícone Glauber Rocha.
"A relação é meio de viúva, meio edipiana. Sinto-me glauberiano na busca por uma estética revolucionária, na grandiloqüência, mas não me sinto devedor. Quero falar das minhas próprias angústias, com a minha própria poética. Sobre os ombros do gigante, mas sem desdenhar dele, você pode ver até mais longe".
Dentro do boom do cinema nordestino, que Navarro apelida de PeBa (jogo de palavras com a gíria nordestina, que significa "ordinário, reles", e as siglas de Pernambuco e Bahia), o diretor diz que se identifica mais com "Cinema, Aspirina e Urubus", do pernambucano Marcelo Gomes, do que com "Cidade Baixa", do conterrâneo Sérgio Machado.
"'Cidade Baixa' é belo e ágil, mas o universo dele tem algo que me incomoda. Não gosto da brutalidade da seqüência final, aquela folia de sangue. O que me interessa como esteta é a forma delicada e humanista que o Marcelo usa para falar de guerra e discriminação. Eu não traí meu ideal hippie. Para mim, o sonho não acabou."
O jornalista Eduardo Simões viaja a convite do festival
Especial
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Navarro estréia longa após 16 anos
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da Folha de S.Paulo, em Brasília
Na década de 80, o diretor baiano Edgard Navarro despontou como talento emergente do cinema baiano. Foi premiado duas vezes no Festival de Brasília (com os curtas "Porta de Fogo", em 1985, e "Lyn e Katazan", em 1986), e em Gramado (com o média "Superoutro", em 1989). A falta de uma política de incentivo local, segundo ele, acabou atrasando em 16 anos a esperada estréia do diretor em longas-metragens, que acontece somente hoje à noite, com "Eu Me Lembro".
Para seu debute, Navarro, 56, não quis, no entanto, tirar um dos vários projetos que via empoeirar na gaveta. Preferiu partir de um roteiro novo, dando início a uma trilogia de tintas autobiográficas, cujos próximos capítulos serão "Eu Pecador" e "Eu Sei Tudo", ainda sem previsão de filmagem.
Mas o diretor avisa: o filme ultrapassa o umbigo e alcança o cosmos.
"Não queria que o filme fosse só uma metáfora de mim mesmo. Parti de minhas lembranças para chegar à memória coletiva. Não é uma viagem pessoal; falo da relação trágica do ser humano com sua condição de náufrago. O eu do título é um eu mítico", teoriza o diretor.
"Eu Me Lembro", conta Navarro, tem como pano de fundo o período que vai do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, à morte de Vladimir Herzog, em 1975, passando pela morte do poeta Torquato Neto, em 1972. O personagem central, Guiga (Lucas Valadares) é um mosaico das relações do próprio Navarro e de sua geração com a tortura, a clandestinidade, o orientalismo, o sexo, as drogas etc. Tudo ao som de duas canções de Caetano Veloso ("Baby" e a inédita "Eu Me Lembro"), três músicas antigas de Gilberto Gil ("Aquele Abraço", "Luzia Luluza" e "Objeto Semi-Identificado"), e versões para Beatles, Pink Floyd etc.
"Faço uma imbricação de minha vida com eventos que testemunhei para ter mais dramaticidade. Não tem sentido dizer o que é e o que não é autobiográfico, mas procurei não trair aquele menino que fui", ressalta.
Cinema PeBa
"Eu Me Lembro" foi filmado em 2002. Para Navarro, seu filme, ao lado de "Samba Riachão" (Candango de melhor filme em 2002, empatado com "Lavoura Arcaica") e o recém-lançado "Cidade Baixa", de Sérgio Machado, dão conta de que "há vida no planeta Bahia", esteja a produção à sombra ou não do ícone Glauber Rocha.
"A relação é meio de viúva, meio edipiana. Sinto-me glauberiano na busca por uma estética revolucionária, na grandiloqüência, mas não me sinto devedor. Quero falar das minhas próprias angústias, com a minha própria poética. Sobre os ombros do gigante, mas sem desdenhar dele, você pode ver até mais longe".
Dentro do boom do cinema nordestino, que Navarro apelida de PeBa (jogo de palavras com a gíria nordestina, que significa "ordinário, reles", e as siglas de Pernambuco e Bahia), o diretor diz que se identifica mais com "Cinema, Aspirina e Urubus", do pernambucano Marcelo Gomes, do que com "Cidade Baixa", do conterrâneo Sérgio Machado.
"'Cidade Baixa' é belo e ágil, mas o universo dele tem algo que me incomoda. Não gosto da brutalidade da seqüência final, aquela folia de sangue. O que me interessa como esteta é a forma delicada e humanista que o Marcelo usa para falar de guerra e discriminação. Eu não traí meu ideal hippie. Para mim, o sonho não acabou."
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