Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
28/10/2000 - 05h02

Mostra Internacional expões filme censurado por 3 anos

Publicidade

Leia mais


TIAGO MATA MACHADO, da Folha de S.Paulo

São os círculos da burocracia: uma carta perdida no Itamaraty e um funcionário desavisado do consulado brasileiro em Teerã quase impediram a vinda de Jafar Panahi ao Brasil. A organização da Mostra fez circular a notícia e Panahi hoje aqui está.

O discurso do cineasta por vezes apenas rodeia seu contundente "O Círculo". Mas, ainda que a serviço de seu país, as zelosas palavras de Jafar Panahi conseguem escapar, pelos meandros, do tom oficialesco, tal como essa associação de intelectuais iranianos de que ele nos fala aqui, uma geração que burlava a censura por meio de filmes educativos para crianças. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Seu filme começa e termina com imagens semelhantes: a janelinha da porta do hospital e a janelinha da porta da prisão. Essas imagens significam, em seu delimitado campo de visão, a condição da mulher na cultura iraniana?
Panahi -
Esses limites não existem apenas no Irã. Esse tipo de círculo existe no mundo inteiro. Todas as pessoas do mundo moram em círculos. Em alguns países, eles são maiores e, em outros, menores. É possível que esse círculo seja um pouco menor em meu país. Mas, com certeza, as pessoas que moram em meu país não são diferentes das pessoas que moram em outros. De alguma forma, elas vivem nesse círculo e estão lutando para sair dele.

Folha - Mas o círculo que você traça em seu filme não é, especificamente, aquele em que vivem as mulheres no Irã? A situação delas me parece bem diferente da situação das mulheres modernas ocidentais, já emancipadas.
Panahi -
Esses limites não existem apenas para mulheres. Para os homens também. Eu não conheço muito a cultura de vocês, mas com certeza vocês também têm os seus limites. Do ponto de vista de vocês, os limites que existem em meu país talvez pareçam mais duros. Mas existem alguns países em que os limites são ainda maiores. É importante que um artista toque nos pontos problemáticos de seu país.

Folha - Essas imagens das janelinhas me remetem ao filme da Samira Makhmalbaf, das garotas que ficam trancafiadas em casa ("A Maçã"). Os crimes cometidos pelas personagens de seu filme permanecem mal-explicados. A situação beira o kafkaniano. A impressão que fica do filme é que o Irã é um país que encarcera suas mulheres.
Panahi -
Eu não acho que você pode pegar dois filmes e tirar uma conclusão sobre toda a cultura de um país. Cada filme enfoca um problema e, nesse foco, você vê o problema numa dimensão exagerada. Suponhamos que eu viesse fazer um filme aqui. A primeira coisa que chama a minha atenção é o número de policiais. Em todo o mundo, eu nunca vi tanta polícia na rua. Tem polícia para todo lado. O que isso quer dizer? Que não há segurança? Se eu fizesse um filme sobre isso, as pessoas diriam que a segurança é um grande problema no Brasil, mas a vida, de alguma forma, continua...

Folha - Aquela ferida no rosto de uma das personagens que fugiu da prisão significa o quê?
Panahi -
O cinema iraniano é diferente do cinema hollywoodiano, em que o diretor explica tudo. O público deve formar sua idéia própria. Não existe razão para explicar isso.

Folha - Mas é possível concluir que aquela mulher apanhou na prisão, não?
Panahi -
Você pode pensar que isso se passou na prisão, fora da prisão ou qualquer outra coisa.

Folha - No seu primeiro filme, "O Balão Branco", você partia de um roteiro de Abbas Kiarostami que remetia muito aos curtas dele. Em "O Espelho", dando continuidade ao seu trabalho com a menina Aida Mohammad, você já afirmava sua independência, mas ainda seguindo os passos de Kiarostami, nessa reviravolta anti-ilusionista do cinema iraniano que começou, se não me engano, com "Close-Up". "O Círculo", no entanto, nos obriga a uma visão retrospectiva de seu trabalho. E o que notamos é que, enquanto Kiarostami sempre se restringiu, apesar de sua universalidade, aos homens, você sempre trabalhou com mulheres. A questão da condição da mulher é o que o distancia de Kiarostami?
Panahi -
Cada um tem o seu ponto de vista do cinema. Kiarostami tem seu caminho e sua maneira de fazer filmes. E nesse caminho, ele é o mestre. Não deveríamos comparar temas masculinos e temas femininos. Eles são apenas desculpas para falarmos de nós mesmos.
Como eu queria falar de limites, tentei falar dos maiores limites, os mais fechados, que são os da mulher. Eu não aceito que existam maneiras de fazer filmes sobre mulheres ou homens. Todos estamos falando sobre a humanidade.

Folha - Mas a questão da mulher é relativamente nova no cinema iraniano, não?
Panahi -
No Irã, a cada ano se produzem quase 60 filmes e há sempre alguns sobre mulheres. Esse filme de Darius Mehrjui, "A Dama" (que também participa da 24ª Mostra de Cinema), começou a ser feito há quase dez anos (mas só conseguiu ser lançado no ano passado). Existem muitas diretoras mulheres. Elas também fazem filmes sobre mulheres. Mas isso vem mesmo de uns dois anos para cá. Sempre existiu o tema da mulher, mas agora ele está mais em voga.

Folha - Por que a censura arrefeceu?
Panahi -
A censura sempre existiu.

Folha - Mas ela nunca atrapalhou? Seu filme não sofreu problemas com a censura?
Panahi -
Sim, este filme teve três anos de problema. Por um tempo, eu não tive permissão de trabalhar. Depois, o filme estava pronto e eu não tinha permissão para mostrar. Mas cada artista deve saber lidar com os problemas de seu país.

Folha - O cinema iraniano é usualmente comparado ao neo-realismo italiano. Em ambos, temos as crianças como personagens preferenciais. Portadoras de uma nova percepção, elas são personagens ideais de cinematografias que renascem com um novo país. Não é esse um pouco o papel da criança nos filmes iranianos?
Panahi -
O neo-realismo na Itália começou no pós-guerra e nas condições do pós-guerra. Eram condições muito mais difíceis. No Irã também existia guerra e condições de pós-guerra e com certeza isso tem um impacto no cinema iraniano. Mas, na verdade, cada artista deve saber falar sua palavra nas condições que lhes são dadas. Às vezes você usa crianças que dizem palavras de adultos... Há muitos anos, antes da revolução (islâmica) no Irã, havia uma associação de intelectuais que fazia filmes para crianças.

Folha - Filmes educativos?
Panahi -
Sim. Havia muita censura nessa época e não se podia falar direito. Eles usavam esses filmes para crianças para falar de problemas sociais. As crianças eram apenas atores. Os censores deixavam passar esse filmes. Isso, de uma certa forma, continuou até mesmo depois da revolução.

Folha - Em "O Círculo", algumas mulheres lembram a criança interpretada por Aida em seus primeiros filmes. Desamparadas na rua, com olhos e ouvidos voltados para o mundo. É como se a criança de seus primeiros filmes tivesse crescido. Essa continuidade é consciente?
Panahi -
Sim, minha idéia era pensar que posição teriam essas crianças de meus primeiros filmes na sociedade quando adultas. Que vida iriam levar em sociedade. Elas iriam ainda lutar por seus sonhos ou teriam os limites que todos os adultos têm? A idéia de fazer este filme começou assim.

Filme: O Círculo (Dayereh)
Direção: Jafar Panahi
Produção: Irã, 2000
Com: Maryiam Palvin Almani, Nargess Mamizadeh, Fereshteh Sadr Orfani
Quando: amanhã, às 12h, no Cinearte 2 (sessão exclusiva para estudantes secundaristas com carteirinha da Ubes); e dia 30, às 17h30, no Cinesesc

Leia mais notícias de Ilustrada na Folha Online
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página