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11/01/2006 - 10h02

Carlos Barreto diz que vai se virar sem verba estatal

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

Luiz Carlos Barreto é a identidade no aumentativo do cinema brasileiro. Barretão cruzou as últimas cinco décadas como o mais profícuo e mais influente produtor de filmes nacionais. Ganhou, por isso, o rótulo de "barão".

O fato é que, na euforia ou na depressão --os ciclos que a produção cinematográfica nacional alterna --Barretão foi sempre uma referência, talvez a maior.

Ele está por trás de grandes sucessos ("Dona Flor e Seus Dois Maridos", com o insuperado público recorde de 10 milhões), da obra de grandes talentos e à frente dos maiores conchavos da política audiovisual brasileira.

Barretão começa 2006 com três projetos de filmes em andamento. Somados aos 75 curtas e longas que já produziu, os títulos chegam a 78, um a mais do que os anos que Barretão viveu até aqui.

Os três filmes disputavam o concurso de apoio ao cinema do BNDES, cujo resultado será divulgado nos próximos dias. Barretão não vencerá --seus projetos não passaram à etapa final.

O produtor segue em frente. "Todas as vezes em que me foram negados editais, os filmes foram feitos assim mesmo. Fui me virar por outros lados", diz.

Na entrevista a seguir, ele fala de cinema, de política cinematográfica e de sua relação com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, 61. "Sou amigo de Gil há 45 anos e pretendo continuar sendo pelos próximos 50." Barretão não pára.

Folha - O cinema brasileiro atravessa boa fase?

Luiz Carlos Barreto - O projeto do cinema brasileiro não está indo por água abaixo. Não sejamos catastrofistas. Mas caminha para uma daquelas oscilações que nos dão muito trabalho recuperar.

A safra de 2003, quando o cinema chegou a 21% do total de mercado, refere-se ao governo anterior. No ano seguinte [2004], iríamos a 30% e fomos para trás [15%]. No ano seguinte [2005], cai de novo [14%] e não se consegue detectar que há erro na política.

Folha - Que erro?

Barreto - De uns tempos para cá, a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura passou a ter como objetivo que filmes feitos em co-produção com as majors [grandes distribuidoras de matriz norte-americana] e em associação com a Globo Filmes não recebam mais incentivos [de concursos públicos federais]. Cada vez mais isso vem se verificando. Mas os produtores que estão nessa linha de conquista de mercado não se lançaram a fazer cinema popularesco, mas sim popular.

Ninguém pode dizer que "Lisbela e o Prisioneiro" [2003, Guel Arraes, 3,1 milhões de espectadores] é de má qualidade artística ou industrial. Ou que "Carandiru" [2003, Hector Babenco, 4,6 milhões de espectadores] ou "Cazuza" [2004, Sandra Werneck e Walter Carvalho, 3,2 milhões de espectadores] sejam maus filmes. São bons artisticamente, do ponto de vista industrial e do apoio popular. Quer dizer que na hora da recepção do público não vale o critério democrático? Se o povo gostou é porque não é bom? É a democracia invertida.

Folha - O sr. é contra o projeto do MinC de regionalização da produção cinematográfica?

Barreto - Isso é atitude demagógica. É a mesma coisa que dizer: vamos regionalizar a soja. A soja só pode ser produzida onde há condições de produzir soja. Eu já produzi filme de norte a sul, de leste a oeste do país. A regionalização é temática. Regionalização de infra-estrutura não existe. Você não pode inventar uma infra-estrutura cinematográfica no Ceará ou no Piauí. O eixo Rio-SP tem uma moderníssima infra-estrutura instalada pela iniciativa privada. O cara que quer fazer cinema pode fazer lá, mas vai ter que processar toda a sua tecnologia aqui. Os editais [das empresas estatais para patrocínio ao cinema] deveriam ser feitos com critérios e não com ideologia. Podem me bloquear por todos os lados, mas vou lutar contra isso o tempo todo.

Folha - Na sua opinião, a quais critérios deveriam obedecer os editais de patrocínio ao cinema?

Barreto - Cineasta que faz filme sem pensar em atingir o público é melhor mudar de profissão. Vai pintar quadro, fazer arte individual, porque o cinema é uma arte industrial da sociedade de massa.

Tem custo certo e rentabilidade incerta, mas o objetivo tem que ser sempre atingir o máximo de público. Ninguém pode imaginar que um cineasta faça filme para o seu umbigo. O cinema brasileiro não pode se dar ao luxo de renunciar à competição do mercado.

Eu disse ao [ministro da Cultura Gilberto] Gil que assino embaixo de todos os discursos dele sobre o audiovisual. Porém, a equipe dele vai no caminho contrário ao que ele diz. Um pequeno núcleo da Secretaria do Audiovisual entendeu que o cinema brasileiro tem que ter um viés único, que elimina a comunicação ampla com os setores populares. É o viés do cinema para o próprio umbigo. Essa política está levando o cinema brasileiro a um beco sem saída.

Folha - O secretário de Políticas Culturais do MinC, Sérgio Sá Leitão, diz que o sr. o culpa por suas derrotas nos concursos da Petrobras e do BNDES.

Barreto - Ele está se dando uma importância que eu não dou a ele. Isso é um conjunto de coisas, uma estratégia, na medida em que você forma as comissões e indica nomes. Na comissão do BNDES, por exemplo, quem indicou [os cineastas] Aurélio Michilis, Emiliano Ribeiro, Rosemberg Cariri? É uma comissão feita a dedo. Será que foi o BNDES que descobriu o Rosemberg no Ceará? Vai prevalecer o gosto cinematográfico deles. É um absurdo chamar cineastas e produtores para comissões de seleção. Há conflitos de interesses. Há amizades em jogo. Se me chamassem, claro que eu iria votar por projetos de pessoas com quem simpatizo e cujo cinema eu gosto. Nunca fui para a imprensa dizer isso. Manifestei em cartas, seguidamente. Falei em documentos privados.

Folha - Qual composição os júris deveriam ter?

Barreto - O próprio secretário do Audiovisual deveria fazer parte. O presidente da Ancine [Agência Nacional do Cinema], um representante da empresa que patrocina e um exibidor e um distribuidor. O MinC e a Ancine orientariam o viés cultural; o representante da empresa defenderia os interesses de patrocínio e os exibidores e distribuidores veriam o viés do mercado. Sem cineasta, sem compadrismo, sem clientelismo. Isso é o que venho dizendo e repetindo.

Folha - Por que o sr. assinou a carta ao MinC contra Sérgio Sá Leitão?

Barreto - Não liderei, não fui articulador daquele abaixo-assinado. Assinei, porque respeito o Ferreira Gullar. Sou amigo dele, embora, naquele momento, não concordasse com o que ele diz sobre o [presidente] Lula. Eu me solidarizei com o Gullar. Não concordo que seja tratado daquela maneira por um membro do staff do MinC, que deveria ter consciência de que é um servidor público, e não achar que o público é seu servidor. Não tenho nenhuma idiossincrasia pessoal com esse rapaz [Sá Leitão], jamais pedi a cabeça dele e nem quero cabeça de ninguém. Não sou um colecionador de cabeças. Já vi muitos sérgios sá leitões passarem pela minha vida. Alguns não estão fazendo mais nada, e eu continuo fazendo cinema. Se ele vai voltar para o jornalismo ou ser presidente de ONG, não sei. Mas eu vou continuar fazendo cinema.

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