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14/02/2006 - 09h55

"Brokeback" quebra tabu da homossexualidade

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

O filme favorito ao Oscar em 2006, "O Segredo de Brokeback Mountain", acende o debate sobre Hollywood e a homossexualidade, ao levar para o faroeste, gênero dos machões por excelência, o amor entre dois homens.

A homossexualidade como tabu perpassa a história de Hollywood desde suas primeiras décadas. Legiões de fãs de Cary Grant (1904-1986), Montgomery Clift (1920-1966), Rock Hudson (1925-1985) e Greta Garbo (1905-1990) nunca souberam que suspiravam em vão por seus ídolos.

Não era a aura de astros de Hollywood que os tornava inalcançáveis. Grant, Clift, Garbo e muitas outras estrelas do cinema não se deixariam fisgar para valer por alguém do sexo oposto. E isso o público não sabia.

Não sabia nem poderia imaginar, até porque diversos astros gays circulavam acintosamente com companhias do outro sexo, casaram-se e tiveram filhos.

O escritor Ruy Castro, um conhecedor da história de Hollywood, cita o caso do ator de origem cubana Cesar Romero (1907-1994), mencionado em sua biografia sobre a cantora Carmem Miranda (1909-55) --figura, aliás, idolatrada por gays.

"Bem-vestido, bonitão, dançava muito bem, adorava aparecer e era fotografado a cada dia com uma estrela diferente. Achavam que era o maior garanhão de Hollywood", descreve Castro.

No entanto, Romero mantinha um romance com "ninguém menos que Tyrone Power [1913-1958]", conta o escritor. Power encantava não apenas as platéias de cinema. As atrizes com quem contracenava se deixavam seduzir e uma delas tornou folclórica a frase "beijar Tyrone Power é como morrer e ir para o céu", lembra Castro, que conclui: "Cesar Romero cansou de ir para o céu".

Os casamentos arranjados e as aparições públicas que sugeriam romances entre astros e estrelas eram parte do esforço de Hollywood para esconder a condição gay ou a bissexualidade de seus astros, como é o caso da diva Marlene Dietrich (1901-92). Dos roteiros, afastava-se qualquer referência explícita à homossexualidade.

O julgamento que se fazia do amor entre gêneros iguais não era moral. No círculo íntimo dos estúdios e das festas, Hollywood era liberal e avançada. Mas os negócios estavam à parte e, em se tratando de dinheiro, a indústria não brinca. Nem a de filmes.

"Hollywood não é preconceituosa. Mas o público é. E Hollywood tem medo do público", diz o crítico Rubens Ewald Filho.

No "expurgo" da homossexualidade de Hollywood, a imprensa fez a sua parte.

"Os correspondentes de Hollywood não eram cegos. Sabiam quem era [gay] e quem não era. Mas faziam o jogo da indústria cinematográfica", diz Castro.

Esse jogo, do qual a imprensa é uma engrenagem, partia de uma regra: "Não era uma indústria normal, mas uma indústria baseada na ilusão, no sonho. Nessa ilusão e nesse sonho não cabiam homossexuais", afirma o escritor.

Especialista em cinema americano, o professor da PUC-RJ A.C. Gomes de Mattos diz que o grande temor dos executivos no comando de Hollywood era sofrer restrições ao seu oligopólio.

"Cinco grandes estúdios dominavam a produção, a distribuição e a exibição, usando uma série de práticas abusivas. O pavor deles sempre foi existir uma lei antitruste. Então, resolveram se autocensurar, para agradar as entidades religiosas."

Um "código de produção" fixado pelos estúdios estabelecia o que podia e sobretudo o que não podia ser visto nos filmes hollywoodianos. As regras eram rígidas para o sexo de modo geral.

Em hipótese alguma os filmes deveriam sugerir que um homem e uma mulher fizessem sexo, a não ser quando casados. E, às vezes, nem assim. "Chegou ao ridículo de os casais dormirem em camas separadas [nos filmes]", diz o professor Gomes de Mattos.

Mas, com talento e sutileza, roteiristas e diretores conseguiam driblar as regras, incluindo em seus filmes conteúdos proibidos.

A "subversão" era tácita. Ruy Castro diz que "Festim Diabólico" (1948), de Alfred Hitchcock, "tem uma coloração gay nitidamente presente, mas essa palavra nunca foi falada nas centenas de reuniões com Hitch sobre o filme".

Por que não? "Porque muita gente participava daquelas reuniões e, se isso vazasse, talvez o filme não pudesse nem ser exibido. Era absolutamente impraticável em 1948", diz.

A tática de não provocar polêmicas nem contrariar a parcela mais conservadora da sociedade deu certo até certo ponto. A lei antitruste acabou sendo aprovada, e as feições de Hollywood foram mudando com o tempo.

Os artistas deixaram de pertencer aos estúdios e se livraram da imposição dos casamentos de aparência. "Os estúdios não têm mais esse poder. Antes, os artistas eram empregados. Hoje, fazem uma tarefa, prestam um serviço e vão embora", diz Ewald Filho.

O perfil do público também mudou, migrando para o jovem. Público menos conservador, filmes mais ousados --uma nova receita tornou-se possível.

E a história das primeiras décadas de Hollywood começou a ser recontada em livros e filmes, que decidiram tirar do "armário" veteranos astros gays. A morte de Rock Hudson por Aids, no meio da década de 80, chamou atenção para o assunto.

Algumas polêmicas, no entanto, parecem perenes, como a versão do romance de Cary Grant com Randolph Scott (que se casou duas vezes e teve dois filhos), afirmada e negada na mesma medida por entendidos em cinema.

Hoje, a orientação sexual não é necessariamente obstáculo ao triunfo em Hollywood. "Todo mundo sabe que o Kevin Spacey é gay e ele já ganhou dois Oscar", exemplifica Ewald Filho.

Mas não há como negar que continua sendo um acontecimento quando um astro de Hollywood decide proclamar sua homossexualidade. Mesmo que o assumido não seja da primeira grandeza de estrelas, como no caso da atriz Ellen DeGeneres, cujo anúncio da homossexualidade ecoou em todos os cantos.

O barulho também pode ser grande se alguém decidir "enquadrar" na categoria gay um astro indisposto a carregar esse rótulo. Especulações se Keanu Reeves é ou não é abalaram Beverly Hills.

Fã apenas da clássica Hollywood, Castro mantém-se indiferente aos mexericos atuais. "Não vou ao cinema há uns 20 anos", diz, sem pretender abrir exceções.

Pergunte-se: quer dizer que os caubóis gays não te pegam? E Castro responde: "Nem morta!".

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