Publicidade
Publicidade
01/11/2000
-
05h09
TIAGO MATA MACHADO, da Folha de S.Paulo
Exceto, talvez, na paisagem, não há espaço para transcendência em "A Ilha". O que há é a imanência do desejo, aqui entendido como acoplamento de fluxos contínuos: os personagens do filme defecam na água onde pescam os peixes que comem crus antes e depois do sexo.
Os protagonistas são como peixes devolvidos à água todos esfolados, com um anzol na boca, mas ainda vivos. Eles buscam fazer para si um "corpo sem órgãos".
O desejo escorre (sangue, esperma e excremento), tal como no "Cântico do Desejo" de "Trópico de Câncer", em que Henry Miller dizia sentir suas estranhas derramarem-se num fluxo esquizofrênico, evacuação que o deixava "face a face com o absoluto".
Artaud foi o primeiro a falar, em "Para Acabar com o Juízo de Deus", da inutilidade dos órgãos humanos. Esse "corpo sem órgãos" de Artaud, dirão mais tarde Deleuze/Guattari, é um corpo esvaziado, povoado pelas intensidades que nele circulam. Lugar do esquecimento e da experimentação, onde nos desfazemos de nosso "eu" e encontramos o desejo em seu processo de produção.
Assim podemos definir "A Ilha". O cenário, espécie de balneário/motel flutuante, onde se esconde (para esquecer-se), se pesca e se defeca (para comer-se), se mata e se prostitui (para viver-se), é ele próprio um imenso "corpo sem órgãos", onde se acoplam, entre as casas flutuantes e a água, os fluxos contínuos do desejo. Numa casa, um homem tem relações com uma prostituta que se lava antes de mergulhar para puxá-lo para a morte, justamente no momento em que ele defecava sobre a água (e sobre a câmera).
Depois, ela pesca um outro, suicida que engoliu um molho de anzóis, pela boca e com ele faz amor. Os dois vivem uma paixão masoquista, criando para si um "corpo sem órgãos", que é um "continuum" de ondas de dor e de prazer (puro instinto de morte), tal como na cena em que ele chuta a vagina da parceira antes de fazer amor com ela, com toda violência. Os dois são assassinos que só querem se esquecer, produzindo desejo. Nem todos os espectadores suportam fazer parte desse fluxo. E, entre os que não se levantam, há alguns que vomitam e muitos que gargalham.
A Ilha
Seom
Direção: Ki-Duk Kim
Produção: Coréia do Sul, 2000
Com: Jung Suh e Yoo-Seok Kim
Quando: hoje, às 21h55, na Sala Cinemateca
Leia mais notícias de Ilustrada na Folha Online
Drama coreano explora amor sadomasoquista
Publicidade
TIAGO MATA MACHADO, da Folha de S.Paulo
Exceto, talvez, na paisagem, não há espaço para transcendência em "A Ilha". O que há é a imanência do desejo, aqui entendido como acoplamento de fluxos contínuos: os personagens do filme defecam na água onde pescam os peixes que comem crus antes e depois do sexo.
Os protagonistas são como peixes devolvidos à água todos esfolados, com um anzol na boca, mas ainda vivos. Eles buscam fazer para si um "corpo sem órgãos".
O desejo escorre (sangue, esperma e excremento), tal como no "Cântico do Desejo" de "Trópico de Câncer", em que Henry Miller dizia sentir suas estranhas derramarem-se num fluxo esquizofrênico, evacuação que o deixava "face a face com o absoluto".
Artaud foi o primeiro a falar, em "Para Acabar com o Juízo de Deus", da inutilidade dos órgãos humanos. Esse "corpo sem órgãos" de Artaud, dirão mais tarde Deleuze/Guattari, é um corpo esvaziado, povoado pelas intensidades que nele circulam. Lugar do esquecimento e da experimentação, onde nos desfazemos de nosso "eu" e encontramos o desejo em seu processo de produção.
Assim podemos definir "A Ilha". O cenário, espécie de balneário/motel flutuante, onde se esconde (para esquecer-se), se pesca e se defeca (para comer-se), se mata e se prostitui (para viver-se), é ele próprio um imenso "corpo sem órgãos", onde se acoplam, entre as casas flutuantes e a água, os fluxos contínuos do desejo. Numa casa, um homem tem relações com uma prostituta que se lava antes de mergulhar para puxá-lo para a morte, justamente no momento em que ele defecava sobre a água (e sobre a câmera).
Depois, ela pesca um outro, suicida que engoliu um molho de anzóis, pela boca e com ele faz amor. Os dois vivem uma paixão masoquista, criando para si um "corpo sem órgãos", que é um "continuum" de ondas de dor e de prazer (puro instinto de morte), tal como na cena em que ele chuta a vagina da parceira antes de fazer amor com ela, com toda violência. Os dois são assassinos que só querem se esquecer, produzindo desejo. Nem todos os espectadores suportam fazer parte desse fluxo. E, entre os que não se levantam, há alguns que vomitam e muitos que gargalham.
A Ilha
Seom
Direção: Ki-Duk Kim
Produção: Coréia do Sul, 2000
Com: Jung Suh e Yoo-Seok Kim
Quando: hoje, às 21h55, na Sala Cinemateca
Leia mais notícias de Ilustrada na Folha Online
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Alice Braga produzirá nova série brasileira original da Netflix
- Sem renovar contrato, Fox retira canais da operadora Sky
- Filósofo e crítico literário Tzvetan Todorov morre, aos 77, em Paris
- Quadrinhos
- 'A Richard's estava perdendo sua cara', diz Ricardo Ferreira, de volta à marca
+ Comentadas
- Além de Gaga, Rock in Rio confirma Ivete, Fergie e 5 Seconds of Summer
- Retrospectiva celebra os cem anos da mostra mais radical de Anita Malfatti
+ EnviadasÍndice