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14/03/2006 - 10h39

Livro afirma que jazz virou "peça de museu" nos EUA

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CARLOS CALADO
Especial para a Folha de S.Paulo

Há muito tempo um livro não provocava tamanha polêmica no universo do jazz. Recém-lançado nos Estados Unidos e na Inglaterra, "Is Jazz Dead? (Or Has It Moved to a New Address)" ("o jazz morreu? ou mudou de endereço"), do crítico britânico Stuart Nicholson, faz um duro ataque a essa que é considerada a manifestação artística mais original já criada nos EUA.

A tese central do livro é a de que o jazz norte-americano perdeu seu espírito inventivo a partir dos anos 80. A ação mercantilista das grandes gravadoras, assim como o ensino padronizado das escolas de música e o conservadorismo da geração liderada pelo trompetista Wynton Marsalis, teriam transformado a cena do jazz nos EUA em um museu, onde só se cultivam estilos do passado.

Apesar do título provocativo do livro, Nicholson nem chega a sugerir que o jazz esteja com os dias contados. Na verdade, afirma que a essência inovadora desse gênero musical migrou para outros lugares, especialmente para a Europa. "Hoje, é nos países fora dos EUA que as mudanças mais profundas estão ocorrendo. A globalização do jazz está produzindo a mais significativa mudança nessa música em décadas."

A mídia especializada americana não deixou de se posicionar. A revista "Jazz Times" admitiu a significância da tese de Nicholson ao publicar três críticas do livro, na edição de fevereiro. "Para americanos etnocêntricos, que precisam de ajuda para encontrar jazz de qualidade além das nossas terras, o guia de Nicholson é de valor incalculável", reconheceu o crítico Thomas Conrad.

Já na resenha publicada pela tradicional "Down Beat", Paul de Barros põe em dúvida a validade de algumas fontes do britânico e sugere que seu livro beira a arrogância. "A tese de Nicholson não é convincente. Para dar suporte ao argumento de que o jazz dos Estados Unidos é dominado por "neoconservadores", ele ignora Bill Frisell, Dave Douglas, Ken Vandermark, Don Byron e outros [músicos de jazz] que poderiam estar em seu caminho."

Falando à Folha, Ben Ratliff, crítico do "The New York Times", também discorda da tese principal de Nicholson, embora reconheça que no continente europeu, especialmente na Escandinávia, já se produz jazz de alta qualidade há décadas.

"Nossas maiores gravadoras tomaram muitas decisões estéticas e comerciais ruins e podem ser acusadas de tentar derrubar o jazz. Mas a visão que se tem nos clubes de jazz menores é bem diferente. A música que eu ouço com freqüência em clubes de Nova York, como o Barbes, o Jazz Gallery, o 55 Bar, o Zebulon, o Smalls, o Fat Cat e o Cornelia Street Cafe, não tem nada a ver com "young lions'", rebate o crítico.

Ao mencionar o termo "young lions" (jovens leões), Ratliff refere-se aos jazzistas com idades entre 20 e 30 anos, que as grandes gravadoras decidiram promover a partir do final da década de 80. Nicholson afirma que o fato de jazzistas mais maduros e abertos a experimentações terem sido preteridos em favor dessa geração recém-saída das escolas, com uma concepção musical limitada, também foi nocivo.

Outras Dianas

Já nesta década, as gravadoras decidiram investir apenas em cantoras de jazz, estimuladas pelo sucesso de Diana Krall. Na opinião de Nicholson, essa opção comercial reduziu bastante o espaço dos instrumentistas no mercado. Luciana Souza, cantora brasileira radicada nos EUA, concorda, porém exime a colega de culpa.

"Diana é uma pianista legítima e uma cantora tradicional, mas válida. O problema não é ela existir, mas sim todas as gravadoras quererem ter outra Diana no elenco. Isso acontece em qualquer comércio. Alguém inventa ou produz algo novo e todo mundo vai atrás. Pode ser sorvete, sabonete ou música", diz Luciana.

Outro alvo das críticas de Nicholson é o ensino padronizado do jazz nos EUA. Os primeiros mestres dessa música eram autodidatas que foram sucedidos por formandos de universidades.

"O grande paradoxo do ensino do jazz é que os objetivos da Academia nem sempre coincidem com as expectativas do consumidor", avalia ele. Ou melhor: não interessa ao ouvinte se o músico desenvolveu trabalhos acadêmicos para obter um título de doutor, mas que sua música seja original ou ao menos emocione.

"É claro que quando você institucionaliza qualquer arte corre o risco de codificá-la demais, mas acredito que quem estuda jazz sabe que o pré-requisito para esta música é a individualidade. O que a escola quer é dar aos alunos instrumentos necessários para que eles consigam, por si mesmos, chegar a um estilo pessoal", argumenta Luciana Souza, que também é professora do Berklee College, em Boston.

Integrante da Orquestra Popular de Câmera, o pianista e produtor Benjamim Taubkin também faz ressalvas ao ensino do jazz nas universidades. "O jazz, assim como grande parte das músicas criativas do mundo, depende mais de uma vivência, de um mergulho na filosofia, paralelamente ao estudo técnico. Mas só o estudo esvazia a alma daquela linguagem. Há muito de transmissão oral nessas músicas que não deveria ser ignorado."

Como Nicholson, Taubkin acha que a visão conservadora de Wynton Marsalis contribuiu para o quadro atual de pouca inventividade no jazz dos EUA. "É difícil precisar os motivos. Um deles é o próprio estado da cultura norte-americana, que vai deixando de ser uma cultura viva, efervescente, para se cristalizar. Neste ponto, a visão de um Wynton Marsalis, que trata o jazz como a música clássica americana, no sentido de estabelecer cânones rígidos, reforça este estado de coisas."

Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "O Jazz Como Espetáculo", entre outros livros

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