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03/04/2006
-
07h10
da Folha de S.Paulo
Leia baixo a íntegra da entrevista concedida por e-mail à Folha pelo Ministro da Cultura Gilberto Gil. (ADRIANA FERREIRA SILVA)
Folha - O que o senhor acha sobre as letras de rap? Há uma elaboração poética nessas composições?
Gilberto Gil - Em geral, são letristas muito hábeis, falo dos mais destacados. Como o rap é ritmo e poesia, poesia e ritmo, as questões da métrica e da prosódia acabam virando exigências muito óbvias. Por exemplo, os americanos, como o Public Enemy, e vários outros que começaram a fazer com que o rap se destacasse no mundo. Ainda bem antes, o grupo The Last Poets, na década de 70, e os jamaicanos do raggamuffin, que, na época, já faziam o que veio a ser chamado de rap. Enfim, todos eles desenvolveram técnicas muito interessantes, habilidades de tratar a questão da rima, as rimas de cascata e a prosódia, em geral muito bem encaixada e dançante, dançando junto com as mudanças de acentuação.
O rap, diferentemente do padrão básico da canção popular, varia muito nas acentuações, na métrica mesmo, no metro dos versos. Numa hora, há um metro em dez; em outra, um metro em sete; em outra, um metro em oito. A métrica varia muito, não tem aquela rigidez dos metros clássicos, como os alexandrinos e os vários outros.
Acho que os letristas de rap desenvolveram uma habilidade muito grande e fazem isso com muita beleza. Essa é uma característica própria deles, que hoje têm uma excelência em todo mundo. O rap se tornou uma linguagem muito forte em vários idiomas. O francês tem suas formas de incidir o rap, o inglês tem outras, variando os vários dialetos, seja da África do Sul, da Jamaica, dos Estados Unidos. Enfim, o rap ganhou sua diversidade em todo o mundo. Hoje os letristas de rap têm o domínio sobre a capacidade de variar. É tudo muito variado mas, ao mesmo tempo, tudo muito amarrado.
Folha - No ano passado, durante uma conversa com o escritor, Paul Auster em Nova York, Chico Buarque disse que o rap "é o tipo de música que uma vez foi feita, por mim e por outros, com uma temática social, eles fazem isso melhor, porque vêm de lá. Eles falam para sua gente, vêm das favelas e são ouvidos por todos os tipos de pessoas. Eles têm algo a dizer muito sério (...)". O senhor concorda com essa opinião?
Gil - Sim, concordo. Eles basicamente procuram passar para as letras e as canções toda essa vivência, direta ou lateral, que eles têm da vida pobre, da vida difícil, da presença da violência, da discriminação e do embate constante com setores incluídos da sociedade. O rap é uma linguagem que basicamente vem prestando serviço a isso, a uma expressão de uma marginalidade, de uma excepcionalidade, de um mundo social à parte, apartado. Eu não diria confinado, mas apartado, já que tem brechas para dialogar, para fustigar, para interagir com os setores incluídos.
A música é uma das formas de interação, uma das formas de dizer, de se comunicar, de denunciar, de buscar ser ouvido, escutado e atendido. É uma ferramenta forte que, em alguns casos, pode ser vista como uma arma; em outros, como um instrumento de reivindicação; já em outros momentos, como discurso mesmo, oratória, tribuna. Há todas essas dimensões.
Folha - Houve um debate na revista eletrônica "Trópico" em que um grupo batizado de Coletivo MPB levantava a discussão sobre o fim da canção. O senhor acha que a importância do rap é um sintoma disso?
Gil - Não vejo não. É mais uma forma que vem se somar a tantas outras manifestações de música. Há várias canções, o rap é uma delas. Eu vejo o rap como uma nova forma de canção, uma canção mutante, uma canção que descarta alguns elementos da canção anterior e traz novos elementos. Por exemplo, descarta muito fortemente a melodia, mas acentua o compromisso com o ritmo.
O rap é uma canção variante, é uma variação da criação da canção. Eu me lembro que a palavra canto, se eu não me engano, está associada aos recitais dos poetas romanos. Cantar era recitar poesia. Nesse sentido, o rap é uma forma de resgate, é a coisa mais fiel a essa forma original, ao conceito original da canção.
Folha - O senhor acha que as letras de rap hoje são acima da média das letras de MPB atuais?
Gil - Não vejo nada superior ou inferior, são outras formas, outras maneiras de incidir a palavra e a canção.
Numa letra de rap, como você tem uma cascata de coisas que vão sendo ditas, você acaba tendo a chance de trabalhar mais extensamente uma idéia... de trabalhar um assunto de modo mais abrangente. Mas, ao mesmo tempo, o verso da canção continua tendo um poder extraordinário de concentração de conteúdo e significado. Eu acho que pode se encontrar coisas de alta e baixa qualidade, tanto na canção, quanto no rap.
Folha - Como foi sua experiência com Rappin'Hood?
Gil - A experiência foi muito boa, tangencial, pois não compomos nada juntos, só cedi uma canção minha: "Andar com Fé". Ele fez uma versão Zrapeada e juntou seus versos. Foi bacana, porque adoro ele.
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Folha - O que o senhor acha sobre as letras de rap? Há uma elaboração poética nessas composições?
Gilberto Gil - Em geral, são letristas muito hábeis, falo dos mais destacados. Como o rap é ritmo e poesia, poesia e ritmo, as questões da métrica e da prosódia acabam virando exigências muito óbvias. Por exemplo, os americanos, como o Public Enemy, e vários outros que começaram a fazer com que o rap se destacasse no mundo. Ainda bem antes, o grupo The Last Poets, na década de 70, e os jamaicanos do raggamuffin, que, na época, já faziam o que veio a ser chamado de rap. Enfim, todos eles desenvolveram técnicas muito interessantes, habilidades de tratar a questão da rima, as rimas de cascata e a prosódia, em geral muito bem encaixada e dançante, dançando junto com as mudanças de acentuação.
O rap, diferentemente do padrão básico da canção popular, varia muito nas acentuações, na métrica mesmo, no metro dos versos. Numa hora, há um metro em dez; em outra, um metro em sete; em outra, um metro em oito. A métrica varia muito, não tem aquela rigidez dos metros clássicos, como os alexandrinos e os vários outros.
Acho que os letristas de rap desenvolveram uma habilidade muito grande e fazem isso com muita beleza. Essa é uma característica própria deles, que hoje têm uma excelência em todo mundo. O rap se tornou uma linguagem muito forte em vários idiomas. O francês tem suas formas de incidir o rap, o inglês tem outras, variando os vários dialetos, seja da África do Sul, da Jamaica, dos Estados Unidos. Enfim, o rap ganhou sua diversidade em todo o mundo. Hoje os letristas de rap têm o domínio sobre a capacidade de variar. É tudo muito variado mas, ao mesmo tempo, tudo muito amarrado.
Folha - No ano passado, durante uma conversa com o escritor, Paul Auster em Nova York, Chico Buarque disse que o rap "é o tipo de música que uma vez foi feita, por mim e por outros, com uma temática social, eles fazem isso melhor, porque vêm de lá. Eles falam para sua gente, vêm das favelas e são ouvidos por todos os tipos de pessoas. Eles têm algo a dizer muito sério (...)". O senhor concorda com essa opinião?
Gil - Sim, concordo. Eles basicamente procuram passar para as letras e as canções toda essa vivência, direta ou lateral, que eles têm da vida pobre, da vida difícil, da presença da violência, da discriminação e do embate constante com setores incluídos da sociedade. O rap é uma linguagem que basicamente vem prestando serviço a isso, a uma expressão de uma marginalidade, de uma excepcionalidade, de um mundo social à parte, apartado. Eu não diria confinado, mas apartado, já que tem brechas para dialogar, para fustigar, para interagir com os setores incluídos.
A música é uma das formas de interação, uma das formas de dizer, de se comunicar, de denunciar, de buscar ser ouvido, escutado e atendido. É uma ferramenta forte que, em alguns casos, pode ser vista como uma arma; em outros, como um instrumento de reivindicação; já em outros momentos, como discurso mesmo, oratória, tribuna. Há todas essas dimensões.
Folha - Houve um debate na revista eletrônica "Trópico" em que um grupo batizado de Coletivo MPB levantava a discussão sobre o fim da canção. O senhor acha que a importância do rap é um sintoma disso?
Gil - Não vejo não. É mais uma forma que vem se somar a tantas outras manifestações de música. Há várias canções, o rap é uma delas. Eu vejo o rap como uma nova forma de canção, uma canção mutante, uma canção que descarta alguns elementos da canção anterior e traz novos elementos. Por exemplo, descarta muito fortemente a melodia, mas acentua o compromisso com o ritmo.
O rap é uma canção variante, é uma variação da criação da canção. Eu me lembro que a palavra canto, se eu não me engano, está associada aos recitais dos poetas romanos. Cantar era recitar poesia. Nesse sentido, o rap é uma forma de resgate, é a coisa mais fiel a essa forma original, ao conceito original da canção.
Folha - O senhor acha que as letras de rap hoje são acima da média das letras de MPB atuais?
Gil - Não vejo nada superior ou inferior, são outras formas, outras maneiras de incidir a palavra e a canção.
Numa letra de rap, como você tem uma cascata de coisas que vão sendo ditas, você acaba tendo a chance de trabalhar mais extensamente uma idéia... de trabalhar um assunto de modo mais abrangente. Mas, ao mesmo tempo, o verso da canção continua tendo um poder extraordinário de concentração de conteúdo e significado. Eu acho que pode se encontrar coisas de alta e baixa qualidade, tanto na canção, quanto no rap.
Folha - Como foi sua experiência com Rappin'Hood?
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