Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
07/04/2006 - 02h00

Leia entrevista com o diretor de "Boleiros 2"

Publicidade

SILVANA ARANTES
da Folha de S. Paulo

O cineasta Ugo Giorgetti mudou de jogo na prorrogação. Para "Boleiros 2" --filme que lança hoje em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre-- ele tentou "uma coisa cinematograficamente um pouquinho mais elaborada" do que o resultado de antecessor, "Boleiros", de 1998.

A "fórmula esquemática de mesa redonda" deu lugar a uma mesa de bar em volta da qual desfilam várias histórias, puxadas pela memória dos convivas, homens da velha guarda futebolística.

Pessimista incorrigível, o diretor acha que a empolgação do Brasil com a Copa do Mundo "atrapalha" seu filme, onde a visão dos vencidos se sobrepõe à dos vencedores.

Mas Giorgetti preferiu não adiar a estréia do filme, considerando que "de repente o Brasil não passa das oitavas", o que, supõe-se deixaria o espectador indisposto a ver qualquer filme sobre futebol.

Na entrevista a seguir, Giorgetti defende a "necessidade do juiz ladrão", diz que Carlos Tevez "não joga muito" e que as mulheres na arbitragem são "uma novidade muito estranha" no futebol.




Folha- Em seu filme, os craques que aparecem jogando ou estão atrás das grades ou são meliantes soltos. O grande ídolo não aparece com a bola no pé. É uma sugestão de que o talento está se tornando marginal?

Ugo Giorgetti- O filme já foi acusado de ser triste, melancólico. Mas é mesmo. Qual o problema? Agora parece que é obrigação do filme brasileiro ser alegrinho e saltitante. Isso não tem cabimento. Embora ele não seja pesadamente depressivo; tenta terminar com humor. Mas é isso mesmo.

O futebol reproduz a sociedade. Para cada vencedor, há milhares de vencidos. É mais ou menos isso o que significa aquele garoto encarcerado. São os vencidos do futebol e da vida.

O talento muitas vezes não se enquadra. Aliás, é uma contradição em termos o talento se enquadrar.

Folha- A melancolia do filme que o sr. aponta se torna mais incômoda ao espectador às vésperas de uma Copa do Mundo em que o Brasil é favorito?

Giorgetti- É possível. Essa Copa me atrapalha sempre. Ela me atrapalhou no primeiro filme ['Boleiros', 1998] e me atrapalha no segundo. Olha que coincidência absurda! Fui bater de novo com essa Copa.

Folha- A data de lançamento soa intencional.

Giorgetti- Não é. Ao contrário. Se eu pudesse, lançaria o filme depois da Copa. É que, de repente, o Brasil não passa das oitavas... Pode acontecer, né. Pessoalmente não ligo muito para a Copa. Quando eu era garoto e comecei a me interessar por futebol o Brasil perdia sempre. Então a gente não dava muita bola. Agora há toda uma indústria insuportável em torno da Copa.

Folha- Criticar a indústria do futebol era o propósito de seu filme?

Giorgetti- O propósito era mostrar um personagem que não detém mais o controle de seu cotidiano. Ele é vencedor, por um lado, mas, por outro, não sabe que uma mulher com o filho dele está ali na porta, que o irmão quer levar dinheiro dele. Ele não sabe nada. É um ser que está na mão de uma máquina. Achei que era interessante mostrar isso. É o que acontece, sinceramente, com a maioria desses jogadores que estão aí fora.

Folha- Mas o papel das corporações no futebol não é um aspecto abordado em seu filme. Por que?

Giorgetti- Preferi não fazer um tratado e sim mostrar um personagem e as suas circunstâncias. No fim, esse é um filme sobre a solidão. Todos, indistintamente, são muito solitários. Talvez isso dê um pouquinho de melancolia para o filme, mas há momentos engraçados.

Folha- O sr., que é um torcedor fanático do Palmeiras...

Giorgetti- (Interrompendo). Não sou fanático por nada. Não tenho nenhum tipo de fanatismo, porque acho que fanatismos prejudicam muito. Até a paixão prejudica, é uma coisa meio esquisita. Sou palmeirense, mas sou o primeiro a criticar o time.

Sou um torcedor pacato. Sou de um tempo em que o futebol não tinha nenhuma importância. Na minha casa chegava [o jornal] "O Estado de São Paulo", como em toda casa burguesa da época. O futebol era um cantinho de página. Todo o futebol era um cantinho. Meia página era turfe. Embaixo vinha o futebol e, ao lado, o xadrez. Todos os jogos cabiam ali. Futebol não tinha nenhuma importância na vida das pessoas. Era uma coisa desprezível mesmo. Ninguém levava a sério.

Ele começou a crescer quando o Brasil ganhou a primeira Copa. E os governos começaram, o Juscelino em primeiro lugar, esse santo [em tom irônico] que está aí agora, foi o primeiro que fez um Carnaval em torno da Copa. Daí o negócio virou.

Folha- Por essa descrição, parece que o sr. considera o futebol um "ópio do povo". Certo?

Giorgetti- Não diria isso. Não acredito nisso, porque acho a adesão do povo brasileiro ao futebol uma coisa genuína, porque todo mundo joga. É um lazer do povo muito forte. Não acho que era ópio do povo. Acho que agora virou, de um tempo para cá. Mas não é nem ópio, não sei explicar esse fenômeno. É uma exacerbação de um nacionalismo por vias tortas. A publicidade se aproveita o tempo todo disso.

Folha- Escândalos como o da 'máfia do apito' devem ser vistos como o fato de que o futebol traduz mais do Brasil do que sua aptidão esportiva?

Giorgetti- É exagerado [o paralelo entre o futebol e a vida civil brasileira]. Acho até necessário o juiz ladrão. Como todas as coisas na vida, o futebol tende a se institucionalizar. E está institucionalizada a figura do juiz ladrão. Se for retirada do imaginário, será uma perda muito grande. Por exemplo, toda a torcida do Santos ou do São Paulo --não me lembro bem qual, porque não acompanho bem esses times, essas coisas aí-- uma delas se sentiu muito prejudicada domingo [2/4].

Seria uma pena se eles não se sentissem prejudicados. Faz parte. É a ligação do cara com o passado do futebol. O cara diz: "O Santos foi roubado em 1954". O futebol é composto de personagens. O juiz ladrão é um deles. Acho legal esse escândalo. Vai haver outros.

Folha - Mas a compra de resultados não expressa a derrota do futebol para interesses que não os esportivos?

Giorgetti- É verdade, mas isso não é uma coisa nova. Nas origens do futebol, desde o primeiro jogo alguém se sentiu roubado e falou: "Esse resultado foi comprado".

Havia um cara que era o símbolo do torcedor palmeirense chamado João Gaveta. Ele ficava no alambrado o tempo todo gritando que o juiz estava na gaveta, ou seja, que tinha sido subornado por alguém.

Acho que a gente deve abraçar isso. No futebol tem isso. É legal. A gente não sabe se foi comprado ou se não. Para os que perdem, é um consolo dizer que foi roubado e tal. Ao mesmo tempo que o futebol reproduz a sociedade, ele tem também o seu mundo próprio. Reproduz no grande arco, mas tem suas regras. Juiz ladrão é uma necessidade. Uma coisa nova é a publicidade ter entrado agora e fazer esses comerciais o tempo todo. Outra novidade são as maria-chuteiras.

Folha- Mulheres na arbitragem são uma novidade bem-vinda?

Giorgetti- Essa é uma novidade muito estranha, porque todo mundo é contra. Você ouve os jogadores, um por um, todos dizem a boca-pequena que são contra. Mas entrou um politicamente correto tão forte... E ao mesmo tempo a federação tenta criar atrações, porque o próprio jogo está muito feio. Os jogadores estão todos na Europa. Então, como o jogo está ruim por aqui, põe uma mulher e vamos ver se...

No filme, eu precisava de uma mulher árbitro. Engraçado. Essa moça [a assistente de arbitragem Ana Paula Oliveira, do polêmico jogo Corinthians x Palmeiras] foi se intrometer aí, causou essa confusão, botou isso na ordem do dia.

Folha- O sr. disse que o Brasil pode sair da Copa nas oitavas. Não acha mesmo que esta Copa vai ser do Brasil?

Giorgetti- Não sei não. Não aposto todas as minhas fichas.

Folha- Divide suas fichas entre que outras seleções?

Giorgetti- Argentina e Itália, certamente. Esses países menos acreditados são capazes de grandes surpresas. A própria Alemanha, a Inglaterra. Mas [Copa do Mundo] não é futebol. São seis jogos. É chance, o destino.

Folha- A inclusão de um brasileiro ex-craque no Boca Juniors no filme é uma provocação com os argentinos?

Giorgetti- Não. Vários brasileiros jogaram lá. O Orlando, da Seleção Brasileira de 1958, foi capitão do Boca durante três anos. Capitão do time! Evitei a provocação cuidadosamente, ao não colocar o malandro como argentino.

Folha- O malandro do filme é um falso argentino.

Giorgetti- É. Depois ele é brazuca. Achei isso legal, porque não cai no estereótipo.

Folha- O melhor jogador do Brasil hoje é um argentino?

Giorgetti- Não joga muito, mas é, porque está tão fraco aqui... Mas não sei. Tenho minhas dúvidas sobre isso. Já vi argentinos melhores do que o Tevez jogarem no Brasil. São nossos inimigos cordiais.

Folha- O sr. critica a publicidade no futebol. Hoje, o marketing está por trás também do financiamento do cinema brasileiro. Como o sr. convenceu diretores de marketing a investir num filme não necessariamente "saltitante" sobre o futebol, para ser lançado às vésperas da Copa?

Giorgetti- É muito complicado, mas uma das vantagens é que mando uma sinopse. Evidententemente são sinopses, não precisa colocar tudo. Não mando o roteiro. Até porque acho que eles não lêem.

Mas é isso. Estamos atirados a esse modelo pelo governo. Tenho uma visão muito pessimista desse modelo. Nunca vi isso. Não acredito que tenha paralelo no mundo. Mas é o que está aí. Não tem outra saída.

Ou você está condenado ao baixo orçamento, o que é uma limitação grave às vezes. Nem todo filme permite isso. Ou você está obrigado a ficar circulando seu pires por centenas de empresas, esperando que alguém complete seu orçamento. O que me preocupa é que tipo de cinema vai sair disso.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página