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12/04/2006 - 10h06

Livro argentino vê Brasil via Tropicália

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FLÁVIA MARREIRO
da Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

"Ele não tem dúvidas, tem certezas que oscilam." É Maria Bethânia quem assim define Caetano Veloso em "Estación Brasil", uma coletânea de entrevistas com alguns dos grandes nomes da música brasileira lançada na semana passada em Buenos Aires.

São as certezas de Caetano sobre a formação musical dos anos 60 para cá que guiam a autora, a jornalista e tradutora argentina Violeta Weinschelbaum, em conversas com 14 cantores e compositores do Brasil. O livro reúne de Milton Nascimento, Tom Zé e Arnaldo Antunes a nomes às vezes "difíceis de falar" como Chico Buarque e Bethânia.

A irmã de Caetano, no entanto, aparece à vontade no livro, em tom confessional. Conversa sobre infância, sobre seu irmão e sobre religião, fala da relação com Clarice Lispector e de seus rigores com horários. Incitada por Violeta, responde que, diferentemente de Caetano, diz que "vai à Bahia", e não a Salvador.

A autora é da estirpe preferida de Caetano, sob medida para o ideário tropicalista. É de fora, mas de perto, da borda, com intuição e informações prévias. É o que provoca o efeito duplo do olhar argentino sobre a música brasileira: é "exportação e autoconhecimento", segundo o cantor no prólogo do livro.

Em 1998, Violeta tinha 25 anos, era formada em letras e uma fã de Caetano que havia lido o livro "Verdade Tropical", lançado um ano antes. Até aí, nada demais: o cantor faz sucesso na Argentina e, mais do que um emprego no Mercosul, é citado por muitos como motivação para se matricular num curso de português.

A idéia era viajar ao Brasil pagando do próprio bolso, fazer a entrevista com o compositor baiano e vender a algum jornal. Mas deu tão certo que, depois de uma segunda conversa com Caetano, em 2001, ela ampliou o projeto para ouvir mais gente e fazer o livro lançado agora pela editora Norma (há negociação com duas editoras para que ele saia "destraduzido" no Brasil, diz ela).

"Quando estava preparando a entrevista com a Rita Lee, resolvi reler uns trechos de "Verdade Tropical". Escrevi para Caetano comentando uma frase e ele respondeu me convidando para traduzi-lo para o espanhol", conta. A versão saiu em 2005 pela editora espanhola Salamandra.

Parcerias

Por essa proximidade é que o livro, num todo, é uma espécie de exercício da tese tropicalista --Caetano como condutor, de fato, das conversas. É quase obrigatório responder sobre incorporação antropofágica, sobre mix/ mestiçagem, sobre artes plásticas e telenovela. Alguns vão repetindo as idéias sem ela perguntar, na filiação/atualização natural do movimento representada por Arnaldo Antunes e Marisa Monte.

O roteiro foi se configurando pelo óbvio. Primeiro, o rastro tropicalista na geração atual (Tribalistas, Adriana Calcanhoto, os + 2). Depois, os grandes nomes "de fora" do movimento, como Chico e Milton. Com os dois últimos, e com Bethânia, as entrevistas são mais narrativas, mais pessoais que analíticas.

"Não tenho uma tese exatamente. É um relato coral. Mas é claro que Caetano foi a minha porta de entrada na cultura brasileira, entendi o Brasil", diz a autora.

E o Brasil, afirma Violeta, é o país da "parceria", da circulação cultural, em contraste com a formação argentina. "Mantive a palavra "parceria" no livro; o conceito mesmo não existe aqui." Nem a prática. "Quando Charly Garcia e Spinetta [ícones locais] tentaram gravar um disco, brigaram na primeira música."

Em "Estación Brasil", não há tom paroquial nem perguntas sobre influência argentina. "Até tentei no começo, mas era forçado. Ninguém sabia nada sobre a Argentina. Temos menos a ver do que gostaríamos."

Há um esforço de Violeta em perguntar desde dentro e sem parênteses explicativos, de se incorporar. Mas, para os iniciantes, foi editado um glossário, aliás, com os poucos deslizes do livro: no verbete sobre sertão se fala de Noroeste, e não de Nordeste, e acentua-se com circunflexo maracatu.

A estratégia faz parte da tarefa a que se propõe a autora ao seguir Caetano. Até onde vai o Caetano formador da identidade brasileira? E "Caetano for export"?, pergunta Violeta. E ele diz: "Eu me dei conta de que a solução do tema da identidade brasileira incluía a aceitação por minha parte de uma figura chamada "Caetano Veloso" no mundo".

Especial
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