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19/07/2006 - 10h50

Nos palcos, Cortez foi protagonista de grandes diretores

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SERGIO SALVIA COELHO
Crítico da Folha de S.Paulo

Raul Cortez sempre foi um provocador, ou seja, alguém que seduz o outro ao desafiá-lo. Contrariando o desejo do pai --que o queria advogado-- pelo amor ao teatro aprendido desde a infância nos quintais do bairro de Santo Amaro, subiu ao palco pela porta da frente: contracenando com Cleyde Yáconis e Walmor Chagas no Teatro Brasileiro de Comédia. A peça era "Eurídice" e, quando faria a sua primeira intervenção --a leitura de uma carta de Eurídice a Orfeu--, perdeu a voz, talvez por exigir o máximo de si mesmo desde o início.

Mantendo essa obstinada auto-exigência --que estendia com rigor a seus colegas de palco-, sua voz soou desde então em momentos-chave do teatro brasileiro. Integrou a companhia de Cacilda Becker, na qual conheceu Célia Helena, formando assim uma parceria fecunda e plena na vida e nos palcos: ambos com o mesmo talento e a mesma ética, ambos empenhados em compartilhar isso por meio da formação de jovens atores, responsabilidade hoje endossada com igual firmeza pela filha Lígia Cortez.

Seu nome está igualmente associado ao de Antunes Filho, em "Yerma", de García Lorca, de 1963, e "Vereda da Salvação", de Jorge Andrade, de 1964. Entre essas duas montagens, fez o Teteriev de "Pequenos Burgueses", de Gorki, na montagem antológica do teatro Oficina, o que lhe rendeu os mais importantes prêmios da época: o Saci e o Governador do Estado. Voltaria a trabalhar com Antunes anos depois, em "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1986) e "Drácula".

Seu arrojo o fez participar de montagens polêmicas: "Os Monstros"", de 1968, um dos primeiros happenings do Brasil, e sobretudo no "Balcão", de Jean Genet, dirigido por Victor Garcia no teatro Ruth Escobar, onde ficava nu. Esse despudor também era ostentado em montagens que expunham sem disfarces a temática homossexual: surgia transvestido em "Rapazes da Banda", de 1970, assim como em "Greta Garbo, quem Diria, Acabou no Irajá".

Chamado para fazer o protagonista de "Rasga Coração", a peça-testamento de Oduvaldo Vianna Filho, pensou primeiro em recusar, por não ter se engajado politicamente em sua vida pessoal tão intensamente quanto o personagem exigia. Mudou de idéia ao saber que sua segunda filha, Maria, estava sendo amamentada no mesmo quarto no qual Vianninha havia morrido: "Que engraçada maneira que Vianna arranjou de me dar a resposta".

Seu Manguari Pistolão se tornou outro personagem inesquecível de uma extensa galeria que inclui o "Lobo de Ray-ban" de Renato Borghi (1987).

Fez espetáculos-solo marcantes, nos quais cantava e dançava: "Ah..mérica" (85) e "Um Certo Olhar" (99), que entremeava com sua bem-sucedida carreira na TV. Mas sua consagração talvez tenha vindo com o "Rei Lear" (2000), montagem de Ron Daniels, na qual contracenava com a filha Lígia.

Foi nessa ocasião que tive notícia da peculiar pedagogia de Cortez. Um aluno meu, que participava da montagem fazendo uma ponta na qual teria que entregar uma mensagem nas mãos do Rei, disse-me que recebeu o seguinte desafio na coxia, assim que começou a temporada: "Você está encrencado. Cada dia eu vou fazer isso de uma maneira diferente".

A morte de Raul Cortez, como foi a de Vianninha, serve para nos instigar a seguir em frente. O teatro, como o cinema e a TV, está em luto, deixando de lado preconceitos e mesquinharias. Que o muito que ele fez inspire o muito que se há de fazer ainda.

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