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04/08/2006 - 08h59

Cineasta Sérgio Rezende critica empobrecimento de idéias; leia entrevista

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DIÓGENES MUNIZ
da Folha Online

O cineasta Sérgio Rezende, 54, é um dos maiores especialistas em cine-biografias do país. Apesar da diversidade na escolha de seus personagens, há uma fórmula que o diretor busca em todas suas obras: "Os caras pelos quais eu tenho paixão e quero fazer filmes são os aventureiros".

Os "caras", no caso, são figuras como o guerrilheiro Carlos Lamarca, o Visconde de Mauá e o líder messiânico Antônio Conselheiro. Carioca com jeito de mineiro, Rezende concedeu entrevista por telefone de seu apartamento no Rio, de onde comentou sua nova produção, "Zuzu Angel" (estréia 4 de agosto).

Divulgação
Cineasta Sérgio Rezende dirige a atriz Luana Piovani durante as filmagens de "Zuzu Angel"
Cineasta Sérgio Rezende dirige a atriz Luana Piovani durante as filmagens de "Zuzu Angel"
Para Rezende, ainda há motivos para se retratar a ditadura militar (1964-1984). "Eu acho que as paixões, as idéias, as emoções estão muito mais à flor da pele nestes momentos", explica. Este fluxo de idéias estaria empobrecido na sociedade de hoje, afirma Rezende.

Mesmo com críticas ao pensamento pós-muro de Berlim, o cineasta não abre mão de algumas estruturas. "Não dá para fazer as idéias circularem sem grandes meios de comunicação", afirma.

Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Folha Online:




Folha - Por que escolheu a história da Zuzu para fazer o filme?

Sérgio Rezende - A Zuzu tem uma grande trajetória de luta contra a ditadura. Num tempo de política extremada ela se afirmou com o trabalho de cidadã. Eu acho que essa interferência do cidadão na vida do país é uma coisa que a gente não vê mais. Nós falamos da política só na hora de votar. A Zuzu deu um exemplo. É uma história que vale a pena contar.

Folha - "Zuzu Angel" é um filme que se pode chamar de "baseado em fatos reais"?

Rezende - Ele é baseado em fatos reais, embora tenha sempre aquelas situações que você precisa criar, coisas sobre as quais não há testemunhas. Uma grande parte das coisas que interessa em filme de ficção não está em registros históricos, então você precisa recriar de acordo com as informações que você tem.

Folha - A morte do ator Nelson Dantas [o sapateiro do filme], no começo deste ano, influenciou na história?

Rezende - Não, aliás, o Nelson tem uma participação espetacular. Ele diz duas palavras ("pois não") e com elas segura um dos momentos mais importantes do filme. Ele fez aquela cena maravilhosa [na qual Zuzu Angel conta que seu filho foi morto para salvar o filho do sapateiro], mas só havíamos planejado aquela mesma.

Folha - Já é o seu segundo filme sobre o período do regime militar. Há alguma relação entre você e os anos da ditadura?

Rezende - Na verdade, não. No caso do "Lamarca", eu estava numa livraria e vi um livro chamado "Lamarca, O Capitão da Guerrilha" [de Emiliano José e Oldack Miranda]. Como todo mundo, eu sabia da história dele, mas depois de comprar o livro que me apaixonei. Os caras pelos quais eu tenho paixão e quero fazer filmes são aventureiros. Essas pessoas impressionantes que vivem experiências extraordinárias. O povo acha que eu gosto de livro de história, mas não é que eu goste ou não de história.
Divulgação
Zuzu Angel travou batalha nos bastidores da ditadura militar para reaver corpo de seu filho
Zuzu Angel travou batalha nos bastidores da ditadura militar para reaver corpo de seu filho


Folha - Por que hoje há necessidade de se filmar aquela época?

Rezende - É uma tradição do cinema brasileiro, aliás, do cinema mundial. Se você pega a história do cinema americano, boa parte é a história dos EUA. Eles fizeram da sua própria história gêneros cinematográficos. A conquista do oeste, que era um fato histórico, econômico e político se tornou o gênero do faroeste. Veja também o cinema russo, em que Eisenstein filma Encouraçado Pontenkim, Outubro... ele está filmando a revolução russa.

Folha - Por que então a Ditadura e não qualquer outro momento histórico?

Rezende - Eu acho que as paixões, as idéias, as emoções estão muito mais à flor da pele nestes momentos. São elementos para uma boa dramaturgia. Se você pega os dilemas da juventude brasileira da década de 60 e compara com os de hoje, há um empobrecimento muito grande de idéias.

Folha - Como você compara o mundo da moda de hoje com o momento que Zuzu vivia?

Rezende - Aquelas manifestações da Zuzu foram extraordinárias porque foram absolutamente isoladas. Ninguém fez algo como aquele desfile-protesto. Acho que hoje o mundo da moda saiu das casas de alta costura e foi para as ruas, e isso a moda deve a esse período da Zuzu. Eu acho que aquela juventude que queria fazer a revolução modificou os costumes de se vestir. Naquela época da Zuzu houve uma profunda transformação da moda no mundo.

Folha - Em uma cena, quando Zuzu está organizando cartas que enviará às pessoas influentes para denunciar o que aconteceu com seu filho, aparece de relance o sobrenome Marinho. Alguma alusão a Roberto Marinho (1904-2003), das Organizações Globo?

Rezende - Foi uma carta igual à que ela mandou para o Kissinger, como ela mandou para o presidente Médici. Na questão do filme, da carta do Roberto Marinho, ele é uma das pessoas importantes como todas as outras que recebiam uma carta daquelas. Ele era dono de TV e jornais, mas, como os outros, também sofria censura. Naquela época eles barravam até notícia de que a mulher do general passou mal.

Divulgação
Patrícia Pillar encarna Zuzu Angel
Patrícia Pillar encarna Zuzu Angel
Folha - O sr. acha que o filme insinua um certo oportunismo da mídia ou era a censura estabelecida pelos militares a única culpada?

Rezende - Acho que é a opção da censura, afinal havia oficiais do exército dentro das redações impedindo de veicular as coisas. Mesmo que eventualmente existissem jornais ou órgãos de imprensa que fossem a favor do regime, os que não estavam não podiam publicar.

Folha - Não é irônico que um filme da Globo Filmes, braço da empresa que na época era apontada como a porta-voz da Ditadura, hoje trate dessa dificuldade de se expressar durante o regime militar?

Rezende - Para ficar claro, o "Zuzu Angel" não foi produzido pela Globo Filmes. [O filme é feito em associação com a Globo Filmes]. Eu acho que não só é irônico, como de uma certa maneira é uma coisa boa. Eu acho bom que a gente tenha liberdade para falar o que quiser. Também não acho que dá para ver as instituições deste jeito. O próprio Roberto Marinho já faleceu. Quer dizer, há uma empresa e há pessoas que conduzem essa empresa, e nessa área do cinema eu acho que eles estão interessados pelos filmes. Não acho que exista no Brasil nenhum movimento de censura.

Folha - Há hoje uma reivindicação dos movimentos sociais, principalmente no debate (?) da TV Digital, que vai ao encontro do que pedia a Zuzu Angel. Questiona-se por novas vozes, neste caso, na TV. As coisas mudaram?

Rezende - Eu seria leviano se comentasse a questão da TV Digital, pois estou apenas acompanhando. Eu gostei de terem aberto [a implementação TV Digital] para uma participação de tecnologia brasileira. Mas, em relação a este ponto histórico, evidentemente que a maneira como a TV no Brasil se construiu teve uma participação enorme do governo daquela época [da ditadura]. Quem montou as torres de transmissão não foi a iniciativa privada, foi o governo, e as emissoras se beneficiaram disso, obviamente.

Houve um milhão de distorções, mas por outro lado a existência da TV Globo como temos hoje se deve também à eficiência. Eu não acho que esteja escrito nas estrelas que uma emissora vai reinar no Brasil para sempre. Antes tinha a TV Tupi e ela foi para o buraco. Hoje a gente tem a Record fazendo barulho, mesmo com as críticas. Mas o importante é que haja debates, e não dá para fazer as idéias circularem sem grandes meios de comunicação.

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