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08/09/2006
-
10h13
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
da Folha de S.Paulo, em Londres
Enquanto os ingleses acompanham a guerra no partido trabalhista contra Tony Blair, em Londres, duas peças mostram os níveis a que controvérsia e desgraça política podem chegar.
A mais destacada das montagens, "Frost/Nixon", encenada no Donmar Warehouse, reproduz a célebre entrevista que o ex-presidente norte-americano Richard Nixon (1913-1994), deu ao jornalista britânico David Frost em maio de 1977.
A outra peça, "Gaddafi: A Living Myth", narra a trajetória do ditador líbio Muammar Gaddafi.
"Frost/Nixon", que mistura a entrevista real com lances fictícios de bastidores, foi escrita por Peter Morgan, um especialista na dramatização da história política atual.
Morgan é autor de "The Deal" (o acordo), telefilme sobre a relação do premiê Blair com seu provável substituto, Gordon Brown, e roteirista do novo filme de Stephen Frears, "The Queen", que foca o comportamento da rainha Elizabeth 2ª no episódio da morte da princesa Diana.
Redenção
A peça é construída como uma história de redenção, na qual os dois personagens do título vêem na entrevista a chance de reviver suas carreiras então decadentes.
O ex-presidente carregava o peso da vergonhosa renúncia em meio ao escândalo Watergate. O jornalista perdera seus programas de TV e convivia com a fama de playboy. Centrado no embate entre os dois homens, o texto analisa a interseção entre mídia e política.
Cotejado por todas as redes norte-americanas, Nixon decide falar com um jornalista que julgava "fraco", em vez de encarar o renomado Mike Wallace, do "60 Minutes".
Frost, por sua vez, precisa gastar US$ 600 mil para conseguir a entrevista, sem apoio de nenhum canal e chegando a colocar dinheiro do próprio bolso.
O cenário minimalista da peça --um tapete azul, duas poltronas-- é complementado por um painel de 36 televisões, que formam uma espécie de telão.
Nele, "closes" nos personagens no embate lembram quão reveladora --e destruidora-- a imagem televisiva pode ser.
Como o próprio Nixon destaca debochadamente, lembrando sua derrota no debate presidencial para o jovem John Kennedy, um rosto suado pode custar uma eleição.
Nos dois papéis principais, há uma curiosa inversão. O britânico Michael Sheen, que ganhou fama personificando um político (Tony Blair, em "The Deal" e "The Queen"), interpreta o jornalista Frost.
Já o norte-americano Frank Langella --cujos dois últimos papéis foram de jornalistas, em "Boa Noite, e Boa Sorte" e "Superman, o Retorno"-- encarna o político Nixon.
Os dois atores seguem com perfeição o ritmo do texto de Morgan: seus personagens são caricaturais no início, provocando risadas da platéia e recuperando o estereótipo coletivo dos dois ícones.
Mas à medida que a peça entra nas sessões de gravação da entrevista --que estabeleceu o recorde de audiência do gênero--, a gravidade da situação passa a transparecer no gestual e nas falas de ambos.
E é justamente nesta parte, baseada em fatos, que "Frost/ Nixon" mostra todo o potencial de seu texto.
Embate
O ex-presidente domina os três primeiros blocos do embate, utilizando as perguntas de Frost para divagar sobre suas boas ações, tomando todo o tempo e desenvolvendo uma personalidade afável.
No último, quando a equipe do jornalista já se desmantelava ante ao fraco desempenho do entrevistador, vem a virada histórica de Frost, a partir da descoberta de novas gravações da Casa Branca que deixaram Nixon encurralado.
Num grande (e real) diálogo entre os dois, Nixon admite ter cometido erros (mas não crimes) e chega o mais próximo possível das desculpas formais que nunca pediria.
David Frost iria adquirir, a partir de então, um novo status de respeitabilidade. Desde então, o britânico entrevistou os seis últimos primeiros-ministros ingleses e igual número de presidentes norte-americanos.
Atualmente, aos 69 anos, é apresentador do canal internacional da rede árabe Al Jazira.
Já Richard Nixon, isolado e politicamente nulo até sua morte, em 1994, deixaria como único legado o sufixo "gate" --que, acrescido a qualquer nome, é sinônimo de escândalo político.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre teatro em Londres
Nixon e Gaddafi são temas de montagens no teatro londrino
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da Folha de S.Paulo, em Londres
Enquanto os ingleses acompanham a guerra no partido trabalhista contra Tony Blair, em Londres, duas peças mostram os níveis a que controvérsia e desgraça política podem chegar.
A mais destacada das montagens, "Frost/Nixon", encenada no Donmar Warehouse, reproduz a célebre entrevista que o ex-presidente norte-americano Richard Nixon (1913-1994), deu ao jornalista britânico David Frost em maio de 1977.
A outra peça, "Gaddafi: A Living Myth", narra a trajetória do ditador líbio Muammar Gaddafi.
"Frost/Nixon", que mistura a entrevista real com lances fictícios de bastidores, foi escrita por Peter Morgan, um especialista na dramatização da história política atual.
Morgan é autor de "The Deal" (o acordo), telefilme sobre a relação do premiê Blair com seu provável substituto, Gordon Brown, e roteirista do novo filme de Stephen Frears, "The Queen", que foca o comportamento da rainha Elizabeth 2ª no episódio da morte da princesa Diana.
Redenção
A peça é construída como uma história de redenção, na qual os dois personagens do título vêem na entrevista a chance de reviver suas carreiras então decadentes.
O ex-presidente carregava o peso da vergonhosa renúncia em meio ao escândalo Watergate. O jornalista perdera seus programas de TV e convivia com a fama de playboy. Centrado no embate entre os dois homens, o texto analisa a interseção entre mídia e política.
Cotejado por todas as redes norte-americanas, Nixon decide falar com um jornalista que julgava "fraco", em vez de encarar o renomado Mike Wallace, do "60 Minutes".
Frost, por sua vez, precisa gastar US$ 600 mil para conseguir a entrevista, sem apoio de nenhum canal e chegando a colocar dinheiro do próprio bolso.
O cenário minimalista da peça --um tapete azul, duas poltronas-- é complementado por um painel de 36 televisões, que formam uma espécie de telão.
Nele, "closes" nos personagens no embate lembram quão reveladora --e destruidora-- a imagem televisiva pode ser.
Como o próprio Nixon destaca debochadamente, lembrando sua derrota no debate presidencial para o jovem John Kennedy, um rosto suado pode custar uma eleição.
Nos dois papéis principais, há uma curiosa inversão. O britânico Michael Sheen, que ganhou fama personificando um político (Tony Blair, em "The Deal" e "The Queen"), interpreta o jornalista Frost.
Já o norte-americano Frank Langella --cujos dois últimos papéis foram de jornalistas, em "Boa Noite, e Boa Sorte" e "Superman, o Retorno"-- encarna o político Nixon.
Os dois atores seguem com perfeição o ritmo do texto de Morgan: seus personagens são caricaturais no início, provocando risadas da platéia e recuperando o estereótipo coletivo dos dois ícones.
Mas à medida que a peça entra nas sessões de gravação da entrevista --que estabeleceu o recorde de audiência do gênero--, a gravidade da situação passa a transparecer no gestual e nas falas de ambos.
E é justamente nesta parte, baseada em fatos, que "Frost/ Nixon" mostra todo o potencial de seu texto.
Embate
O ex-presidente domina os três primeiros blocos do embate, utilizando as perguntas de Frost para divagar sobre suas boas ações, tomando todo o tempo e desenvolvendo uma personalidade afável.
No último, quando a equipe do jornalista já se desmantelava ante ao fraco desempenho do entrevistador, vem a virada histórica de Frost, a partir da descoberta de novas gravações da Casa Branca que deixaram Nixon encurralado.
Num grande (e real) diálogo entre os dois, Nixon admite ter cometido erros (mas não crimes) e chega o mais próximo possível das desculpas formais que nunca pediria.
David Frost iria adquirir, a partir de então, um novo status de respeitabilidade. Desde então, o britânico entrevistou os seis últimos primeiros-ministros ingleses e igual número de presidentes norte-americanos.
Atualmente, aos 69 anos, é apresentador do canal internacional da rede árabe Al Jazira.
Já Richard Nixon, isolado e politicamente nulo até sua morte, em 1994, deixaria como único legado o sufixo "gate" --que, acrescido a qualquer nome, é sinônimo de escândalo político.
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