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28/10/2006 - 10h30

Jorrando lava e lágrimas, "Cabiria", na 30ª Mostra, ainda vive

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MARCELO COELHO
Colunista da Folha de S.Paulo

Não se passaram nem 15 minutos de filme, e já tivemos: 1) a erupção do Etna; 2) a destruição da luxuosa "villa" do nobre romano Batto; 3) o seqüestro de sua filha, a pequena Cabiria, por um bando de piratas fenícios; 4) a venda de Cabiria num mercado de escravos em Cartago; 5) o sacrifício de três ou quatro criancinhas nuas, esperneando, arremessadas a uma fornalha ardente.

Na sala do Cinesesc, o pianista Stefano Maccagno, que acompanha o épico de Giovanni Pastrone (1882-1959) já esfalfou os dedos numa quantidade industrial de tremolos, ribombos e "roulades". Mas sua resistência para enfrentar a partitura do compositor clássico Ildebrando Pizzetti (1880-1968), ao longo de três horas de projeção, será comparável à do escravo Maciste, que depois de inúmeros tormentos irá finalmente liberar Cabiria dos bárbaros cartagineses.

A superprodução de Pastrone, datada de 1914 e restaurada agora pelo brasileiro João Sócrates de Oliveira, parece quase tão antiga quanto os eventos das guerras púnicas, roteirizados pelo poeta decadentista Gabrielle d" Annunzio (1863-1938), que não se esquivou de inserir longos hinos pagãos nos letreiros de "Cabiria".

Ainda que a história fique um bocado confusa na metade final --tantas as batalhas, trocas de cenário, traições e cataclismas--, o épico de Pastrone ainda pode ser visto com interesse. A cuidada composição visual das cenas contrasta com o tumulto heróico da trama, e tudo se impregna de um silencioso hausto operístico.

Influência

Mas se "Cabiria" merece ser visto, hoje em dia, é sobretudo pelas influências que secretamente exerceu em nosso imaginário. Vendo agora o filme, podemos notar a que tipo de estética --elefantes, camelos, leopardos, escravos-- Fellini se referia em muitos de seus filmes, como "A Entrevista". O herói Maciste conheceria, depois desta sua primeira aparição, muitas reencarnações nos épicos italianos até as décadas de 50 e 60. A careca, o perfil, o porte do ator-brutamontes Bartolomeo Pagano já prefiguram, por outro lado, a aparência do ditador Benito Mussolini.

Toda uma fantasia de nobreza romana, com a África prosternada a seus pés, e com abertos toques de anti-semitismo (na personagem do estalajadeiro Bodastoret), funciona em "Cabiria" como "avant-première" da sanguinolenta farsa fascista. Mas também o mundo de Nélson Rodrigues se ilumina quando assistimos à morte estrebuchante, interminável, da princesa Sophonisbe (Itália Almirante-Manzini, robusta e não-depilada, mas ainda assim uma diva).

Elefantina, macarrônica, jorrando lava e lágrimas, "Cabiria" ainda vive. De suas erupções arcaicas originou-se, sem dúvida, o solo do qual brotariam os sonhos de muita gente: de Cecil B. de Mille a Fellini, passando pelo telecatch e pelos desfiles de Carnaval.

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