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12/12/2006
-
09h35
RENATO ESSENFELDER
da Folha de S.Paulo
A televisão irá dominar o futuro da narrativa. Mais livre e ousada, dominada por escritores-produtores e tecnicamente impecável, baterá o cinema, na arte de criar ilusões e contar grandes histórias.
A opinião é de um dos mais famosos "treinadores" de roteiristas dos EUA, Robert McKee, 65, cujos alunos --50 mil pessoas entre diretores, atores, produtores, roteiristas e mesmo compositores de trilhas sonoras para o cinema-- somam 94 nomeações ao Oscar, 26 delas conquistadas.
Ao mesmo tempo que repele qualquer crédito direto pela cifra, McKee estima informalmente que suas platéias já movimentaram mais de US$ 1 bilhão na indústria cinematográfica. Não obstante as críticas que faz à primazia da forma sobre o conteúdo em Hollywood.
McKee é autor de "Story", uma das bíblias dos contadores de histórias americanos, que ganha versão em português (chega às livrarias na próxima semana). Lançado originalmente em 1999, "Story" (ed. Arte&Letra, 432 págs, R$ 65) não é um livro de fórmulas prontas. Sua proposta é analisar e entender a substância dos enredos --sejam eles de TV, cinema, teatro ou romances.
Leia, a seguir, trechos da entrevista que McKee concedeu por e-mail à Folha, entre seminários no Canadá e nos EUA.
Folha - Sete anos depois de lançado nos EUA, "Story" ganha tradução para o português. Seu conteúdo é ainda útil para jovens escritores?
Robert McKee - "Story" não é um livro de "como fazer". Ele analisa de forma persistente e abrangente o que é uma história, sua substância. Além disso, "Story" é mais sobre dominar a forma das histórias do que as mecânicas da técnica.
O livro examina de perto os princípios que se encontram sob a arte da escrita --primeiramente para o cinema e a TV, mas também para romances e peças de teatro.
Na Inglaterra, por exemplo, mais novelistas e dramaturgos do que roteiristas de cinema e TV compram "Story" e freqüentam meus seminários.
As formas sobre as quais "Story" lança luz existem em todas as histórias de todas as culturas desde o nascimento da mente humana. O livro também vai além de uma mera introdução da arte para os jovens escritores e reforça os talentos de autores experientes.
Folha - O que mudou no mercado de roteiros para o cinema e a TV desde a publicação do livro, em 1999?
McKee - Houve um fortalecimento das histórias do tipo multiprotagonista, multi-enredo, preconizadas por Robert Altman. Essa forma inspirou filmes como "Crash - No Limite", "Réquiem para um Sonho", "O Violino Vermelho", "Corra, Lola, Corra" e em particular filmes recentes de Alejandro González Iñárritú [cineasta mexicano], como "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel".
Folha - De que maneira aspectos culturais agem sobre enredos e técnicas narrativas?
McKee - A noção de que a substância e a forma das histórias é radicalmente diferente de uma cultura para a outra é falsa. Apenas à superfície os comportamentos pessoais e de classes sociais mudam. Veja, por exemplo, o filme "Babel", que conta histórias passadas no Japão, México, EUA e Marrocos.
Folha - Nos últimos anos, escrever roteiros virou uma espécie de Eldorado para os jovens, considerando que um único bom script pode render uma pequena fortuna mesmo para um iniciante. Qual a sua opinião a respeito?
McKee - Essas coisas vêm e vão em ondas. Quando eu era muito jovem, a coqueluche era escrever um grande romance. Então, com o crescimento do teatro moderno, a onda mudou para a dramaturgia. Mais para o fim do século 20 a moda passou a ser escrever roteiros.
Hoje, os melhores escritores da América estão migrando para a televisão. Estamos vivendo uma era de ouro no drama e na comédia televisivos.
Folha - Se os melhores estão na TV, o cinema está em declínio?
McKee - O cinema como uma forma de entretenimento sempre venderá ingressos, mas, como forma de arte, está em grande perigo. A ascensão de séries televisivas de expressão, como "Six Feet Under", "Sex and the City", "Deadwood" e "Família Soprano", corre paralelamente ao declínio do cinema.
Considerando tendências que venho observando há duas ou três décadas, a televisão irá dominar o futuro da narrativa.
Folha - Quais são as maiores diferenças entre escrever para a TV e para o cinema?
McKee - A principal diferença é a quantidade de diálogo usada. A tela da TV é pequena, então, para ser visualmente expressiva, a câmera de TV deve estar próxima de seus objetos. Quando trabalhamos em planos fechados, naturalmente escrevemos mais diálogos. Também escrevemos mais diálogos para a TV, porque os orçamentos dela são geralmente menores do que os do cinema --e, embora diálogos custem muito em termos de criatividade, são relativamente baratos de filmar.
Folha - Você menciona, em seus seminários, que os autores estão perdendo a guerra para os clichês. O que isso significa?
McKee - Eu apelo aos escritores que vençam a guerra contra os clichês ao adquirir um conhecimento profundo, através da imaginação e de pesquisa factual, sobre seus temas. Hoje recicla-se mais do que se cria. Fazemos filmes sobre filmes, e não filmes sobre a vida.
Folha - É esse o principal problema das histórias contadas por Hollywood hoje em dia?
McKee - O problema mais avassalador, não só do cinema hollywoodiano, mas da maioria dos criadores hoje, é a ênfase na superfície em relação à substância. Muitos cineastas gastam todas as suas energias criativas aperfeiçoando a fotografia ou os efeitos especiais em vez de escreverem histórias que retratem a rica complexidade da natureza humana.
Folha - E qual é o mercado cinematográfico mais inovador hoje?
McKee - O asiático, em particular o coreano. É a principal exceção no mundo atual. Chineses e coreanos estão hoje definindo novos padrões de excelência para o cinema mundial.
Folha - Você acompanha a produção cinematográfica brasileira?
McKee - Tenho visto filmes brasileiros há décadas, desde obras-primas como "Dona Flor e seus Dois Maridos" e "Pixote - A Lei do Mais Fraco" até os mais recentes, como "Cidade de Deus" e "Central do Brasil". Discuto "O Beijo da Mulher Aranha" como um exemplo soberbo tanto em meu livro como em meus seminários. Todas essas histórias foram lindamente contadas.
Especial
Leia tudo o que já foi publicado sobre roteiristas
Guru dos roteiristas dos EUA, Robert McKee lança livro no Brasil
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da Folha de S.Paulo
A televisão irá dominar o futuro da narrativa. Mais livre e ousada, dominada por escritores-produtores e tecnicamente impecável, baterá o cinema, na arte de criar ilusões e contar grandes histórias.
A opinião é de um dos mais famosos "treinadores" de roteiristas dos EUA, Robert McKee, 65, cujos alunos --50 mil pessoas entre diretores, atores, produtores, roteiristas e mesmo compositores de trilhas sonoras para o cinema-- somam 94 nomeações ao Oscar, 26 delas conquistadas.
Ao mesmo tempo que repele qualquer crédito direto pela cifra, McKee estima informalmente que suas platéias já movimentaram mais de US$ 1 bilhão na indústria cinematográfica. Não obstante as críticas que faz à primazia da forma sobre o conteúdo em Hollywood.
McKee é autor de "Story", uma das bíblias dos contadores de histórias americanos, que ganha versão em português (chega às livrarias na próxima semana). Lançado originalmente em 1999, "Story" (ed. Arte&Letra, 432 págs, R$ 65) não é um livro de fórmulas prontas. Sua proposta é analisar e entender a substância dos enredos --sejam eles de TV, cinema, teatro ou romances.
Leia, a seguir, trechos da entrevista que McKee concedeu por e-mail à Folha, entre seminários no Canadá e nos EUA.
Folha - Sete anos depois de lançado nos EUA, "Story" ganha tradução para o português. Seu conteúdo é ainda útil para jovens escritores?
Robert McKee - "Story" não é um livro de "como fazer". Ele analisa de forma persistente e abrangente o que é uma história, sua substância. Além disso, "Story" é mais sobre dominar a forma das histórias do que as mecânicas da técnica.
O livro examina de perto os princípios que se encontram sob a arte da escrita --primeiramente para o cinema e a TV, mas também para romances e peças de teatro.
Na Inglaterra, por exemplo, mais novelistas e dramaturgos do que roteiristas de cinema e TV compram "Story" e freqüentam meus seminários.
As formas sobre as quais "Story" lança luz existem em todas as histórias de todas as culturas desde o nascimento da mente humana. O livro também vai além de uma mera introdução da arte para os jovens escritores e reforça os talentos de autores experientes.
Folha - O que mudou no mercado de roteiros para o cinema e a TV desde a publicação do livro, em 1999?
McKee - Houve um fortalecimento das histórias do tipo multiprotagonista, multi-enredo, preconizadas por Robert Altman. Essa forma inspirou filmes como "Crash - No Limite", "Réquiem para um Sonho", "O Violino Vermelho", "Corra, Lola, Corra" e em particular filmes recentes de Alejandro González Iñárritú [cineasta mexicano], como "Amores Brutos", "21 Gramas" e "Babel".
Folha - De que maneira aspectos culturais agem sobre enredos e técnicas narrativas?
McKee - A noção de que a substância e a forma das histórias é radicalmente diferente de uma cultura para a outra é falsa. Apenas à superfície os comportamentos pessoais e de classes sociais mudam. Veja, por exemplo, o filme "Babel", que conta histórias passadas no Japão, México, EUA e Marrocos.
Folha - Nos últimos anos, escrever roteiros virou uma espécie de Eldorado para os jovens, considerando que um único bom script pode render uma pequena fortuna mesmo para um iniciante. Qual a sua opinião a respeito?
McKee - Essas coisas vêm e vão em ondas. Quando eu era muito jovem, a coqueluche era escrever um grande romance. Então, com o crescimento do teatro moderno, a onda mudou para a dramaturgia. Mais para o fim do século 20 a moda passou a ser escrever roteiros.
Hoje, os melhores escritores da América estão migrando para a televisão. Estamos vivendo uma era de ouro no drama e na comédia televisivos.
Folha - Se os melhores estão na TV, o cinema está em declínio?
McKee - O cinema como uma forma de entretenimento sempre venderá ingressos, mas, como forma de arte, está em grande perigo. A ascensão de séries televisivas de expressão, como "Six Feet Under", "Sex and the City", "Deadwood" e "Família Soprano", corre paralelamente ao declínio do cinema.
Considerando tendências que venho observando há duas ou três décadas, a televisão irá dominar o futuro da narrativa.
Folha - Quais são as maiores diferenças entre escrever para a TV e para o cinema?
McKee - A principal diferença é a quantidade de diálogo usada. A tela da TV é pequena, então, para ser visualmente expressiva, a câmera de TV deve estar próxima de seus objetos. Quando trabalhamos em planos fechados, naturalmente escrevemos mais diálogos. Também escrevemos mais diálogos para a TV, porque os orçamentos dela são geralmente menores do que os do cinema --e, embora diálogos custem muito em termos de criatividade, são relativamente baratos de filmar.
Folha - Você menciona, em seus seminários, que os autores estão perdendo a guerra para os clichês. O que isso significa?
McKee - Eu apelo aos escritores que vençam a guerra contra os clichês ao adquirir um conhecimento profundo, através da imaginação e de pesquisa factual, sobre seus temas. Hoje recicla-se mais do que se cria. Fazemos filmes sobre filmes, e não filmes sobre a vida.
Folha - É esse o principal problema das histórias contadas por Hollywood hoje em dia?
McKee - O problema mais avassalador, não só do cinema hollywoodiano, mas da maioria dos criadores hoje, é a ênfase na superfície em relação à substância. Muitos cineastas gastam todas as suas energias criativas aperfeiçoando a fotografia ou os efeitos especiais em vez de escreverem histórias que retratem a rica complexidade da natureza humana.
Folha - E qual é o mercado cinematográfico mais inovador hoje?
McKee - O asiático, em particular o coreano. É a principal exceção no mundo atual. Chineses e coreanos estão hoje definindo novos padrões de excelência para o cinema mundial.
Folha - Você acompanha a produção cinematográfica brasileira?
McKee - Tenho visto filmes brasileiros há décadas, desde obras-primas como "Dona Flor e seus Dois Maridos" e "Pixote - A Lei do Mais Fraco" até os mais recentes, como "Cidade de Deus" e "Central do Brasil". Discuto "O Beijo da Mulher Aranha" como um exemplo soberbo tanto em meu livro como em meus seminários. Todas essas histórias foram lindamente contadas.
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