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21/11/2000 - 04h37

Bortolotto ataca excesso de amor familiar em "Tempo de Trégua"

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VALMIR SANTOS, da Folha de S.Paulo

Uma família estilhaçada pelo amor. Pelo excesso de amor. "Tempo de Trégua", peça que Mário Bortolotto escreveu a toque de caixa, dias atrás, trata, segundo o autor, da hipocrisia familiar que dita o amor incondicional entre pais e filhos, no limite em que um se anula em razão do outro e, ao final das contas, sobram apenas restos humanos.

"É uma espécie de paternalismo excessivo, no qual as pessoas acabam descuidando das suas próprias vidas para cuidarem da alheia, e a sociedade ainda nos obriga a admirar isso, a agradecer eternamente aos pais por isso", afirma Bortolotto, 38, um dos fundadores do grupo Cemitério de Automóveis, há 18 anos, em Londrina (PR), e há cinco radicado em SP.

"Tempo de Trégua" participa hoje do ciclo de leituras promovido pela Folha (leia ao lado). A peça é um embate entre o pai, César (Linneu Dias) e seus três filhos, Maurício (Fábio Araújo), Nando (Bortolotto) e Sheila (Patrícia Franco). A cunhada Lívia (Fernanda D'Umbra), mulher de Maurício, e o primo Luciano (Joeli Pimentel) completam o castelo familiar que rui por meio de diálogos curtos e grossos, literalmente. A direção é do autor.

Como em "Festa de Família" (98), do dinamarquês Thomas Vinterberg, um dos signatários do manifesto cinematográfico Dogma 95 (a que Bortolotto não assistiu), o personagem Nando chega para desestabilizar as relações.
Dispara a metralhadora verbal para todos os lados, mas o alvo é um só: a felicidade politicamente correta. Um exemplo: ao se apresentar para Lívia, que casou escondida com Maurício, Nando dispara: "Aqui em casa somos em quatro irmãos, três você já teve o prazer de conhecer. O quarto é o Constantine, o cão. Não sei se você já viu ele (sic) por aí. Acho que não. É o único dotado de inteligência, por isso se mantém afastado do resto da família".

O filho desgarrado escarnece de todos, ainda que os ame à sua maneira. Após tanta rispidez envolta em lapsos de ternura, até converte o pai à insubmissão: o tradicional almoço familiar de final de ano é substituído por pizza e cerveja, grande ruptura para os padrões e valores cultuados até então.

Bortolotto já escreveu cerca de 30 peças ("perdi a conta"). Publicou boa parte delas em quatro edições independentes. Autor de "Medusa de Rayban" (indicada para o Prêmio Shell de 97), "Diário das Crianças do Velho Quarteirão" e "Nossa Vida Não Vale um Chevrolet", esta em cartaz em São Paulo, ele se define como um dramaturgo que discute os conflitos de geração e de identidade que afligem aqueles que vivem nos grandes centros urbanos.

Na literatura, é influenciado pela verve de Charles Bukowski, Jack Kerouac e Henry Miller. Sua dramaturgia, habitada por personagens marginais, é frequentemente associada à do "maldito" Plínio Marcos (1935-99), de quem é admirador confesso. "Mas é uma associação superficial, de quem não conhece meus textos. O Plínio é MPB, eu sou rock'n'roll", afirma.

"Chevrolet"
Depois da Mostra Cemitério de Automóveis, que apresentou 14 peças durante três meses (até outubro) no Centro Cultural São Paulo, Bortolotto guindou "Nossa Vida Não Vale um Chevrolet" para uma nova temporada, agora no teatro Sérgio Cardoso.

A família também está no olho do furacão em "Chevrolet", peça escrita em 90. Trata da saga dos Castilho, que logo no início enterram o seu patriarca. A família-modelo ameaça se desintegrar, culminando no envolvimento dos três irmãos com a mesma mulher.

"São personagens pequenos, que vivem na periferia e não aspiram a nada na vida", diz Bortolotto. "Chevrolet" segue em cartaz, até 17/12, na sala Paschoal Carlos Magno do teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 0/xx/11/288-0136). Sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h. R$ 10.
 

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