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13/12/2006 - 06h30

"Imprensa é pálida sombra dos 80", diz Simon Reynolds

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ADRIANA FERREIRA SILVA
da Folha de S.Paulo

Simon Reynolds, 43, é representante de uma época em que quem ditava o que seria moda na música eram semanários britânicos como "NME" e "Melody Maker". Autor de livros sobre eletrônica e pós-punk e colaborador de jornais como o "New York Times", o jornalista inglês ganha sua primeira coletânea em português, "Beijar o Céu". Em entrevista à Folha, Reynolds fala sobre a imprensa inglesa, a crítica e o "hype".

Folha - Como você selecionou os textos do livro?

Simon Reynolds - Sugeri uma lista, e meus editores escolheram os que consideravam melhores. Embora o livro se chame "Beijar o Céu", uma referência ao meu amor por psicodelia, os textos escolhidos não são os mais psicodélicos. Tive o cuidado de separar os mais analíticos e claros. Isso não foi uma coisa deliberada, mas acho que foi melhor, porque os artigos mais poéticos não poderiam ser bem traduzidos em outra língua. Também quis escolher artigos que dessem a dimensão do tanto de coisas que tenho escrito, do hip hop ao indie rock. No final, não incluímos nada sobre eletrônica. Há assunto para outro volume.

Folha - Seu livro é um registro de uma "era" que não existe mais, quando as revistas de música determinavam o que seria moda. Como analisa esse período?

Reynolds - Não diria que esse livro é o registro do fim de uma era, mas, certamente, é um documento de uma cultura particular da reportagem sobre música, que surgiu na Inglaterra, no meio dos anos 70, e durou até o início dos 90, baseado em publicações musicais semanais --"NME", "Melody Maker", "Sounds". O inusual é que eles deixavam pessoas muito jovens escreverem. Qualquer um que pudesse escrever ou tivesse atitude ou algum tipo de direção e determinação podia se desenvolver nesse ambiente. Você não precisava de nenhuma lição de jornalismo. Os textos publicados nos semanários musicais do Reino Unido eram híbridos, misturavam crítica, fofoca, sociologia amadora, reportagem emotiva, protesto, prosa poética. Mas isso, nas mãos de mestres --como Barney Hoskyns e Paul Morley, da "NME"--, era incrivelmente viciante. As revistas também eram competitivas entre si, cada uma querendo descobrir novas músicas e criar ideologias, e havia disputas internas. Isso lembra o rap, a maneira como os MCs tentam desclassificar-se entre si, e como eles criam uma personalidade teatralizada. Hoje, há isso nos blogs.

Folha - A crítica musical decaiu?

Reynolds - Sim. A "NME" é uma pálida sombra do que era nos gloriosos anos 80. Há alguns textos mais arriscados --como na "The Wire", em revistas de arte e, é claro, há a internet, blogs e revistas na web, como "Pitchfork" e "Stylus". Mas algo da intensidade e do atrito entre os escritores se perdeu.

Folha - Que elementos deve ter uma boa crítica musical?

Reynolds - Estilo individual. Bom gosto. Fome por música nova e habilidade para apontar o futuro. O crucial é amar a música. Há poucos jornalistas de música que são adeptos de criticar outras críticas. Opções extras: um grande ego, um pouco de agressividade, competitividade e não faz mal ter absorvido um pouco de teoria crítica ou filosofia ou psicologia. E, finalmente, senso de humor.

Folha - Quanto tempo você leva para preparar uma entrevista?

Reynolds - No passado, não levava muito tempo, porque não havia muito material para pesquisar, somente entrevistas que publicitários mandavam, se você tivesse sorte, ou artigos que retirava de revistas, além das gravações. Mas, hoje, há muito mais fontes na web, e é atraente baixar tudo isso e pesquisar um assunto por vários ângulos. A web tem quase forçado um modo de "over pesquisas". É fácil cair nisso, o que, de alguma maneira, leva você a adiar a criação do texto. Sempre me pego pesquisando antes de fazer uma resenha, algo que nunca fazia no início. Costumava somente ouvir uma gravação e, provavelmente, nunca lia o press release, somente respondia ao som.

Folha - Quanto tempo você precisa para ouvir um álbum antes de escrever uma crítica?

Reynolds - Costumo ouvir no mínimo três ou quatro vezes. Isso depende do tamanho da resenha. É possível resenhar coisas em menos tempo, especialmente se você é um escritor de música muito experiente, pode desenvolver rápidas respostas e dizer se algo é realmente bom em pouco tempo. As audições subseqüentes de um álbum só confirmam o que você pensa na primeira e na segunda vez. Seria ótimo se um jornalista de música tivesse a semana inteira para viver cada álbum, mas, na prática, isso não é possível.

Folha - Em que tipo de publicação é possível hoje desenvolver uma boa crítica?

Reynolds - A web é ótima porque é totalmente livre, auto-indulgente e, teoricamente, livre para viajar. O outro lado é que você não pode viver disso. Depois, há publicações como "The Wire", revistas de arte, como "Frieze", "ArtReview" e "Artforum", vários gêneros de revistas especializadas, tanto de música eletrônica quanto de metal, como "Terrorizer" ou "Decibel" --que são boas, mas também não pagam muito. O que é necessário é uma publicação que saísse semanalmente, devotada à música, que permitisse aos escritores se dedicarem a uma idéia por semanas e meses, e também criasse uma troca de pensamentos e de divergências entre os jornalistas. Há isso nos blogs e também em fóruns, como "Dissensus" e "I Love Music", mas é estritamente um hobby, para as horas de lazer, e tem uma certa efemeridade.

Folha - Deste livro, quais foram os textos mais difíceis de escrever?

Reynolds - O capítulo sobre o Joy Division, porque eles eram uma banda importante para mim e era intimidante escrever sobre um grupo que já tinha sido tema de tantas reportagens brilhantes. E também havia um irredutível mistério sobre eles.

Folha - Há algum artista do livro que parou de falar com você?

Reynolds - Morrissey. Não por causa dessa entrevista, que é um pouco elogiosa. Depois, tentei entrevistá-lo para outra publicação, e ele declinou.

Folha - Qual seu texto preferido?

Reynolds - Gosto de todos, é óbvio! O do Morrissey é particularmente querido --os Smiths eram minha banda favorita nos anos 90. Acho que a seleção do [livro] "Sex Revolts" é realmente boa. Me orgulho por, nesta década, ter escrito sobre o grime, do qual, nessa seleção, há apenas um exemplo. Descobri algo que estava realmente no início e expliquei como era importante e excitante. É uma vergonha que o grime não tenha chegado a nós como deveria ter chegado.

Folha - Você já escreveu sobre um tema que as pessoas não deram importância e que, depois, se tornou um "hype"?

Reynolds - Já escrevi sobre certo tipo de música que não tinham muito suporte e a maioria das pessoas continuava achando um lixo mas, então, mais tarde surgiram opiniões dizendo que era o melhor de uma era. O principal exemplo disso são os textos que fiz sobre o hardcore rave, no início dos anos 90 --música que se tornou jungle e drum'n'bass e, em 1995, estava totalmente na moda e era universalmente aceito. Hoje, muito mais pessoas pensam que o hardcore rave era a música mais importante daquela época.

Folha - No passado era muito mais difícil para uma banda se tornar um "hype". Hoje, todo dia surgem Arctic Monkeys, Strokes...

Reynolds - A internet, com seus julgamentos instantâneos, encoraja o ciclo do "hype" a se estender sem controle. Como a música deixou de ser segredo na net, pessoas estão julgando os álbuns meses antes de eles serem lançados. Os fãs têm cópias dos CDs antes deles chegarem às lojas! Existia um elemento disso na antiga imprensa britânica, quando as bandas tentavam sair na capa sem ter feito um single. Mas, hoje, isso se tornou crônico. Bandas têm vidas muito curtas, ao menos enquanto forem "hypes".

Folha - Muitos críticos passam a vida toda escrevendo sobre um estilo. Você escreveu sobre vários...

Reynolds - Escrevo sobre o que atrai meus ouvidos. Acho que isso acontece por ter crescido lendo a "NME". O ideal de crítica é alguém que tem uma visão particular do que está procurando por meio da música, mas encontra exemplos disso em todos os estilos musicais. Felizmente, a música continua mudando, então, você tem de continuar ajustando suas idéias.

Folha - Há alguma editora no Brasil interessada em publicar seus livros?

Reynolds - A Conrad expressou interesse por "Sex Revolts". Não é preciso dizer que eu amaria que "Energy Flash" e "Rip It Up and Start Again" fossem lançados no Brasil, embora ambos sejam bastante longos para uma tradução. 'Energy Flash' se tornará ainda mais longo, porque irei lançar "Energy Flash X-Panded", uma nova edição para o 10º aniversário do livro, e o 20º da cultura rave, que terá capítulos extras cobrindo o desenvolvimento da música eletrônica nos dez anos desde que o livro foi lançado.

Folha - No que você está trabalhando no momento?

Reynolds - Acabei de fazer coletânea britânica cobrindo toda a minha carreira, uma versão dramaticamente ampliada de "Beijar o Chão", chamada de "Bring the Noise: 20 Years of Writting about Hip Rock and Hip-Hop". Estou considerando várias idéias para o próximo livro, sobre as quais não posso falar muito à respeito, porque dá azar.

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