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27/12/2006 - 11h08

Com a morte de Braguinha, perde-se o cancioneiro nacional

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SÉRGIO CABRAL
Especial para a Folha de S.Paulo

Filho do gerente industrial da Fábrica de Tecidos Confiança, em Vila Isabel, Carlos Alberto Ferreira Braga temia que a família não gostasse de sua adesão à música popular. "Coisa de malandro", segundo os padrões da classe média da época, razão pela qual, aos 22 anos, escondeu-se sob o pseudônimo de João de Barro, o pássaro arquiteto, nome adequado para quem queria estudar arquitetura.

A família não faria qualquer objeção à escolha do Carlinhos (como sempre foi chamado pelos parentes), desde que não usasse a música para ganhar dinheiro. E foi assim que Braguinha (como sempre foi chamado pelos amigos) passou a compor marchas e sambas e a fazer parte do Bando de Tangarás, formado por jovens moradores de Vila Isabel.

A decisão de ser amador não era compartilhada pela maioria do grupo, pois apenas ele e Álvaro Miranda, o Alvinho, futuro engenheiro, não precisavam dos cachês dos shows e das apresentações em rádio. Mas, os três outros componentes --Noel Rosa, Almirante (Henrique Foreis Domingues) e Henrique Brito-- não podiam abrir mão do dinheiro. Eram pobres.

A fase de amadorismo acabou quando o pai rompeu com os proprietários da Fábrica Confiança e a família sofreu uma imensa redução do padrão de vida: "Não me lembro de ter sentido calor, em toda a minha infância. Mal iniciava-se o verão no Rio, papai nos mandava para a serra e lá permanecíamos até a volta à aulas", contava Ilka, irmã de Braguinha e viúva de Almirante, já morta.

Sem os rendimentos da fábrica, os Braga mudaram-se para uma casa simples em Jacarepaguá e Braguinha passou a dividir com o pai a chefia da família.

Foi à luta e nos anos 30 era um dos mais férteis e talentosos compositores brasileiros, principalmente na época de Carnaval. Iniciou também a sua luta pelo pagamento dos direitos autorais aos compositores.

Cinema

No início da década de 1930, aceitou o convite do produtor americano Wallace Downey para trabalhar como roteirista de cinema. São de sua autoria os roteiros dos filmes "Alô, Alô, Carnaval", "Estudantes", "Alô, Alô, Brasil", "João Ninguém", "Banana da Terra", "Anastácio", "Laranja da China" e "Abacaxi Azul".

E mais foi: foi o autor da trilha musical de "Beleza do Diabo" e "Eva no Brasil". Na década seguinte, assumiu a direção artística da gravadora Columbia, mais tarde transformada em Continental, provocando uma revolução em nossa música com o lançamento de cantores como Dick Farney, Nora Ney, Marlene, Dóris Monteiro, Jamelão, Jorge Goulart e muitos outros, sem falar na revolução que ele próprio provocou como compositor ao lançar o samba-canção "Copacabana", dele e de Alberto Ribeiro, o parceiro preferido.

E criou o mercado de discos infantis, compondo músicas novas e escrevendo a versão brasileira de obras internacionais, principalmente as trilhas sonoras dos desenhos de Walt Disney. Confessava que essa foi a atividade que mais lhe rendia dinheiro.

Foi o compositor de carreira mais longa no Brasil no final da década de 1920 até os anos 90 e um dos que mais levaram as músicas para o disco. Sempre criou para o Carnaval, mas fez também canções românticas, sambas de todos os tipos, músicas juninas, versões de músicas estrangeiras (foi ele o primeiro compositor no mundo a colocar letra em "Limelight", de Charles Chaplin).

Lembro-me de uma noite da década de 1960, quando atuamos como jurados do festival universitário da TV Tupi, em que fomos jantar no restaurante Fiorentina e ele cantou, a meu pedido, várias músicas suas para o amigo Ziraldo, que também fora jurado do festival.

Cantou tanto tempo e foram tantas as músicas que o famoso cartunista não se conteve: "Ah! Você é que é o tal Cancioneiro Nacional, não é isso?". Com a morte dele, tive a sensação de que morreu o cancioneiro nacional.

P.S.: Ele foi Carlos Alberto Ferreira Braga para o registro civil, Carlinhos para a família, Braguinha para os amigos e João de Barro para a música popular brasileira. Mas quando compôs a marchinha "O Que É Que Há" ("O que é que há com a sua baratinha/ Que não quer funcionar"), temeu ser acusado de imoral. Por isso, inventou uma quinta identidade, Funarius Rufius, nome científico do pássaro João de Barro.

SÉRGIO CABRAL é jornalista e escritor, autor de diversos livros sobre música, entre eles "As Escolas de Samba do Rio de Janeiro" (Lumiar)

Especial
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