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23/11/2000 - 04h42

Livro dá voz a personagens da história da televisão

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MARIO SERGIO CONTI, da Folha de S.Paulo

Um jantar logo mais à noite no Jockey Club de São Paulo celebrará o lançamento de "50 Anos de TV no Brasil", livro editado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni, consultor da Rede Globo de Televisão. Em gestação desde o início do ano, o livro chega amanhã às livrarias.

Ele apresenta os depoimentos de 50 profissionais de televisão. É uma lista eclética. Nela cabem atrizes (Eva Wilma e Lolita Rodrigues), humoristas (Jô Soares e Ronald Golias), autores (Benedito Ruy Barbosa e Manoel Carlos), diretores artísticos (Guel Arraes e Walter Avancini) e administrativos (Jorge Adib e Marluce Dias da Silva). Só não cabem empresários de televisão.

"Nada contra empresários, é claro, mas entendemos que a principal contribuição para o desenvolvimento da nossa televisão tem sido a dos profissionais", explica Edwaldo Pacote no prefácio. "50 Anos de TV" é comemorativo e nostálgico. Muitos dos depoentes lembram com saudade dos anos de aventura, caso de Daniel Filho e da atriz Vida Alves. Outros contam casos engraçados, como os diretores Mario Lucio Vaz e Carlos Manga. Outros são de um egocentrismo lancinante: num eventual torneio Ego de Ouro, haveria empate técnico entre Hebe, Xuxa e Regina Duarte.

Poucas das 50 testemunhas analisam a história da televisão ou pensam os seus problemas. A tendência geral é enaltecer os programas de sucesso, enfatizando a garra e a inventividade dos seus criadores, e deixar de lado os fracassos. A brutalidade da censura, a precariedade dos equipamentos, os maus bofes dos chefes e os baixos salários são rememorados pelo prisma do bom humor.

Ainda assim, "50 Anos de TV no Brasil" é ótimo no todo e fascinante em vários momentos. Ótimo porque o livro funciona como um mural vivo e divertido. Da justaposição dos depoimentos, surge a imagem da TV brasileira segundo a ótica de alguns de seus melhores profissionais.

É uma imagem na qual o idealismo se sobrepõe ou se confunde com a realidade: os depoimentos prezam a inteligência, mas o que o telespectador viu no vídeo há meio século, e vê cada vez mais, é o império do comercialismo, do popularesco, da superficialidade e da ausência de espírito crítico.

Mais de um artista, por exemplo, elogia o "TV de Vanguarda", programa semanal que, durante 16 anos, apresentou ao vivo peças de teatro na Tupi, a emissora de Assis Chateaubriand. Em 1956, foi encenado "Hamlet", que o poeta Guilherme de Almeida resenhou dias depois: "O Shakespeare do Chateaubriand foi patético, mas não foi ridículo".

Apesar do sucesso, a "TV de Vanguarda" não deixou sucessores nem marcas sensíveis na dramaturgia televisiva. Hoje, a televisão, inclusive as emissoras públicas e educativas, abomina o teatro. Para cada "Morte e Vida Severina", há 20 Ratinhos, 30 Ana Marias Braga e 400 novelas.

"Muita gente acha que a nossa televisão não é muito boa", diz o humorista Max Nunes. "A avaliação é preconceituosa e injusta; num país em que o dinheiro não é muito bom, onde o ensino não é muito bom, onde até o governo não é muito bom, porque a TV, que é uma das nossas melhores coisas, teria de ser maravilhosa?"

A pergunta de Max Nunes (que contém uma resposta: o Brasil tem a televisão que merece) dialoga com trechos de outros depoimentos. "Dessa televisão que nós fizemos ninguém gosta, só o povo", diz Lima Duarte. O jornalista Armando Nogueira fala em "monocultura do entretenimento".

Tal como se apresenta hoje, a televisão brasileira parece imutável. Seus formatos são consagrados: novelas, telejornais, filmes, programas infantis com loirinhas erotizadas, desenhos animados, programas de auditório policialescos, programas de entrevistas, sermões evangélicos. Vez ou outra, aparece algo novo, mas geralmente é cópia de alguma fórmula americana. Como "No Limite".

"50 Anos de TV" mostra que esses formatos não caíram do céu. Eles foram produzidos e se consolidaram ao longo dos anos. A cada momento, os profissionais de televisão fizeram as opções que levaram ao atual modelo de programação. Há uma história da televisão, que os depoimentos do livro sugerem. Uma história vista pela perspectiva do vencedor. E o vencedor é a Rede Globo.

Editado por Boni, ex-vice-presidente da Globo ainda funcionalmente ligado a ela, nem por isso o livro é de propaganda da rede.
Honestamente, ele registra que a cobertura da campanha pelas eleições diretas foi feita pela Bandeirantes e pela Manchete, registra o sucesso de programas de concorrentes e dá voz a profissionais de todas as emissoras.

Não há como escapar, contudo, do fato de que a Globo forjou padrões que são imitados e moldam as outras redes. Não é por outro motivo que os depoimentos mais reveladores do livro são de profissionais cujas carreiras se confundem com a da emissora.

São profissionais desconhecidos do grande público: o engenheiro Adilson Malta, responsável pela expansão e planejamento da Globo; Homero Icáza Sánchez, o panamenho que desenvolveu o departamento de pesquisa; e Octavio Florisbal, que incrementou o departamento comercial. São homens que tiveram papel na Globo. Eles entendiam de tecnologia, de audiência e de publicidade. De dinheiro e de negócios.

É a mentalidade empresarial que acaba por se impor, condicionando as opções estética e política da televisão. Do pioneirismo dos anos 50 até hoje, passou-se da improvisação aos controles gerenciais estritos e restritivos.

O meio televisivo mudou junto. Mas não deixou de ser, para usar a fórmula de Luiz Eduardo Borgerth, um dos primeiros diretores administrativos da Globo, "um mundo de coisas e de pessoas, de relações entre coisas e pessoas, um mundo profano, mas idealista, kitsch e sofisticado, mas sempre alegre e movimentado".

Essa tensão entre artesanato artístico e objetivos empresariais, na qual as veleidades do espírito se chocam com a guerra sem princípios pela audiência, está condensada nos dois melhores depoimentos, o do executivo Joe Wallach e o do ator Lima Duarte.

O americano Wallach trabalhava no grupo Time-Life, que o enviou ao Brasil para concretizar a sua sociedade com Roberto Marinho na criação da emissora.

Wallach conta as transações financeiras e dá as cifras da sociedade. Mostra como a emissora se estruturou. Revela quem fez o quê para que a Globo triunfasse. Seu perfil de Roberto Marinho é rico e matizado. É pena que ele não detalhe porque passou a defender mais os interesses da Globo do que os de Time-Life.

A perspectiva de Lima Duarte é bem outra. O ator é um dos cinco remanescentes da transmissão inicial da televisão no Brasil, em 18 de setembro de 1950. Ele inventou um estilo de interpretação televisiva "nacional", dirigiu uma novela inovadora, "Beto Rockfeller", e compôs tipos marcantes de novelas e minisséries. No seu testemunho, ele defende que a televisão brasileira teve origem no rádio, ataca a gente de teatro e da universidade. Defende a TV brasileira tal como ela é.

Malta, Sánchez, Florisbal e Wallach sublinham a importância de Boni para a Globo. Lima Duarte vai além, colocando-o no mesmo patamar do primeiro diretor de TV do Brasil: "José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, um nome definitivo para a televisão moderna, sucedeu, com toda a carga que a palavra contém, a Cassiano Gabus Mendes. Boni não fez um depoimento formal. Preferiu alinhavar e elogiar os profissionais com quem trabalhou. Foi uma atitude simpática. Mas deixou "50 Anos de TV" com uma lacuna, já que ele é a síntese viva da publicidade, da administração e do artesanato televisivo".

Livro: 50 Anos de TV no Brasil
Organização: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho
Editora: Globo Quanto: R$ 79 (328 págs.)
 

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