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17/02/2007 - 02h41

Leia trecho do livro "Três Mulheres de Três PPPs"

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da Folha de S. Paulo

Confira trecho do conto "Duas Vezes com Helena", de Paulo Emilio Sales Gomes, que faz parte do livro "Três Mulheres de Três PPPs".

Não fosse a artrite, nunca mais teria encontrado com Helena. Não cabe iniciar uma história juvenil com alusões ao artritismo, meu e dela, sei muito bem. Mas a verdade é que sem o flagelo, nosso encontro em Águas de São Pedro, trinta anos depois, nunca teria acontecido. Ela, no Pacaembu, eu, em Alto de Pinheiros, usando táxi ou carro particular, não frequentando clubers ou festas, com rods diversas de conhecidos, ambos longe da notoriedade, a probabilidade de cruzarmos era ínfima e durante três décadas isso nunca aconteceu, como se Deus atendesse a súplica ardente que eu fizera aos céus. Se pensarmos contudo numa mulher e num homem depois dos cinqüenta, os dois artríticos, morando em São Paulo e com alguns recursos, é certo que um dia ou outro estariam ao mesmo tempo em Águas, vilarejo onde os reumáticos da burguesia e da classe média reservam seus lugares em dois ou três hotéis principais.

Não reconheci Helena imediatamente quando a vi sentada ao lado do Professor Alberto, tomando a fresca na pequena praça enfeitada com anões coloridos. Ele, reconheci imediatamente, apesar da cabeleira embranquecida e dos óculos modernos que substituíam a armação de tartaruga que pesava antigamente em seu nariz poderoso. Durante anos eu freqüentara o mestre amigo. A vastidão de seus conhecimentos e a maneira de sua inteligência manobrar os materiais acumulados pela cultura fizeram do Professor, quando pude avaliá-lo, o primeiro gênio que a vida me revelou. Primeiro e único, posso dizer hoje, quando penetro na velhice e espero dos vivos mais que a simples multiplicidade de talentos. Ninguém, como o Professor, gostou tanto de mim. Me achava dotado e desde o ginásio orientava minhas leituras emprestando livros e prolongando o desvelo quando na Faculdade procurei ingenuamente aprofundar o gosto pelas letras, idéias e artes que teimara em me incutir. Cuidava de minha formação em todos os terrenos, conheceu e aprovou todas as minhas namoradas, inclusive a primeira amante mais ou menos profissional. Foi quema arranjou para mim uma bolso de estudos na Europa, organizando com método, ele que nunca viajara, os itinerários e a lista de visitas indispensáveis: a quadra do cemitério de Montparnasse, onde está enterrado Baudelaire, o número exato da Rua Monsieur Le Prince, onde morou Auguste Comte e o endereço da Biblioteca Vaticana de Milão que conserva desenhos poucos conhecidos de Leonardo.
 

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