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01/03/2007 - 03h00

Leia capítulo do livro dos chefs Sergio e Javier Torres

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da Folha de S. Paulo

Escritas pelo jornalista Luiz Horta, essas e outras histórias de viagem estão em "Brasil a Dois -Encontro da Gastronomia Catalã com a Brasileira", livro recém-lançado pela editora Senac (R$ 60; 171 págs.).

Leia, a seguir, o primeiro capítulo da publicação, além de duas receitas.

"ENCONTRO DA GASTRONOMIA CATALÃ COM A BRASILEIRA

Já podemos dizer que a tarefa está terminada..."
Shakespeare, Hamlet, sobre Rosencrantz e Guildenstern

A palavra da moda é terroir, que significa, mais ou menos, o território, o solo, o lugar de onde uma pessoa vem e ao qual pertence, suas influências e sabores, o sino da igreja, o chão de pedra, o gosto da água, uma andorinha que passa voando ou aquele urubu lá no alto. Cada pessoa tem o seu, como o têm os vinhos. Mas e quando dois terroirs se misturam? Ou quando um terroir vem visitar outro? O da Catalunha, situada no Nordeste da Espanha, é feito de uma terra de cascalho, dura e difícil, e o do Brasil, este imenso universo, que nem mesmo os brasileiros conhecem inteiramente, é uma mistura de tudo. O choque é inevitável. Será? Talvez do encontro e da formação de um novo terreno possamos ter um novo lugar imaginário, a leitura do Brasil feita pelas receitas de chefs de cozinha catalães, pois como diz um grande poeta, Josep Pla, autor de vários livros preciosos sobre a comida da Catalunha: "Sempre he cregut que la taula és un element decisiu de sociabilitat i de tolerància", a mesa é para que nos entendamos e tenhamos tolerância, nada mais é necessário.

PERSONAGENS - DOIS IRMÃOS (GÊMEOS):
Sergio, elétrico, mercurial, intempestivo, um pouco árido e um pouco
marítimo como Javea, onde vive;
Javier, pensativo, retraído, reflexivo, com um caráter da montanha,
semelhante à paisagem do Montseny, onde vive.

DOIS LUGARES:
O Brasil, gigante de produtos, fera indomável, que se oferece ao visitante seduzindo, mas ocultando-se. O Brasil é como um pequi _é preciso tempo e trabalho para entender uma coisa tão simples quanto um pequi_, amarelo e carnudo, atraente por fora e com pequenos espinhos por dentro, defesa e mistério, e para quem consegue sobreviver às duas coisas - à delícia da carne e ao risco dos espinhos - uma castanha pequena, deliciosa e nutritiva no meio, de onde São Paulo se sobressai como síntese de todos os cantos do país. A Catalunha, país dentro de um país, cultura resistente, mistura de mar e montanha, milenar, capaz de surpreender com uma culinária tão elaborada, de onde saem cozinheiros que mudam o mundo, como Ferran Adrià, mas ao mesmo tempo passível de ser resumida numa coisa tão simples quanto um pá amb tómaquet, e que tem na sua charmosa capital, Barcelona, sua vitrine.

GÊMEOS "MODO DE USAR"
Todo mundo é gêmeo de todo mundo, se pensarmos bem. Mas alguns são de verdade, oficialmente, nascidos do mesmo ventre. Gêmeos são sempre fascinantes, pois representam uma sociedade formada na barriga da mãe, nascidos quase na mesma hora, no mesmo dia, no mesmo lugar. Alguns são muito parecidos, quase idênticos. E alguns, ainda, para aumentar a confusão, andam vestidos da mesma maneira e têm a mesma profissão. Nossos
gêmeos, os Torres, são desse tipo: decidiram já na infância ser cozinheiros. E o são, o que os faz andar de uniforme. Mas ao contrário dos falsos gêmeos, como nós todos, humanos, eles vão se tornando diferentes com a vida, cada um seguindo um rumo paralelo mas pessoal, com seu temperamento e os caprichos que a existência coloca em cada um, uma cicatriz aqui, uma pinta ali, os amores distintos...

Dos gêmeos dizem que sabem muito, porque pensam com duas cabeças, simultaneamente. Por isso, talvez, os gêmeos Torres já tivessem a certeza de sua vocação para a cozinha aos 4 anos de idade, vendo a avó na faina diária de picar, trinchar, estufar, verbos tão raros que usamos somente na transformação do que é bruto em delicadezas para a refeição. Cada vez que a avó colocava um prato mais estupendo à mesa e os chamava para comer, eles se sentiam mais cozinheiros, mais atraídos para essa paixão de vida inteira. Convém explicar que havia duas avós: a avó semanal e a avó diária, a que cozinhava para eles no modelo familiar catalão, em que se compra tudo fresco e na quantidade do dia, as senhoras puxando seus carrinhos antes do almoço e antes do jantar para fazer a comida do momento. Era essa a avó que ensinava os modos, a boa educação, a língua, e trabalhava as cores para a comida ficar atraente para os meninos inapetentes (não os gêmeos, mas seus irmãos, como veremos mais adiante). A outra avó, a semanal _que se visitava no final de semana e cuja casa mais distante era sempre mais misteriosa, aberta só nesses dias para os netos, com salas fechadas, armários de coisas desconhecidas, território do oculto_, era mais burguesa e servia com estilo a grande cozinha de todos os tempos, os cozidos monumentais, o fricandó que parece atravessar os séculos, tudo em impecável serviço e com rito e protocolo, talheres e pratos diferentes, copos de diversas utilidades. Ai dos gêmeos se não comessem algo: esta avó do Antigo Testamento, muito mais severa e austera, diferia bastante da avó bondosa do cotidiano. Entretanto, ambas somadas faziam um compêndio inteiro do que é a cozinha da Catalunha e formavam, sem querer e sem saber, a cabeça bifronte dos gêmeos, divididos ainda hoje entre a tradição e a modernidade.

Com a morte prematura da mãe, os outros dois irmãos, como já foi dito, passaram a não comer direito, mas os gêmeos comiam tão bem que foram levados ao médico, numa repetida história da família, que até hoje rende gargalhadas nos encontros festivos, para ver se tinham solitária ou algum verme, afinal, qual a origem de tanto apetite? É que os dois já tinham chegado à conclusão de que queriam ser cozinheiros, e o apetite vinha mais da curiosidade do que da fome. O pai queria vê-los pilotos de avião, ficou contrariado, não queria dar permissão para que seguissem a carreira escolhida. Mas venceram com a ajuda das avós, num entendimento entre pessoas que encontram a felicidade nas panelas. Em lugar de jogadores de futebol ou corredores de fórmula 1, o seu grande ídolo era Bocuse. Aos 14 anos, vitoriosos na disputa interna com o pai, vão para a escola, apesar da dificuldade em serem aceitos, afinal, eram crianças demais, e ali aprendem os fundamentos da cozinha catalã e flertam com a francesa. Claro que são submetidos aos rituais de iniciação do ofício - lavar panelas enormes, muito maiores que eles próprios. É a partir daí que, através da pura observação, aprendem as bases da cozinha, os fundos, os molhos clássicos, o béarnaise, o bechamel, ficam sabendo que um consommé não é um caldinho de tablete, mas algo demorado e elaborado na sua simplicidade. Aprendem principalmente as duas palavras-chave: disciplina e rigor. Trabalharam bastante tempo de graça, para poder observar e estar dentro de uma cozinha profissional.
Terminado esse estágio, Javier é levado pelo pai (não podia ir sozinho) a Alicante para trabalhar com um chef alemão que dirigia um restaurante de duas estrelas. Nunca se esqueceu desse alemão que entrava diariamente em desespero, chorando, caindo de joelhos e gritando, jogando as panelas de cobre contra a parede e suplicando: "Oh meu Deus, me ajude", e tudo por um prato imperfeito... Foi a imagem mais crua do sacrifício diário que é cozinhar. Na mesma época Sergio passou pelo Neichel e pelo Reno, dois importantes restaurantes barceloneses da época. Ali desfilavam travessas soberbas com patês coloridos, filés Wellington, molhos
clássicos riquíssimos. Foi um aprendizado definitivo de humildade, humanidade e sacrifício, a cozinha os educou em todos os sentidos. Sempre olhavam para um lugar e cismavam que iam trabalhar ali, apresentavam-se, eram quase sempre rechaçados, mas insistiam, prometiam e cumpriam a palavra de que eram muito
trabalhadores, e foram passando por diversas cozinhas da Espanha e da França. "Nosso melhor cartão de apresentação sempre foi nosso esforço", dizem. E com isso conseguiram não só trabalhar como comer os menus de degustação de grandes chefs, que entendiam o interesse daqueles meninotes. Já adultos, e cozinheiros,
tomaram rumos distintos, embora, como se verá, com a cabeça em perfeita sintonia. A aviação comercial perdeu dois pilotos, mas a gastronomia ganhou dois grandes cozinheiros."

Divulgação
Salada de palmito pupunha, bacalhau e feijão-fradinho
Salada de palmito pupunha, bacalhau e feijão-fradinho
SALADA DE PALMITO PUPUNHA, BACALHAU E FEIJÃO-FRADINHO
Serve: 4 pessoas

INGREDIENTES
2 kg de palmito pupunha inteiro, na casca
50 g de pimentão vermelho
200 g de bacalhau em posta demolhado
80 g de feijão-fradinho
15 g de cebolinha verde picada (reservar 1 talo para decorar)
50 ml de azeite de oliva
20 ml de vinagre de vinho branco
sal a gosto

MODO DE PREPARO
Cortar o palmito em 4 partes, preservando a casca. Cavar a
polpa, cortar em cubos pequenos e cozer em água com um pouco
de sal e 1 colher de vinagre. Cozinhar os feijões até que estejam
macios e firmes. Cortar o bacalhau e o pimentão em cubos e a
cebolinha verde em rodelas finas. Misturar todos os ingredientes e
temperar com o sal, o azeite e o resto do vinagre. Servir dentro da
casca do palmito decorada com um talo de cebolinha.

Divulgação
Guisado de rabo de boi com coco verde
Guisado de rabo de boi com coco verde
GUISADO DE RABO DE BOI COM COCO VERDE
(RABADA COM COCO VERDE)
Serve 5 pessoas

INGREDIENTES
PARA A MARINADA
1,5 l de vinho tinto seco (2 garrafas)
150 g de cenoura em brunoise (cubinhos)
80 g de cebola em brunoise
3 folhas de louro
2 ramos de tomilho
50 g de alho-poró
50 g de salsão

PARA A CARNE
1,2 kg de rabo de boi em pedaços
1 l de caldo de galinha
700 ml de vinho tinto seco
polpa de 1 coco verde (reservar 200 ml da água-de-coco)
50 g de coco seco ralado
farinha de trigo quanto baste
óleo para fritar

MODO DE PREPARO
Marinar o rabo de boi por 24 horas. Extrair a água do coco verde
e reservar. Abrir o coco ao meio, raspar a polpa e reservar. Passar os
pedaços do rabo de boi na farinha de trigo, fritar em óleo até corar,
acrescentar a garrafa de vinho, o caldo de galinha, a polpa do coco
verde e cozinhar até a carne começar a se soltar do osso. Reservar a
carne e reduzir o caldo até encorpar. Colocar novamente a carne no
molho e finalizar o prato acrescentando a água-de-coco e o coco ralado.
 

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