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12/05/2007 - 02h29

Confira trecho do livro "O Mundo que Virá"

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da Folha de S.Paulo

Leia trecho de "O Mundo que Virá", de Dara Horn, que está sendo lançado pela editora Nova Fronteira.




Havia muitas famílias como os Ziskinds, famílias cujos membros sempre souberam que suas vidas não pertenciam exclusivamente a eles. Famílias assim ainda existem, mas como são tão raras tornaram-se insulares, isoladas, sua concepção da família como o centro do Universo estendendo-se a ponto de acreditar que nada além dela vale alguma coisa. Se você pertence a uma dessas famílias, você acredita e sempre vai acreditar nisso.

Nos últimos tempos, Benjamim Ziskind começou a achar que o mundo inteiro estava morto, que ele era um cidadão de uma necrópole. Enquanto seus pais estavam vivos, Ben só pensava neles quando tinha algum motivo, quando estava falando com eles ou sobre eles, ou quando planejava alguma coisa que os envolvesse. Mas agora eles estavam sempre aqui, presentes de novo a toda hora. Ele os via nas ruas, sempre de costas, ou virando uma esquina; seu pai sentado no táxi amarelo-ouro perto do dele, escorregando para o outro lado do banco quando o carro virava na direção oposta; sua mãe --morta já há seis meses, embora a sensação fosse de que se passara apenas uma longa noite --correndo pela calçada numa manhã de domingo, entrando numa loja na hora exata em que Ben chegava perto o suficiente para ver o seu rosto. Era um alívio para Ben poder fechar a porta do seu escritório.

Ben era redator em tempo integral de perguntas para o quiz show "Gênio americano", no qual trabalhava há sete anos. No início, ele adorava o emprego. Adorava a excitação de trabalhar para a televisão, adorava contar às pessoas que trabalhava num canal de TV, adorava bolar novas perguntas, adorava imaginar o próximo concorrente que deixaria confuso. Sonhava secretamente com o dia em que se tornaria ele mesmo o apresentador do programa. O fato de ter pouco menos de um metro e setenta, pesar 56 quilos, ter voz monótona e ser literalmente cego sem os óculos nunca lhe pareceu um impedimento para atingir o seu objetivo, mesmo sabendo que a única razão para a maioria das pessoas assistirem ao "Gênio americano" era Morgan Finnegan, o apresentador texano bonitão, ruivo, engraçado, charmoso e --Ben notara com o passar do tempo-- intelectualmente desqualificado. Mas até completar trinta anos, poucos meses antes, Ben mantivera inteira fé na lógica. Se ele, Benjamim Ziskind, era a pessoa mais inteligente da equipe, essa qualidade mais dia menos dia seria recompensada. Sua especialidade era a categoria mais-mil-dólares, perguntas que só mesmo os verdadeiros campeões conseguiam responder. Nos últimos meses, no entanto, suas perguntas estavam sendo sistematicamente rejeitadas, e agora elas se entrelaçavam na sua cabeça com perguntas que fazia a si mesmo:

Qual aclamado escritor russo, autor de Contos de Odessa e A Cavalaria Vermelha, foi executado em 1940 sob falsa acusação de traição?

Em quais dos seguintes incidentes ocorridos no ano passado Nina mentiu quando disse que me amava?

Qual batalha da Guerra do Vietnã em 1965, apelidada de Operação Starlite, foi bem-sucedida o suficiente para inspirar o Pentágono a mandar mais mil fuzileiros para a guerra?

Durante quanto tempo dos 11 meses do nosso breve e patético casamento ela estava de fato dormindo com outra pessoa?

Quantos soldados americanos foram mutilados em combate desde o fim da Segunda Guerra Mundial?

Dentre os homens americanos que têm irmãs gêmeas, que percentual deles tem tanto ciúme delas quanto eu tenho de Sara?

Quando Sara vender a casa de nossos pais, o que restará deles?

Qual a probabilidade de meus pais mortos estarem decepcionados comigo?

Ben não tentava responder a estas perguntas. Nos últimos seis meses, tinha restringido a sua vida às poucas coisas que ainda lhe pertenciam: seu trabalho lamentável, sua irmã gêmea, o apartamento que sua ex-mulher tinha despido de quase todos os móveis, e uma pilha de livros infantis ilustrados escritos por sua mãe. E, com o roubo da noite passada, uma pintura de um milhão de dólares de Marc Chagall.

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