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16/12/2000 - 05h30

Konder se emociona no apagar das luzes e busca emprego

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MARCELO RUBENS PAIVA, da Folha de S.Paulo

O ar estava carregado no prédio da rua Frei Caneca, 1.402 (região da av. Paulista), sede da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Um silêncio taciturno regia o estado de espírito desde a portaria.
Funcionários andavam cabisbaixos. Muitos tinham os olhos vermelhos.

Horas antes de receber a Folha, o jornalista Rodolfo Konder, 62, que comandou a secretaria por oito anos, reunira o seu staff para se despedir. O ex-militante do PCB, exilado duas vezes, em 1964 e em 1975, ano em que foi preso e torturado no prédio do DOI/Codi, em São Paulo, imaginava-se escaldado em emoções fortes.

Na entrevista, os olhos azuis do secretário também ficaram vermelhos. Encharcavam-se, por vezes. Não chegaram a verter lágrimas. Foi um choro contido, no apagar das luzes.

Poucos estiveram tanto tempo na secretaria que comanda 3.000 funcionários, um orçamento anual de R$ 107 milhões, três orquestras, dois corais, um corpo de baile e ainda administra 11 teatros, incluindo o Teatro Municipal, 64 bibliotecas, o Centro Cultural São Paulo, casas de cultura, produz 2.000 microeventos mensais e desloca dinheiro de uma lei de incentivo municipal que movimenta R$ 40 milhões por ano.

Konder, ex-presidente da seção brasileira da Anistia Internacional, resistiu à indignação de amigos por ter aceito o convite de Paulo Maluf, em 1993, para ser o seu secretário da Cultura, interrompendo a carreira de apresentador do telejornalismo da TV Cultura, trocando um salário líquido aproximado de R$ 8.000 por outro de R$ 3.600.

Resistiu, ainda, ao racha entre Maluf e seu sucessor, Celso Pitta. Resistiu aos escândalos de corrupção e ao impeachment judicial do prefeito. Chegou a ficar alguns dias fora do cargo, quando assumiu a secretaria, entre maio e junho deste ano, o diretor de TV Nilton Travesso. Agora, ele procura emprego, enquanto lança o livro "Hóspede da Solidão" (Global, 192 páginas, R$ 22), o 12º do jornalista, uma reunião de crônicas publicadas no jornal "O Estado de São Paulo".

Sua maior frustração foi não ver aprovado o projeto de lei que transforma o Teatro Municipal e o Centro Cultural em fundações. Sua herança, diz, são as parcerias que estabeleceu com a iniciativa privada, abrindo o leque de investimentos culturais.

Folha - Tem uma frase que é atribuída ao senhor: "Trabalhei com o Maluf e não virei malufista, trabalhei com o Pitta e não virei salafrário". O que quis dizer?
Rodolfo Konder -
A simplificação sempre empobrece o pensamento da gente. Eu estava conversando com jornalistas. Nem era uma entrevista. Eu não disse com essas palavras. Disse que mantive a minha autonomia, que, apesar de todas as denúncias que envolveram a administração Pitta, eu nunca fui envolvido nem tinha processos. Eu não virei um pilantra. E o Pitta, conosco, foi muito correto.

Folha - A sua imagem foi arranhada devido às denúncias?
Konder -
Não tenho planos de voltar ao setor público. Estamos saindo daqui de cabeça erguida. Amigos meus do PT sabem que não vim para cá para meter a mão. Procuramos prestar um serviço à população, democratizar a cultura; 90% dos nossos eventos são de graça. Provavelmente, os sectários, e eu já fui um sectário à época do PCB, podem me execrar.

Folha - O senhor está triste, emocionado?
Konder -
Tenho um grupo que me acompanhou. São meus amigos, hoje, e estou preocupado com eles. Vou ficar desempregado. Vou procurar emprego e vou ver como está a minha imagem. Enfrentar a burocracia, os setores que conspiram contra mudança, nos deixa cansados. Estou ficando velho, com artrose nos dois joelhos. Aqui, é uma batalha diária. Já estava na hora de procurarmos um novo capítulo.

Folha - O senhor está inseguro?
Konder -
Sinto-me inseguro. O que vai ser da minha vida? Nos dois exílios, fiquei inseguro. Mas, agora, estou mais velho. A resistência é menor, não consigo dormir direito, fico mais angustiado.

Folha - Ficou satisfeito após oito anos de administração?
Konder -
O Estado não consegue mais atender às necessidades da área da educação e da saúde, como vai atender à cultura? Tem de ter otimismo da vontade. Querer fazer. Dei liberdade para as pessoas. Elas se sentiram co-responsáveis. Duvido que alguém tenha dado mais liberdade, aqui dentro, do que eu.

Folha - Como compara suas gestões Maluf e Pitta?
Konder -
Um fato importante é que eu não queria o cargo. O Maluf acorda muito cedo. Antes, eu acordava tarde. Detesto acordar cedo. Sob certos aspectos, minha vida piorou muito. Eu tinha menos preocupações e responsabilidades. O Maluf nunca interferiu. Votei no Maluf na última eleição. Ele foi corretíssimo conosco. Na gestão do Pitta, as coisas se deterioraram em termos de finanças. Fiquei um período enorme sem comprar livros. Nosso orçamento não era respeitado. O Pitta nunca nos negou apoio, mas sofremos perdas de qualidade. No começo, fizemos oito óperas por ano. Depois, tivemos de procurar parceiros, que nem sempre querem fazer coisas mais ousadas.

Folha - A parceria com o teatro Alfa é muito criticada, pois a mesma ópera é encenada no Municipal com seis meses de atraso.
Konder -
Mas reduziu muito os custos. Ou a gente fazia ou não fazia.

Folha - Isso não relegou o Municipal a um segundo plano?
Konder -
Nestes oito anos, implantamos uma política que estimulou parcerias, aproximou a atividade cultural com a economia. Antes, o lucro era considerado uma mancha que estragava a arte. A economia da cultura pode ser um ramo importante. Os grandes shows do parque (Ibirapuera) também são parcerias. O Municipal não está abandonado. Há várias instituições cuja ação a gente estimula e dá dinheiro. Contribuímos para o boom cultural que São Paulo viveu nestes anos.

Folha - Por que o senhor não conseguiu transformar o Teatro Municipal e o Centro Cultural em fundações?
Konder -
Esse tema foi transformado num debate político e ideológico. A gestão do PT também propôs as fundações de bibliotecas, do Teatro Municipal e do Centro Cultural. Seriam fundações de origem pública, regidas pela iniciativa privada. O Municipal não seria entregue a ninguém e continuaria regido pela prefeitura. Não consegui aprovar por ingenuidade. O projeto passa por várias instâncias e ficou engavetado, esquecido. Era sabotado internamente.

Folha - Por quem?
Konder -
Havia oposição a esse projeto na prefeitura. Qualquer coisa que se queira tirar do organismo público é visto como mutilador. Alguns funcionários achavam que iam perder a estabilidade. Ficaram com medo de perder essa boquinha, essa mamata, porque alguns não querem trabalhar. Os funcionários antigos continuariam com estabilidade, apesar de eu ser contra. Os novos é que seriam contratados pela CLT.

Folha - Mas o senhor tentou aprovar esse projeto agora, o que levantou críticas, já que o Pitta teria controle sobre o Municipal até 2005.
Konder -
O projeto só andou no último ano da gestão do Pitta, pois foi quando entrou o Deniz (Ferreira Ribeiro) na Secretaria das Finanças. O processo, que estava engavetado, avançou. Claro, o Pitta é que iria montar a fundação. Depende de como as coisas são feitas.

Folha - Mas quem escolheria o presidente da fundação?
Konder -
A administração Pitta.

Folha - Então, o Pitta teria controle sobre o Municipal mesmo fora do cargo?
Konder -
Poderia. Mas a idéia era fazer um conselho acima de qualquer suspeita. E, se houvesse manipulação, a sociedade iria pressionar.

Folha - No balanço publicado em anúncios nos jornais, o senhor afirma que o Centro Cultural está pronto. Não é um exagero, já que o porão está ainda incompleto?
Konder -
Temos ainda algumas coisas que estão sendo feitas no porão, mas o Centro Cultural está em funcionamento. Quando a gente chegou, estava inacabado. Os teatros, a biblioteca, a gibiteca e o cinema estão funcionando. Construímos uma sala de vídeo. Construímos uma sala climatizada para armazenar material. Mudaram o piso. Fizemos muitas obras. Botamos o Centro Cultural 100% em funcionamento, por isso dissemos que o terminamos.

Folha - Vocês dizem que o Centro Cultural recebe 100 mil pessoas por mês. Isso dá o equivalente a 3.333 pessoas por dia. É mais que um DirecTV Music Hall lotado. Não estão superestimando o número?
Konder -
O número nos foi passado pelo pessoal do Centro Cultural.

Folha - Vocês fizeram uma administração mais voltada para a elite do que para a periferia?
Konder -
Promovemos o uso dos equipamentos espalhados pela cidade. Levar cultura para a periferia é mais complicado. É mais eficiente manter programas regulares.
 

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