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24/01/2001
-
03h41
SÉRGIO DÁVILA, da Folha de S.Paulo
Finalmente um filme brasileiro em festival estrangeiro que não trata de fome, menores abandonados e desmandos federais. A estréia mundial de "Amores Possíveis", da cineasta Sandra Werneck, exibido anteontem no Festival de Cinema de Sundance, foi como brisa leve numa platéia acostumada a uma cinematografia monotemática.
Não que um país deva mascarar sua realidade ou brigar com os fatos. Aí está o pungente documentário "A Guerra dos Meninos", da própria Sandra Werneck, fazendo seu papel. O problema é quando o tema de quase todos os filmes produzidos por uma geração passa a ser dogmático.
"Tenho orgulho de ter feito uma obra que mostra outros lados do Brasil, que fala de sentimentos humanos que existem em todos os lugares", disse a diretora após a exibição, bem recebida pelo público. O filme será avaliado hoje pela imprensa estrangeira e faz parte da mostra paralela Cinema Mundial do festival.
Essa comédia romântica é mais ousada do que sua outra incursão no gênero, "Pequeno Dicionário Amoroso", de 1997. Primeiro, pelo roteiro, de Paulo Halm, que mistura histórias e cronologias à Tarantino. Depois, pela presença de um casal gay não caricatural.
Sandra Werneck prepara seu próximo título, ainda no primeiro tratamento do roteiro. Deve ser uma "história de sentimentos", como definiu. Assim, concluirá o que chama de "a trilogia do comportamento".
Furo
"Amores Possíveis" começa com um furo. Não na história, mas na vida do personagem principal, o universitário Carlos (Murilo Benício), que marca de ir ao cinema com Julia (Carolina Ferraz), por quem é apaixonado.
Ela não aparece, eis o "start". São apresentadas então três versões do que poderia acontecer na vida do sujeito 15 anos depois, com os prós e os contras de cada cenário. Numa delas, ele é um advogado careta e malcasado, que acaba tendo um caso com Julia, que reaparece.
Na segunda, depois de ter um filho com Julia, descasou-se e virou gay. Na terceira, continua o mesmo garotão de 15 anos atrás, que vive com a mãe e sai com todas as menininhas. Os três enredos se entrelaçam no final, na platéia de um cinema, no filme que é exibido ali e na própria platéia de "Amores Possíveis".
O elenco não poderia ser mais feliz, à exceção de Beth Goulart, que destoa. Murilo Benício ("Os Matadores") mostra por que é o melhor ator brasileiro de sua geração ao se desdobrar nos papéis, todos convincentes, o de homossexual tardio e quase arrependido o mais bem-acabado entre eles.
Ele era o que se salvava no péssimo "Woman on Top", que lançou Penélope Cruz nos EUA para o público que não vai a festivais. Espera-se que Carolina Ferraz tenha a mesma sorte (com o detalhe de que ela é melhor do que a medíocre amante latina atual de Hollywood). Não à-toa, Carlos Reichenbach a colocou como musa de "Alma Corsária", estréia dela no cinema.
Brilho
Entre os personagens secundários, brilha o alter ego do dramaturgo Mauro Rasi, o ator Emílio de Mello, aqui como o amigo/parceiro gay das três histórias, e a segura Irene Ravache, hilariante na pele de mãe ultraprotetora com pitadas de Jocasta.
A história (ou as histórias) poderia ser mais ágil e dinâmica, embora seja corajosa a opção de basear a diferença das narrativas exclusivamente no figurino e na maquiagem dos atores.
Mas é na delicada movimentação de câmera e no uso preciso da fotografia de Walter Carvalho que o filme cresce, amparado ainda pela boa trilha sonora, de mais de 20 músicas, entre elas "Dueto", originalmente na voz de Nara Leão e aqui regravada por Chico Buarque e Zizi Possi.
"Amores Possíveis" custou R$ 1,8 milhão. Não vai revolucionar nem o cinema de Ipanema, quanto mais o mundial. Que bom se outros filmes despretensiosos assim fossem produzidos no Brasil.
"Amores Possíveis" chega como brisa leve em Sundance
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Finalmente um filme brasileiro em festival estrangeiro que não trata de fome, menores abandonados e desmandos federais. A estréia mundial de "Amores Possíveis", da cineasta Sandra Werneck, exibido anteontem no Festival de Cinema de Sundance, foi como brisa leve numa platéia acostumada a uma cinematografia monotemática.
Não que um país deva mascarar sua realidade ou brigar com os fatos. Aí está o pungente documentário "A Guerra dos Meninos", da própria Sandra Werneck, fazendo seu papel. O problema é quando o tema de quase todos os filmes produzidos por uma geração passa a ser dogmático.
"Tenho orgulho de ter feito uma obra que mostra outros lados do Brasil, que fala de sentimentos humanos que existem em todos os lugares", disse a diretora após a exibição, bem recebida pelo público. O filme será avaliado hoje pela imprensa estrangeira e faz parte da mostra paralela Cinema Mundial do festival.
Essa comédia romântica é mais ousada do que sua outra incursão no gênero, "Pequeno Dicionário Amoroso", de 1997. Primeiro, pelo roteiro, de Paulo Halm, que mistura histórias e cronologias à Tarantino. Depois, pela presença de um casal gay não caricatural.
Sandra Werneck prepara seu próximo título, ainda no primeiro tratamento do roteiro. Deve ser uma "história de sentimentos", como definiu. Assim, concluirá o que chama de "a trilogia do comportamento".
Furo
"Amores Possíveis" começa com um furo. Não na história, mas na vida do personagem principal, o universitário Carlos (Murilo Benício), que marca de ir ao cinema com Julia (Carolina Ferraz), por quem é apaixonado.
Ela não aparece, eis o "start". São apresentadas então três versões do que poderia acontecer na vida do sujeito 15 anos depois, com os prós e os contras de cada cenário. Numa delas, ele é um advogado careta e malcasado, que acaba tendo um caso com Julia, que reaparece.
Na segunda, depois de ter um filho com Julia, descasou-se e virou gay. Na terceira, continua o mesmo garotão de 15 anos atrás, que vive com a mãe e sai com todas as menininhas. Os três enredos se entrelaçam no final, na platéia de um cinema, no filme que é exibido ali e na própria platéia de "Amores Possíveis".
O elenco não poderia ser mais feliz, à exceção de Beth Goulart, que destoa. Murilo Benício ("Os Matadores") mostra por que é o melhor ator brasileiro de sua geração ao se desdobrar nos papéis, todos convincentes, o de homossexual tardio e quase arrependido o mais bem-acabado entre eles.
Ele era o que se salvava no péssimo "Woman on Top", que lançou Penélope Cruz nos EUA para o público que não vai a festivais. Espera-se que Carolina Ferraz tenha a mesma sorte (com o detalhe de que ela é melhor do que a medíocre amante latina atual de Hollywood). Não à-toa, Carlos Reichenbach a colocou como musa de "Alma Corsária", estréia dela no cinema.
Brilho
Entre os personagens secundários, brilha o alter ego do dramaturgo Mauro Rasi, o ator Emílio de Mello, aqui como o amigo/parceiro gay das três histórias, e a segura Irene Ravache, hilariante na pele de mãe ultraprotetora com pitadas de Jocasta.
A história (ou as histórias) poderia ser mais ágil e dinâmica, embora seja corajosa a opção de basear a diferença das narrativas exclusivamente no figurino e na maquiagem dos atores.
Mas é na delicada movimentação de câmera e no uso preciso da fotografia de Walter Carvalho que o filme cresce, amparado ainda pela boa trilha sonora, de mais de 20 músicas, entre elas "Dueto", originalmente na voz de Nara Leão e aqui regravada por Chico Buarque e Zizi Possi.
"Amores Possíveis" custou R$ 1,8 milhão. Não vai revolucionar nem o cinema de Ipanema, quanto mais o mundial. Que bom se outros filmes despretensiosos assim fossem produzidos no Brasil.
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