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29/01/2001 - 11h53

Crítica: AfroReggae encena a nova geléia geral brasileira

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

É intenso e impressionante o início do CD "Nova Cara", lançamento de estréia do AfroReggae, banda inserida no grupo cultural de mesmo nome, formado na favela de Vigário Geral (RJ).

"Som de V.G." começa com ruídos suburbanos cotidianos, enquanto uma melodia mansa e charmosa vai insinuando: "Tinha um som que imperava em Vigário Geral". Talvez o som seja o das rajadas de metralhadoras, da guerra civil que os meninos da banda acostumaram-se a vivenciar.

Subdividida em seções, a canção encena o tiroteio. Um heavy-rap anuncia a utópica troca de tais "ruídos" pelo novo som de Vigário Geral -a música deles, por certo. Impressionante.

Não é nada de novo para quem já conhece a braveza de Racionais MC's, SNZ e Xis, no âmbito paulista, ou de O Rappa e (mais leve) Planet Hemp, no carioca.

A temática é aparentada e padece de dilema já histórico no rap, o da verborragia: "Chega de blablablá", bradam em "Poesia Orgânica", fazendo blablablá.

O novo em "Nova Cara" é que já não se trata mais de rap, mas de uma equação complexa que anexa pencas de gêneros, dos citados no nome da banda a funk suburbano ("Explosão do Rio"), capoeira ("Hino do Abadá"), embolada e mangue beat ("Iguais Sobrepondo Iguais"), até balada tipo Peninha ("Meus Telefonemas"). A liquidificação é a norma.

Não reina mais aqui o rap americanizado das periferias paulistanas nem o vigorosíssimo funk safado carioca (cada vez mais imponente nestes dias) nem ao menos a cultura axé baiana. É uma salada disso tudo, brilhantemente composta em trechos do CD ("Conflitos Urbanos", "Hino do Abadá/ Tem Que Ter Moral"), mas apenas renitente em vários outros.

As coisas vão se complicando: esse "novo" feito de salada pouco tem de novo e vai cada vez mais sendo determinado por lógicas de mercado. Se nomes polêmicos da geração 90 se impuseram à força, o AfroReggae chega apoiado por arsenal teórico antigo.

Caetano Veloso, diretor musical de "Nova Cara", preconizou a mesma geléia geral no tropicalismo, há 32 anos. O antropólogo Hermano Vianna, que escreve texto emocionado no release, expôs argumentos em favor da heterogeneidade em seu livro "O Mistério do Samba" (95). Dudu Marote, produtor do disco, formatou o padrão Skank/Jota Quest de pop. A Universal, gravadora "número 1" no país e deles, alavancou É o Tchan e Sandy & Júnior.

Parece sobrar pouco aos garotos, além de diluir sua ideologia em ideologias alheias, numa bela barafunda -o que são pequenas purezas, o que é expressão própria, o que é investimento político externo, o que é ousadia, o que é lei de mercado? Vai saber.

Se a barafunda é o modo dominante de admirar o mundo, e os jovens que entram agora no jogo hão de ser os próximos porta-vozes de um pensamento unificado que se traveste de caldeirão cultural, é assim que é e pronto.

Por enquanto resultados auspiciosos ainda se turvam num empreendimento comunitário para muito além dos terrenos demarcados e sujos de sangue de Vigário Geral.
 

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