Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/01/2001 - 05h17

Moda: Um inventário para os anos 80

Publicidade

EDUARDO LOGULLO, da Folha de S.Paulo

O ziguezague estético dos anos 80, a partir do estilo que se convencionou chamar de Geração X, está sinalizado com insistência na moda 2000/2001. Boa recuperação, bela exumação: o período de 1º de janeiro de 80 a 31 de dezembro de 89 concentra fatos que redesenharam a história do século 20, além de ter proporcionado avanços tecnológicos que alteraram o comportamento das sociedades urbanas e as possibilidades de comunicação planetária. Tentar reproduzir esse emaranhado de detalhes nem é tarefa de risco, já que nem só de cronologias de décadas sobrevivem os desfiles.

Tempo, tempo, tempo. A novíssima geração mal imagina a "revolução" que foi, por exemplo, preparar pipocas no microoondas. Ou se divertir com as trapalhadas argentinas na Guerra das Malvinas, ouvir Prince com fervor, discutir a queda do Muro de Berlim ou as Diretas Já, colecionar gravatas estreitas, usar chaveiros de fio de telefone, beber Keep Cooler, ler as chatices de Bret Easton Ellis, e, supra-sumo das novidades, contar aos amigos como funcionava o compact disc.

Modernidade era jogar Atari, dançar até seis da manhã no Radar Tan-Tan ou no Madame Satã (na saída, óculos espelhados), sapecar gel no cabelo (ou musse colorido), circular em jeans stone-washed com zíperes nos joelhos, ter botas do tipo astronauta, adotar eventualmente o visual de cowboy urbano, dispor de muitos bolsos nas jaquetas (que podiam ser de cetim ou de vinil) e pendurar um He-Man no painel da Brasília azul-calcinha. No toca-fitas, Eurythmics, Gang 90, Lobão e seus Ronaldos, Depeche Mode, The Police e The Cure. Em meio a bandas de nomes delirantes, surgiu até a sintomática The The. A música jovem, fragmentada em afluentes maneiristas do rock, ricocheteava da new wave ao heavy metal, do tecnopop ao new country.

Calças baggy e ombreiras à parte, do rescaldo cultural dos anos 80 salva-se apenas uma fração do elenco. Nessa década de súbitas prosperidades, surtos coletivos de egoísmo e valorização exacerbada da imagem, alguns ressurgem como penduricalhos de época (Olivia Newton-John, Matt Dillon, Demi Moore), outros com validade vencida (Boy George, Cyndi Lauper, Pat Benataar), ao lado de bobagens embaralhadas na memória (E.T., Aliens, Indiana Jones, Tears For Fears, Duran Duran, Inxs).

Sim, abusava-se do álcool (nadava-se em vodka), da cocaína (onipresente) e do tabaco (muito Camel no pulmão). Mas a década de 80 conseguiu, pelo menos, o contraponto da obsessão pela forma física. Jane Fonda foi a sacerdotisa dessa redefinição de corpos e formas. Adidas, joggings, Nike, bandanas, Puma, meias superpostas, Vuarnet, leggings, Hang Ten.
Músculos e grifes. O fitness boom coincidia também com a profissionalização dos times, a elevação de atletas à categoria de estrelas e a comercialização de campeonatos, fatores que impulsionaram o uso universal de calçados esportivos. O tênis servia como código de identificação urbana e de status social. O ápice da onda: dezenas de adolescentes mortos por gangues que cobiçavam pisantes da marca Converse All Stars.

Os anos 80 celebraram, antes de tudo, o excesso, a superficialidade, a aparência e os bens materiais. Ganhar dinheiro, a atividade mais desfrutável da vida. Conhecer Nova York como a palma da mão, comer sushis no almoço, assinar cheques com Mont Blanc. Competição, sucesso, auto-referência, esperteza, especialização profissional, aceitação de modismos, consumismo compulsivo, disputas, ganâncias. Foram muitos os mandamentos da era que forjou yuppies e workaholics.

Ferraris, diamantes, Pólo, perfumes fortes, Gloria Vanderbilt, cabelos "poodle", Margareth Thatcher reeleita, Paisley, o corte de cabelo de Lady Di. Sob o olhar vidrado de Nancy Reagan -a mais frívola primeira-dama de todos os tempos-, a festa da posse presidencial na Casa Branca, em 81, custaria US$ 11 milhões. E ninguém parecia se importar. Enquanto isso, a TV exibia o programa
"The Lifestyle of The Rich and Famous" ou o seriado "Miami Vice". A década de 80 exauriu o pronome "eu": eu gosto, eu compro, eu tenho, eu quero, eu faço, eu me amo. Individualismo que trouxe o maior índice de divórcios no século.

Restam outros ciclones que assinalam no mesmo período o surgimento da, digamos assim, Idade da Imagem. 1) Madonna. Depois de estrear morena em 83, com nove milhões de discos vendidos, ela ataca, na sequência, de loura glamourosa em "Like a Virgin", disco que trazia "Material Girl".
De 86 a 89, embolsa US$ 125 milhões, tornando-se símbolo de habilidade artística ao misturar música, indústria, moda, business e imagem. 2) Michael Jackson. O clip "Beat It", de 80, marca a chegada da MTV e de seu conceito de rádio ilustrado, com lições subliminares de estilo, identidade grupal e entretenimento. 3) Aids. Todos avanços e conquistas comportamentais passaram a não valer nada frente àquela imunodeficiência misteriosa, devastadora, cercada por culpa, desconhecimento e moralismo.
As agendas de telefone lembravam imagens de amigos mortos. Nos bolsos,
preservativos. No sexo, medo.

Melhor parar por aqui. Sorrisos e corpo empinado. Afinal, análises sobre os anos 80 precisam ser fugazes como highlights da época: néon, Fido Dido, bottons, rebites, luvas, fotos de Robert Mapplethorpe, mais algumas pitadas da melancolia plastificada de "Paris, Texas". O resto é o resto é o resto.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página