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31/01/2001 - 04h38

Araújo filma Ceará místico e futurista

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JOSÉ GERALDO COUTO, da Folha de S.Paulo

Ceará, ano de 2020. Num convento em ruínas, numa paisagem pós-apocalíptica, um noviço de uma congregação místico-messiânica é assombrado por imagens do martírio de São Sebastião e lembranças de sua
violação, quando criança, por um exu.

Assim se pode descrever, sucintamente, o segundo longa-metragem de José Araújo, "As Tentações do Irmão Sebastião", que ele acaba de rodar no Ceará. Agora em fevereiro, Araújo vai a Roma para filmar durante dois dias as imagens que lhe faltam.

Quem viu o primeiro longa do diretor, o premiado "O Sertão das Memórias" (leia abaixo), sabe que não deve esperar de "As Tentações" uma narrativa linear, enquadrada em algum gênero convencional do cinema.

Como o filme anterior, o novo também mistura ficção e documentário e lança mão de uma linguagem fortemente alegórica, recorrendo principalmente aos signos da religiosidade popular.

"A linha dos dois filmes é parecida, só que agora eu elaboro mais essa linguagem de "transcendentalismo no cinema" (para usar a definição de Paul Schrader), em que as imagens são vistas como ícones religiosos", disse Araújo à Folha.

Outra diferença importante é o tamanho da produção. Embora o orçamento total do novo filme não chegue a R$ 1,5 milhão, o cineasta pôde trabalhar em condições menos artesanais: filmou em cores, em 35 milímetros e contou com atores profissionais.

Rodolfo Vaz, que interpreta o protagonista Sebastião, trabalhou no teatro com o grupo Galpão e com Gerald Thomas e estreou no cinema em "Outras Estórias", de Pedro Bial. O elenco conta ainda com Majô de Castro, Marcos Miranda e Auri Porto.

Como no primeiro filme, a fotografia é de Antonio Luiz Mendes ("Das Tripas Coração", "Ópera do Malandro", "Guerra de Canudos"). Na música, Araújo pretende contar de novo com Naná Vasconcelos, autor da trilha de "O Sertão das Memórias".

Fascinação pela umbanda
Em "As Tentações do Irmão Sebastião", o diretor voltou a trabalhar intensamente com a população dos locais das filmagens (Fortaleza, Itapajé e Castanhão). Foram utilizados quase 1.200 figurantes, além de quatro grupos folclóricos cearenses.

A preocupação maior do cineasta foi a de dar uma visão autêntica da umbanda: "Usei médiuns reais. Filmamos com a ajuda de um pai-de-santo".
Segundo Araújo, no Ceará a influência negra não é tão forte quanto a indígena, por isso a cultura local é mais marcada pela umbanda que pelo candomblé.

"São Sebastião é uma presença marcante na umbanda, como comandante dos caboclos. Corresponde a Oxóssi. Achei interessante investigar como o mito de São Sebastião chegou a nós e foi transformado pelo nosso sentido da sexualidade."

Quando adolescente, José Araújo estudou para padre católico, mas sempre foi "fascinado pela religião popular da umbanda", à qual dedicou o documentário "Salve a Umbanda" (1987).

Hoje, casado com uma indiana budista, acredita que "no fundo todas as religiões são parecidas".

"O Ocidente está redescobrindo a espiritualidade, mas já filtrada pelos EUA", diz. "O Dalai Lama é adorado em Hollywood."

Para Araújo, essa pasteurização da religião é análoga à padronização cultural: "A gente está ficando muito parecido com Miami. Mesmo nas cidades do Nordeste, as áreas de classe média são todas modeladas em Miami".

O cineasta resiste a essa tendência uniformizadora enfatizando em seu
filme os signos da cultura regional, como o maracatu, a banda de pífaros e a umbanda.

O trânsito de Araújo entre o regional e o mundial se reflete nos apoios que seu filme recebeu.

Os principais investidores são regionais (Coelce, Telemar, Banco do Nordeste), mas apoiaram também o projeto a Secretaria de Cultura de Nova York, a Associação MonteCinemaVerità, de Locarno (Suíça) e a Guggenheim Foundation. A Videofilmes, do Rio, cedeu equipamentos.

"O meu filme é ambientado num futuro em que acabou a civilização e em que a busca de sobrevivência passa pelo misticismo sertanejo", resume José Araújo, um dos últimos artistas do mundo que ainda conferem valor positivo a esse misticismo.
 

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