Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
21/12/2005 - 06h07

Pesquisador vê a internet como poderosa ferramenta social

Publicidade

MARIANA BARROS
da Folha de S.Paulo

Em visita ao Brasil por conta do lançamento do programa Casa Brasil, que consiste em incentivar comunidades carentes a desenvolver conteúdos para celulares, o pesquisador Doug Sculer falou à Folha sobre a relação entre internet e questões sociais. Vinculado à organização norte-americana CPSR (Computer Professionals for Social Responsability), sigla em inglês para Profissionais de Computação pela Responsabilidade Social, Schuler defende a idéia de que o papel da rede mundial vai muito além dos negócios ou do entretenimento, e que, acima de tudo, seu uso deve estar baseado na educação da população internauta. Leia abaixo a entrevista concedida por telefone.

Folha - O senhor usa o termo "inteligência cívica" para falar sobre o uso social da internet. Em que consiste este conceito?

Doug Schuler - Os efeitos que a tecnologia terá na sociedade dependerão das decisões tomadas ao longo de seu curso. A internet pode se tornar uma rede televisiva, ou seja, uma comunicação de mão única, se não for conscientemente usada como ferramenta para o desenvolvimento humano. A inteligência cívica diz respeito às pessoas coletivamente comprometidas com a proposta de tentar tomar as decisões corretas.

Folha - Isso significa que a rede deveria ser controlada por um núcleo?

Schuler - Não, até porque não há ninguém no controle de tudo. Algumas pessoas têm mais poder do que outras. Bill Gates tem muito poder, mas não está no controle. Acho que a sociedade civil e as pessoas interessadas na educação, no desenvolvimento e em direitos humanos têm de se fazer ouvidas. Não queremos só entretenimento.

Folha - O senhor acha que os blogs são uma boa maneira de exprimir opiniões?

Schuler - Alguns deles não causam o menor impacto, pois tratam apenas de narrar rotinas. E tudo bem. Mas outros são formas de jornalismo cidadão. Todas as mídias que possamos conceber têm componentes desse gênero. Os envolvidos nos negócios e as grandes fundações deveriam perceber que é do interesse deles apoiar esse tipo de esforço. Se fizermos algo apenas para gerar dinheiro, o que acontecerá com as florestas e com as pessoas que vivem na pobreza? Precisamos pensar quão mau queremos que esse mundo seja.

Folha - E o público em geral compartilha essa preocupação ou está apenas preocupado em se entreter?

Schuler - É difícil falar do público como se fosse algo unificado. Todo mundo quer se entreter em algum momento, mas também há muito interesse em educação e em questões sociais. Pode ser que essa parcela represente 10% da população, mas, ainda assim, existe como uma força. Internet não é só para entretenimento, só para negócios ou só para problemas cívicos. Há espaço para tudo isso. Porém há um grande potencial de oportunidade de tratar de problemas sociais que não podemos ignorar.

Folha - Como essa discussão pode ocorrer em países onde há censura do conteúdo on-line?

Schuler - Meu filho esteve na China, onde ele mantinha um blog, e, nos primeiros meses, ele sequer pôde ler o que escrevia. Muitos chineses estão buscando outras maneiras de usar a internet, para lutar por direitos democráticos e por outras questões, e encontraram grande resistência do governo. Mas isso também ocorre em outros países.

Folha - O senhor conhece o programa PC Conectado, do governo brasileiro? O que acha dele?

Schuler - Fantástico. A inclusão não é algo que se dê sem o apoio do governo. É preciso focar nos grupos marginalizados. Contudo não se trata apenas de fornecer computadores, mas também de dar educação e treinamento.

Folha - De acordo com o pesquisador do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], Nicholas Negroponte, que tem um projeto de fornecer laptops a US$ 100, para a inclusão digital, a educação é secundária, pois, segundo ele, até quem não sabe ler consegue usar o micro.

Schuler - Eu discordo totalmente. Ele é um tecnólogo e, como tal, para ele tudo é um problema de tecnologia. Os funcionários do McDonald's, por exemplo, podem apertar a tecla que contém a imagem de uma batata frita para fazer um pedido. É possível fazer coisas do gênero, mas isso não é educar, é um raciocínio tecnológico. Vamos jogar computadores de pára-quedas no meio da África? Essa é uma visão estreita e pouco imaginativa ou realista. Não se pode ignorar o lado social. Fabricantes de micros e operadoras de internet gostam de ouvir coisas como as que Negroponte diz, porque podem vender mais com isso. Não acuso Negroponte, acho que ele está bem-intencionado. Mas discordo de prognósticos como 'eu sei do que as pessoas na África precisam: do meu computador barato'.

Folha - O senhor acha que o impacto de iniciativas de grandes empresas, como o Google, é benéfico para a rede?

Schuler - Não posso comentar isso, pois não tenho um conhecimento muito aprofundado do assunto. Mas posso dizer que medidas que visam simplificar a internet me deixam nervoso. Tudo o que é muito comercial ou corporativo é preocupante. Sou cético quando uma grande companhia quer simplificar a rede. Isso significa que seremos conduzidos apenas para sites de interesse corporativo? É problemático.

Folha - Quais a melhor e a pior coisas que a internet trouxe para as nossas vidas?

Schuler - A melhor eu creio que seja a formação de grupos com interesses semelhantes, unindo pessoas de todo o mundo. O acesso à informação também é incrível, poder consultar a bons materiais gratuitamente. Há dez anos, quem diria que seria possível fazer um curso on-line do MIT sem pagar nada? Como ponto negativo, acho que há muitas coisas que são um insulto à nossa inteligência, uma verdadeira perda de tempo. Também me preocupa o uso da internet como um meio de propaganda ou de espionagem. Seu potencial de abuso é enorme. A exploração desse potencial não é algo pelo qual eu espere, mas é assustadora.

Folha - O senhor poderia dar um exemplo?

Schuler - Maus governos, que espionam e prendem quem protesta. Nos EUA, o governo decidiu invadir o Iraque e penetrou nos veículos de mídia em um esquema 24x7, ou seja, 24 horas durante os sete dias da semana, sem parar, para colocar na cabeça da população que ela seria atacada, que tinha inimigos. Quando alguém tem um megafone na mão, o potencial de abuso aumenta.

Folha - E quanto à privacidade? É possível mantê-la mesmo estando on-line o tempo todo?

Schuler - Não sei se alguém tem a resposta para essa pergunta, mas acho que não queremos desistir de tentar. Temos de evitar abusos e há inúmeras organizações emprenhadas nisso. Sempre é possível ser explorado a partir de dados que você mesmo fornece. Para evitar isso, é preciso educação básica. Minha filha de 16 anos é esperta o bastante para negar informações. Tentamos estar abertos de um lado, mas temos de estar fechados do outro. É um duelo, não podemos fechar os olhos e fingir que isso não existe. As pessoas costumam confiar nas corporações, achando que elas devem estar fazendo o que é correto. Mas eu não sei se estão, ainda mais quando existe dinheiro girando em torno dos dados, que são passíveis de serem vendidos.

Folha - A internet acabou por dar maior valor à informação?

Schuler - Por um lado, a informação virou uma "commodity", já que foi posto um preço sobre ela. Mas por outro, há muita informação gratuita na rede. Difícil é filtrá-la. As pessoas têm de ser espertas e preparadas o suficiente para desconfiar de informações dúbias. A única maneira de conter isso é por meio da educação.

Folha - A educação também contribui para evitar golpes virtuais?

Schuler - Quando recebo spam, por exemplo, sei distingui-lo das mensagens legítimas. Acho que os criminosos sempre tentarão prejudicar as pessoas, mas certamente educação não faz mal a ninguém.

Folha - E qual deve ser o futuro da rede?

Schuler - Não acho que surgirá uma nova tecnologia que resolverá todos os nossos problemas. Nós é que temos a responsabilidade de resolvê-los, o que demandará muito esforço. Acho que os governos têm de se envolver nisso, pois têm responsabilidade sobre a segurança e o bem-estar das pessoas. O papel dos governos é tornar as coisas mais fáceis para as corporações ou estão realmente preocupados com seus cidadãos? Há dias em sou otimista e outros em que sou pessimista. Pelo que vejo, podemos ir para ambos os lados.

Folha - Que outras parcelas da sociedade devem se envolver nisso?

Schuler - Os estudantes são um grupo interessante, pois estão sempre buscando novas informações, têm esperança e crêem que se você entender um problema, será capaz de solucioná-lo. Também gostaria de ver as grandes corporações atuando como cidadãs do mundo. O fato é que a tecnologia, por si só, realmente não é a resposta.

Leia mais
  • Empresa de Taiwan vai produzir laptop de US$ 100
  • Palmtop "popular" chega ao Brasil por R$ 500
  • Cerca de 1 bilhão de pessoas têm acesso à internet
  • Metade dos brasileiros nunca usou computador

    Especial
  • Leia mais no especial sobre inclusão digital
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página