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21/07/2000 - 05h06

Novos talentos apostam em mudanças tecnológicas

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MARIA BRANT, da Folha de S.Paulo

Se a expectativa de alguns jovens cineastas se concretizar, o cinema brasileiro nunca mais será o mesmo. O barateamento de algumas tecnologias, como o DV (vídeo digital, na sigla em inglês) e os programas de edição não-linear de imagens, e o aperfeiçoamento de outras, como os rojetores digitais e a transmissão de dados pela Internet, seriam responsáveis por uma profunda mudança na forma de fazer cinema. Para eles, essa revolução não se limitaria à captação e à edição de imagens: transformaria, em poucos anos, todo o sistema de produção e distribuição de filmes e os atuais padrões estéticos da produção cinematográfica.

Esses cineastas já estão moldando seus projetos de acordo com as possibilidades e imitações das novas tecnologias e montando suas próprias produtoras em casa. Alguns vêem a nova onda como a retomada do princípio básico do cinema novo: uma idéia na cabeça, uma câmera na mão. Outros identificam a chance de mudança nos aspectos mercadológicos. Mas, todos parecem concordar, o centro dessa revolução é a democratização _e consequente melhora de qualidade_ da produção cinematográfica brasileira.

"As mudanças no cinema quase sempre vieram de alterações tecnológicas ou econômicas", diz Paulo Sacramento, 29, cujo próximo filme, "O Prisioneiro da Grade de Ferro", um documentário sobre os presos do Carandiru, será gravado em DV. O cineasta, que já fez vários curtas e montou "Cronicamente Inviável", de Sergio Bianchi, compara o surgimento do vídeo digital à passagem do cinema mudo para o cinema falado no início do século e à utilização de câmeras mais leves e filmes mais sensíveis na época da nouvelle vague francesa, do neo-realismo italiano e do cinema novo brasileiro. Ele pretende comprar uma câmera de DV e montar seu filme em casa. Destaca a leveza do equipamento, que dispensa equipes enormes e aparato caro de iluminação, permitindo maior agilidade e independência, além de garantir depoimentos mais espontâneos.

O barateamento dos equipamentos necessários para fazer um filme pode reduzir muito seu custo. "Cama de Gato", longa-metragem escrito pelo diretor de teatro Alexandre Stockler, 27, e pelo cineasta Gustavo Steinberg, 26, custaria, segundo os cálculos da dupla, R¹ 1,6 milhão se fosse rodado em película de 35 mm. "Em DV, o filme tem um orçamento previsto de R¹ 180 mil, incluindo a passagem para 35 mm nos EUA e a produção de cinco cópias", diz Steinberg, que foi co-roteirista e co-produtor de "Cronicamente Inviável". O filme, que começou a ser rodado no último dia 17, está ligado ao movimento Trauma 99 (Tentativa de Realizar Algo Urgente e Minimamente Audacioso), de produção de filmes baratos, que tentam ser ousados e independentes.

O processo de edição dos filmes também sofreu uma drástica redução de preço. Segundo Phillippe Barcinski, que está montando em casa seu próximo curta, "A Janela Aberta", "um Avid, que era ferramenta fundamental de edição, pode chegar a custar R¹ 100 mil. É, portanto, restrito a grandes produtoras em que você aluga o equipamento por hora". A ilha de edição que tem em casa, um Mac G3 e um programa de edição, Final Cut, "pode ser montada a um custo de R¹ 9 mil ou R¹ 10 mil". Para Barcinski, que escreveu e dirigiu curtas premiados, ter o equipamento permitiu que o filme fosse pré-montado antes mesmo de ser filmado.

Para Roberto Moreira, 39, autor de diversos curtas e um média-metragem e co-roteirista de "Um Céu de Estrelas", de Tata Amaral, "é uma outra relação que se estabelece com as imagens. É um pouco como o artista plástico em um ateliê, você capta, edita e reedita a imagem. Não tem aquela premência do tempo do cinema". Moreira, cujo próximo filme, o longa-metragem "Inferno", em produção, foi "feito para ser captado inteiramente em DV", também tem uma ilha de edição não-linear.

Raimo Benedetti, autor de curtas de animação e videógrafo do programa "Avesso", do canal pago Sony, montou com uma câmera DV, um videocassete e um monitor, um equipamento portátil com o qual pode gravar e editar seus trabalhos "instantaneamente". O artista dará um curso sobre DV na Faculdade Casper Líbero no 2º semestre deste ano.

Os cineastas recifenses Lírio Ferreira e Paulo Caldas, que fizeram juntos "Baile Perfumado", também pretendem utilizar o DV para captar as imagens de seu próximo projeto, um documentário sobre o sambista Cartola, e misturá-las a imagens de arquivo em película. Caldas, que lançou neste ano "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", diz que "o barato é a fusão de várias texturas de imagens". Ambos são ligados ao Mangue Beat, movimento criado por bandas de Recife no início dos anos 90, que tem como base a pluralidade na utilização dos elementos (do mangue à cibernética).

Outro aspecto do cinema que promete ser profundamente afetado pelas novas tecnologias é a distribuição de filmes. A Internet deve ser a principal ferramenta para um novo padrão menos atrelado às grandes distribuidoras. Moreira usa o Napster, programa que revolucionou a distribuição de músicas na rede, como referência para o futuro. "Em alguns anos, vai ocorrer com o cinema o que ocorre hoje com a música."

A produtora Archipelago, de Belo Horizonte, acaba de lançar o Feito a Mãos (veja quadro abaixo), site dedicado à distribuição de filmes digitais. Segundo Chico de Paula, 37, sócio da produtora e autor do premiado curta "Eu Faço Versos como quem Morre", o site disponibiliza filmes para download e pretende estimular também a produção de filmes "por quem nunca fez cinema".

A Internet também está sendo incorporada como parte dos próprios filmes. "Cama de Gato", por exemplo, terá algumas cenas, gravadas pela webcam de um dos personagens, acessíveis apenas pela rede.

Segundo Bruno Vianna, 28, diretor do curta "Geraldo Voador", que ganhou 13 prêmios, entre eles o de melhor filme no Festival de Gramado, é preciso "pensar em maneiras de viabilizar um circuito de exibição de filmes em DV". O cineasta carioca acaba de voltar de um curso sobre arte e tecnologia nos EUA e quer trazer projetores digitais para o Brasil. "Quando voltei, senti que a minha geração está mais aberta ao DV. Até mesmo fotógrafos, que eram os mais resistentes, estão dispostos e entusiasmados com a nova tecnologia." Quer promover um festival de filmes em DV em abril e junho de 2001, "quando vários desses filmes que estão sendo produzidos agora vão estar prontos".

O projeto também inclui a instalação de projetores digitais em salas de cinema em São Paulo e Rio. "Esses filmes teriam o mesmo faturamento e custariam 10% do preço de um filme em película, seriam filmes viáveis, que se pagariam. Isso tem muito mais a ver com a nossa realidade."

Para cineastas que sentiam enormes dificuldades para fazer filmes dentro de um esquema ditado por grandes produtoras e distribuidoras e restrito aos poucos que conseguiam captar muito dinheiro, essa é a grande oportunidade. Como diz Sacramento: "Façam seus filmes, já". Mas, afirma Moreira, não se pode "fetichizar" a tecnologia.

"Antes de tudo vem sempre a qualidade do que você tem a dizer".

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