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21/07/2000 - 05h15

Tecnologia muda conceito de entretenimento

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ALCINO LEITE NETO, da Folha de S.Paulo

A expansão das novas tecnologias de comunicação e a recauchutagem das antigas culminam numa transformação em larga escala da vida cultural. A mudança diz respeito ao modo como o conceito e as estratégias do entretenimento passaram a dominar quase toda a produção de bens simbólicos, com efeitos concretos sobre a ordem social e política.

O fenômeno tem chamado a atenção de pesquisadores em todo o mundo. Uma série de livros foi publicada nos últimos dois anos sobre o tema _e o mais célebre deles já saiu no Brasil: "Vida, o Filme - Como o Entretenimento Conquistou a Realidade", de Neal Gabler (Companhia das Letras). No fim do ano passado, a Universidade de Southern California, em Los Angeles, inaugurou um centro de estudos sobre entretenimento, talvez o primeiro do gênero _The Norman Lear Entertainment Center.
As análises atuais tentam dar conta, em linhas gerais, dos seguintes aspectos:

1) O consumo de bens culturais (filmes, TV, música, parques etc.) se expande hoje em escala inédita, firmando a indústria mundial de entretenimento como uma das mais lucrativas na nova economia.

Segundo o "Relatório do Desenvolvimento Humano" (1999), da Unesco, o comércio internacional de bens de conteúdo cultural quase triplicou entre 1980 e 1991, indo de US$ 67 bilhões para US$ 200 bilhões. "Para os EUA, a maior indústria exportadora singular não é a de aviões, computadores ou automóveis _é a de entretenimento, em filmes e programas de televisão", diz o relatório.

2) Essa indústria é dominada por gigantescas corporações de alcance transnacional e tendência oligopolista, que buscam absorver todos os ramos da produção de bens culturais, a fim de compensar a flutuação do interesse do consumidor.

"O custo de capital que requer para as suas operações torna-se uma formidável barreira para a entrada de novos competidores. A maior parte dos segmentos da indústria de entretenimento é, assim, comandada por grandes companhias com acesso relativamente fácil a enormes montantes de capital", observa Harold L. Vogel, em "Entertainment Industry Economics" (Cambridge University Press, 1998).

3) As tecnologias de comunicação (satélite, cabo etc.), de exibição (como redes de cinemas multiplex e gigaplex) e a Internet favorecem a expansão mundial de produtos, distribuídos e vendidos em sistema de rede pelas corporações e recicláveis em vários suportes (cinema, TV, vídeo, DVD etc.).

"Tecnologias digitais estão desconectando os produtos de entretenimento de mídias específicas e os fazendo adaptáveis a múltiplas plataformas. (...) Essas tecnologias inauguraram novos mercados, habilitaram novas explorações do produto e otimizaram tempo e custos", escreve Michael J. Wolf em "Economia do Entretenimento" (Times Book, 1999).

4) A indústria de entretenimento pressiona todas as trocas culturais, afetando mesmo instituições até então de caráter educativo e preservadas do interesse mercantil, como os museus e as cinematecas. Já se fala também em "edu-entretenimento", aplicado à educação.

"Titanic: A Exposição" e "Star Wars - A Mágica do Mito" foram duas mostras recentes de museus norte-americanos (o da Ciência e Indústria, de Chicago, e o do Ar e do Espaço, de Washington).

Assim Maxwell L. Anderson, diretor do Whitney Museum, de Nova York, expressou recentemente o impasse: "Consumidores hoje já não nos vêem como algo diferente de outras atrações. Mas na verdade nós não temos recursos para competir com tão variados tipos de organizações que estão constituídas para servir às forças de mercado".

5) A indústria de entretenimento isola a alta cultura em feudos estéreis e coloca em xeque suas hierarquias de gosto e seus conceitos de autoria, crítica e formação _demasiadamente não-operacionais na volatilidade do mercado de diversão.

Um efeito banal desse processo é, por exemplo, a substituição, em sites ou revistas, das classificações "arte" ou "cultura" pelas indicações "diversão" ou "lazer".

Outro efeito, mais complexo, é a desinibição do consumidor com relação aos juízos críticos da alta cultura. Nessa, o gosto resulta de um longo e complexo processo de formação e educação. No mercado de entretenimento, o gosto é resultado de uma escolha entre produtos, inclusive da alta cultura, conforme a transferência narcísica do consumidor.

"Gosto é o ato de fazer a coisa parte de sua identidade. Despidos da legitimidade que a antiga hierarquia cultural dava a eles, atos de gosto são atos de apetite, não importa se aplicados à arte, móveis ou comidas", observa John Seabrook em "Nobrow - A Cultura do Marketing - O Marketing da Cultura" (Alfred A. Knopf, 2000).

6) A indústria do entretenimento é a elevação da "cultura de massas" a um patamar imperial e como meio hegemônico de compartilhamento social em um mundo fragmentado e pós-democrático.

O filósofo alemão Peter Sloterdijk escreve em "Desprezo pelas Massas" (a sair neste ano pela Estação Liberdade): "As massas atuais (...) ingressaram em um regime no qual o caráter de massa se expressa não mais no ajuntamento físico, mas na participação em programas dos meios de comunicação de massa. (...) A sociedade contemporânea (...) observa-se a si mesma apenas através de símbolos midiáticos, de discursos, modas, programas e personalidades".

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